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Será um massacre, diz artista cubana no exílio sobre manifestação em Cuba

Para Tania Bruguera, no entanto, atos podem surpreender, porque população já não está mais tão assustada

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Buenos Aires

Quando Barack Obama e Raúl Castro anunciaram uma reaproximação entre EUA e Cuba, em 2014, a artista Tania Bruguera tentou realizar uma performance na Praça da Revolução, em Havana.

A obra seria uma parte de sua conhecida série "Sussurro de Tatlin", que consiste num microfone aberto para que as pessoas pudessem se expressar. Aquela foi apenas uma das vezes em que foi detida.

Reconhecida pelo trabalho exibido em museus e mostras tradicionais e de renome, como a Tate Modern, de Londres, a Documenta de Kassel e as bienais de arte de Veneza e São Paulo, Bruguera, 53, decidiu deixar a ilha em agosto para aceitar um convite da Universidade Harvard.

Homem é preso em Havana durante manifestações de 11 de julho, as maiores registradas em décadas na ilha de Cuba  - Adalberto Roque - 11.jul.21/AFP

A partir dos EUA, apoia as manifestações de coletivos de artistas e dissidentes cubanos contra o regime. O próximo protesto, marcado para o dia 15 de novembro, já foi proibido, mas os ativistas afirmam que irão às ruas de qualquer maneira. "Será um massacre", afirma ela à Folha, por meio de chamada de voz.

Bruguera, uma das mais conhecidas ativistas cubanas pela liberdade de expressão, ao lado de Rosa Payá e da blogueira Yoaní Sánchez, também faz campanha para que artistas e curadores estrangeiros não aceitem participar da próxima Bienal de Havana, programada para ocorrer em novembro.

Por que o movimento pediu a permissão do regime para ir às ruas em 15 de novembro? Consideraram que essa autorização poderia eventualmente ser dada? Queríamos usar a Constituição, uma vez que a própria ditadura vem propagandeando que as leis de Cuba, desde 2019, permitem a livre associação e a manifestação pacífica. Queríamos que eles fossem obrigados a se pronunciar publicamente, assim a negativa mostraria que a nova Constituição não é tão democrática e moderna como eles propagandeiam.

O que vai acontecer em 15 de novembro? É possível que muita gente tenha medo, mas creio que a maioria das pessoas que estão revoltadas vai sair do mesmo jeito —e será um massacre. Se em julho, quando eles não estavam esperando e tudo ocorreu de modo espontâneo, tivemos um morto, centenas de feridos e presos, imagine agora, que eles já estão estacionados na porta daqueles que podem se manifestar?

De todo modo, o protesto pode surpreender, porque as pessoas já não estão mais tão assustadas, e há a possibilidade de que ex-aliados e gente que nunca se envolveu com política e está preocupada apenas com questões econômicas e sanitárias também se manifestem. Aí não vai dar para prender ou reprimir todo mundo. E também há muito mais gente revoltada agora do que em julho. Porque durante todo esse tempo de pandemia, com a situação econômica se deteriorando, o regime pediu muitos sacrifícios à população e não fez nenhuma questão de esconder que eles, os poderosos, estavam muito bem.

Como tem sido a repressão e a perseguição aos que saíram às ruas em julho? Intensa, brutal, seguindo essa espécie de manual de satanização e de repressão que eles usam desde a revolução [1959]. Muitos foram presos, mas não se trata apenas de prender. É hostilizar, ameaçar as famílias, monitorar as redes, assustar. Esses mecanismos são os mesmos e, a longo prazo, funcionam, porque as pessoas se cansam, começam a pensar na sua vida pessoal. Esse sujeito que agora está dando a cara, o Yúnior García, do coletivo Arquipélago, está sendo demonizado na TV, nas revistas, no local em que trabalham seus familiares. Por ora está aguentando, quem sabe até quando.

Já fizeram isso com muitos colegas e comigo. Em uma das campanhas de pressão para que eu saísse da ilha, chegaram a publicar meu número de telefone no telediário. Nem todo mundo aguenta essa campanha por muito tempo. Para eles é eficiente, porque trancar todo mundo na cadeia junto não dá. Então fazem esse jogo de satanização, de descrédito, até a pessoa desistir ou sair do país. Se não conseguem, engrossam, prendem, somem com familiares. É um roteiro antigo e, até aqui, muito eficiente.

Com a senhora foi assim? Sim, prenderam-me mais de uma vez. Interrogaram-me, depois me deixaram reclusa em casa e vigiada. Mas comecei a ter um nome fora do país devido ao meu trabalho. Uma vez, num interrogatório na sala de torturas, disseram que nunca me condenariam, porque não queriam que eu virasse um Ai Weiwei [artista e ativista chinês], alguém que fosse ouvido em todas as partes.

Então foram pressionando de outras maneiras. Queriam que eu saísse definitivamente de Cuba, e eu disse que não iria. Até que surgiu uma chance de dar aulas em Harvard, e pressionei para trocar isso pela liberdade de um grupo de presos políticos. Eles acabaram aceitando e liberaram a maioria dos que negociei. Mas isso não é definitivo, e espero poder voltar. No momento, estou vivendo entre Boston e Nova York, mas tenho metade da minha família em Cuba e parte da minha vida lá.

A artista Tania Bruguera durante performance na Bienal de Veneza, em 2001 - Divulgação

O que é diferente hoje em relação aos tempos de Fidel e Raúl Castro em termos de liberdade de expressão e oposição? Havia algo antes que hoje desapareceu. Era uma preocupação muito grande do regime com a imagem que Cuba tinha no exterior. Então, quando surgiam reclamações fortes, o governo dava um jeito de virar isso. Amenizando a situação da pessoa, liberando algumas coisas, negociando amavelmente ou pressionando de modo mais sutil. A diferença com [o líder de Cuba Miguel] Díaz-Canel é que ele não se importa com a imagem de Cuba, não se importa se vai parecer um repressor, um ditador.

Outra diferença é o lugar do artista. Cantores, atores, cineastas e artistas cubanos eram o orgulho do regime, eram parte da bandeira de sucesso do sistema. E por isso sempre houve respeito. Díaz-Canel chegou ao poder de modo brutal, impondo leis de censura, perseguindo, chamando-nos de delinquentes. Com os Castro, os artistas tinham mais crédito, hoje são insultados por todos os meios e chamados de agentes do inimigo. E o governo fica numa situação complicada, porque eles mesmos nos formaram. Os grandes artistas de Cuba fomos formados nas ótimas escolas da ilha. E agora estão nos reprimindo.

Qual é o papel das redes nesses novos protestos? É crucial, mas o regime tem atuado com força aí também. Em Cuba, você pode prender alguém devido a uma postagem no Facebook. Há muita vigilância. Se uma pessoa está presa e um familiar postar uma crítica ao regime, pode saber que essa pessoa vai ser torturada, vai responder por isso.

A quantidade de esforços para controlar a narrativa oficial é gigantesca, e por enquanto estão ganhando, é uma batalha muito difícil de vencer atualmente. Mas se bloqueiam o WhatsApp, há outros aplicativos. Se derrubam a internet, há quem possa postar a partir do exterior. É como tapar o sol com uma peneira. Por ora estão ganhando, mas não acho que vai durar muito tempo.

Como outros artistas, a senhora defende o boicote à Bienal de Havana, marcada para 12 de novembro. Por quê? A Bienal de Havana é um evento muito importante e de grande ajuda para a projeção da arte cubana. No ano passado, ela foi cancelada em razão da pandemia. E, neste ano, com a crise econômica, sanitária e política, faz menos sentido ainda ter uma bienal de arte, por isso defendemos que curadores e artistas estrangeiros convidados se recusem a participar.

Claramente se trata de uma estratégia da ditadura para causar distração, para vender uma imagem de que está tudo bem em Cuba —mas não está. Queremos deixar claro que qualquer apoio de estrangeiros a essa bienal pode ser entendido como algo imoral.


Raio-x

Tania Bruguera, 53
Filha de um diplomata e político cubano, é uma das artistas mais conhecidas da ilha, especialmente por seu ativismo em defesa da liberdade de expressão. Já exibiu seu trabalho em museus e mostras de renome em Londres, Veneza e São Paulo.

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