Dois dias após Sebastian Kurz, envolvido em investigações de corrupção e suborno, renunciar ao cargo de premiê da Áustria, um novo nome assumiu o posto nesta segunda-feira (11). Trata-se do ex-ministro das Relações Exteriores Alexander Schallenberg, 52.
O presidente austríaco, Alexander Van der Bellen, chancelou a escolha de Schallenberg. Diplomata de carreira, o novo premiê não tem longa trajetória na política institucional. A oposição, cética em relação a mudanças estruturais no governo, argumenta que ele apenas cumprirá as ordens de Kurz.
"Todos os partidos da oposição concordam que não há mudança. Kurz ainda tem todas as cartas em suas mãos, e o premiê designado faz parte desse sistema", disse Kai Jan Krainer, dos sociais-democratas, que integrou uma comissão parlamentar que investigou um possível caso de corrupção no governo anterior de Kurz, quando a coalizão se dava com o Partido da Liberdade (FPO).
Em um comunicado à imprensa, Schallenberg confirmou, em partes, os argumentos da oposição austríaca. O premiê disse que pretende trabalhar "muito próximo" de Kurz. "É claro que vou trabalhar em estreita colaboração", afirmou. "Acredito que as acusações que foram feitas [contra Kurz] são falsas e estou convencido de que, no final, vão descobrir que não houve nada."
O agora ex-primeiro-ministro, por sua vez, tuitou dizendo que não será um "premiê nas sombras". Ele é investigado por supostamente ter usado recursos do ministério das Finanças do país, entre 2016 e 2018, para financiar pesquisas e coberturas jornalísticas favoráveis a ele —à época, Kurz era ministro das Relações Exteriores. Também pesa sobre o político uma investigação de que teria dado declarações falsas a uma comissão parlamentar.
Ele nega as irregularidades e deve permanecer líder do Partido Popular (OVP) no Parlamento austríaco.
O presidente, ao confirmar o nome de Alexander Schallenberg para premiê, disse que "o governo, agora reorganizado, tem uma grande responsabilidade não apenas de continuar com sucesso os projetos nacionais, mas também de restaurar a confiança do público na política".
Schallenberg também terá o desafio de reorganizar a inédita aliança governista com o Partido Verde, de centro-esquerda, enfraquecida após o início das investigações contra Kurz.
O líder dos Verdes e atual vice-premiê, Werner Kogler, disse estar "feliz que haja a possibilidade de abrir um novo capítulo no trabalho da coalizão", que termina sua legislatura em 2024.
Analistas também projetam que o novo governo será de continuidade e que Kurz, fora do posto de premiê, mas dentro da arena política, seguirá ditando as regras. À agência de notícias AFP o cientista político Patrick Moreau descreveu Schallenberg como alguém íntegro e com ampla capacidade de comunicação.
Como não tem experiência em política doméstica e, além disso, deve a maior parte de sua carreira a Kurz, acrescentou o analista, o premiê seguirá aconselhado por seu antecessor. Os dois compartilham de bandeiras semelhantes, como a retórica nacionalista e anti-imigração.
A queda de Kurz, além dos impactos diretos para a aliança governista, pode simbolizar também o cenário de mudanças da centro-direita na Europa, de acordo com analistas ouvidos pelo jornal americano The New York Times.
Jovem e carismático, o ex-premiê remodelou seu partido, tradicional na Áustria, numa guinada para a ultradireita e, com isso, angariou apoiadores.
Atento à demanda de uma parcela da população austríaca insatisfeita com a crise dos refugiados na Europa, Kurz, em 2018, cortou benefícios sociais para estrangeiros, deixou de financiar cursos de alemão essenciais à integração deles e ordenou que só fossem avaliados pedidos de asilo de cidadãos que ainda não tivessem adentrado o país.
A abertura das investigações contra o líder do Partido Popular, porém, quebra o argumento da moralidade que a sigla tentava adotar.
“O que estamos vendo na Áustria é o colapso de uma nova narrativa para os partidos conservadores na Europa”, disse Thomas Hofer, consultor de política em Viena, ao New York Times. “Internacionalmente, o modelo Kurz foi algo que outros olharam de perto como uma possível resposta aos populistas de ultradireita.”
O cenário austríaco, diz, acende mais um alerta para a necessidade —e os desafios— da reinvenção da centro-direita europeia. Com um cenário político muito mais fragmentado do que no pós-guerras, as legendas desse espectro se veem no desafio de atrair pautas próprias. A estratégia de Kurz parece não ser um bom exemplo.
“Kurz é alguém que pegou um partido tradicional de centro-direita, arrastou-o para o modo populista e agora está em apuros”, disse o professor da Universidade de Oxford Timothy Garton Ash.
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