França desconvida ministra britânica, em nova crise após naufrágio no Canal da Mancha

Macron critica Boris Johnson por tornar pública carta em que sugere devolver estrangeiros que chegam à Inglaterra

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Bruxelas

O governo francês desconvidou o Reino Unido para uma reunião de ministros sobre as travessias de imigrantes no Canal da Mancha, depois que o premiê britânico, Boris Johnson, publicou uma carta ao presidente da França, Emmanuel Macron, em que sugere que o país receba de volta os estrangeiros que desembarcam na Inglaterra.

A reunião ministerial havia sido marcada após a morte de ao menos 27 pessoas que tentavam chegar ao Reino Unido em um bote inflável, na última quarta (24). Entre os mortos estão 17 homens, 7 mulheres —uma delas grávida— e 3 crianças.

Apesar do desastre, o mais grave na região desde que a OIM (Organização Internacional para a Migração) começou a monitorar os casos, em 2014, imigrantes continuavam a se arriscar na viagem nos últimos dois dias.

Silhueta de barco é vista contra forte luz vermelha, que reflete nas águas do canal da mancha, na escuridão
Barco pesqueiro francês bloqueia a entrada de porto no Canal da Mancha, em protesto contra restrições à pesca, um dos recentes atritos entre França e Reino Unido, que se agravaram com a crise dos imigrantes - Sameer Al-Doumy /AFP

O Reino Unido se comprometeu em julho a pagar quase 63 milhões de euros (quase R$ 400 milhões) para patrulhar as fronteiras, e o governo de Macron afirma que oferece a possibilidade de que eles fiquem na França —mas estrangeiros dizem querer chegar à Inglaterra.

"Se aqueles que chegam a esse país fossem devolvidos rapidamente, o incentivo para as pessoas colocarem suas vidas nas mãos dos traficantes seria significativamente reduzido", afirmou Boris, que tornou pública a carta também em sua conta de mídia social.

Macron afirmou que a atitude mostra que o britânico "não é sério" em suas propostas. "Você não se comunica de um líder para outro sobre questões como essas por meio de tuítes e cartas que torna públicas", reagiu o presidente francês, em Roma, onde faz visita oficial.

Boris já havia irritado o colega ao insinuar em entrevista logo após o naufrágio que a culpa era dos franceses, que não fariam "esforços suficientes". "Infelizmente, tenho dificuldade em persuadir alguns dos parceiros, especialmente os franceses, a reagir à altura da situação", disse ele.

Ao chegar de uma viagem à Croácia, o presidente francês telefonou para o britânico e, segundo a mídia de seu país, pediu que ele agisse "com dignidade, respeito e espírito de cooperação eficaz no que diz respeito à vida humana".

O novo episódio agrava uma relação já tensa, em que ambos os lados se acusam de não fazer o suficiente para impedir que os estrangeiros arrisquem a vida na travessia dos cerca de 50 km de mar revolto que separa os dois países.

Também acrescenta mais um ponto de conflito na diplomacia entre os vizinhos, que discutem permissões de pesca em águas próximas e se estranharam após a quebra, pela Austrália, de um contrato de compra de submarinos franceses, após formar aliança com o Reino Unido e os Estados Unidos.

Na manhã desta sexta, Gérald Darmanin, ministro do Interior da França, anunciou a retirada do convite à sua homóloga Priti Patel, do Reino Unido, para o encontro domingo em Calais (na costa francesa) do qual participam também os ministros encarregados de imigração da Bélgica, da Holanda e da Alemanha, além da Comissão Europeia.

O número de estrangeiros que se lançam ao Canal da Mancha em botes precários cresceu exponencialmente nos últimos três anos, depois que a fiscalização aumentou sobre outras rotas, como a rodoviária, dentro de caminhões, ou a ferroviária, pelo túnel que une os dois países.

De acordo com o governo francês, só neste ano, 47 mil imigrantes tentaram a travessia, dos quais 7.800 foram resgatados pelas guardas marítimas. De acordo com as autoridades britânicas, 26 mil chegaram à sua costa em pequenos barcos.

Além de devolver os estrangeiros, Boris propôs em sua carta um patrulhamento terrestre conjunto nas praias francesas —já descartado por Macron— e acesso recíproco às guardas marítimas nas águas de cada país.

Após o naufrágio de quarta, ambos os líderes prometeram agir duramente contra quadrilhas de contrabando de imigrantes, apontadas como principais culpadas do problema. Desde o início do ano, 1.552 contrabandistas foram presos e 44 quadrilhas desmanteladas, segundo a França.

Dois sobreviventes do naufrágio, um da Somália e outro do Iraque, tiveram alta do hospital em que estavam em Calais e devem ser interrogados sobre a travessia, para preencher lacunas de informação —por exemplo, a de quantas pessoas estavam no barco e o que pode ter provocado o acidente.

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