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'Homem do tempo' do Kentucky ajudou a salvar vidas ao prever hora exata que tornado chegaria

Trent Okerson atua em TV local e se interessou pela previsão do tempo por ter medo de tempestades

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Washington

Quando criança, Trent Okerson temia tempestades. Para enfrentar o medo, começou a se interessar por meteorologia, o que acabou se tornando sua profissão. Na semana passada, ele teve de lidar com o maior tornado a atingir seu estado, o Kentucky, em décadas.

A habilidade em rastrear tempestades com precisão —ele acertou o minuto exato em que ela tocaria as cidades pelo caminho— ajudou muitas pessoas a se salvarem. Diversos moradores relataram, nos dias seguintes, terem buscado abrigos seguros após ver os alertas de Okerson na TV local WPSD, afiliada da rede NBC, na qual apresenta a previsão do tempo há 14 anos.

Assim, muitos saíram ilesos da passagem do tornado que destruiu centenas de casas.

Legion Theatre, em Mayfield, cidade do Kentucky, destruído após a passagem do tornado - Chandan Khanna - 16.dez.21/AFP

Okerson, 41, vive em Paducah, cidade de 25 mil habitantes e uma das atingidas pelo tornado no dia 10 de dezembro. A tempestade, que varreu vários estados ao longo de mais de 300 km, deixou ao menos 88 mortos. Ainda emocionado pelo que viveu nos últimos dias, ele conversou com a Folha por telefone.

Sempre tive fascinação pelo clima. Quando era bem pequeno, tinha medo de tempestades. E parte deste medo me levou a me interessar e a aprender mais sobre elas, e esse interesse nunca foi embora.

Conforme fui crescendo, vi furacões e tornados que realmente afetam a vida das pessoas. E percebi que poderia usar a minha fascinação pelo tempo para ajudar. Na maioria dos dias, nosso trabalho com a previsão do tempo envolve ajudar as pessoas a planejarem seu dia, a levarem um guarda-chuva.

Mas há raras ocasiões, como na noite de 10 de dezembro, quando nosso trabalho se torna algo que pode salvar vidas. E isso traz um grande peso, muita responsabilidade, mas também um grande valor.

Tive um caminho muito incomum até a TV. Por cinco anos, fui professor de ciências no ensino médio, até perceber que não era o que queria fazer pelo resto da vida. Nunca consegui de fato deixar o interesse pelo clima para trás, então decidi voltar a estudar e fazer aulas na universidade Mississippi State.

Acabei ficando na mesma sala de um repórter de TV. Ele me apresentou a alguns meteorologistas que trabalhavam aqui na emissora WPSD na época. Eles me deixaram fazer um estágio, que acabou virando um emprego fixo depois de três meses, e é onde estou desde então, há 14 anos.

O pico da temporada de tempestades geralmente ocorre na primavera americana. É comum que aconteça de março a maio, não em dezembro. Conforme a semana passada foi avançando, vimos que a atmosfera estava em condições de gerar um tempo severo. Nos dias 8 e 9 de dezembro, começamos a notar que os dados e os modelos matemáticos estavam indicando números mais altos do que normalmente vemos em temporais da primavera. Isso nos chamou a atenção e nos preocupou.

Trent Okerson, meteorologista da emissora WPSD no Kentucky - @trentokersonwpsd no Facebook

Há muitos modelos de previsão que olhamos. E, na manhã de 10 de dezembro, todos eles mostravam que os ingredientes [para um grande temporal] estavam vindo —todos juntos. Nunca tínhamos visto os indicadores se juntarem deste modo. Isso aumenta sua capacidade de previsão.

Começamos, então, a divulgar os alertas, horas antes. A tempestade chegaria em uma sexta à noite, quando sabemos que as pessoas ficam longe da TV. Queríamos ter certeza de que elas estariam ligadas e teriam formas de receber os alertas se necessário e fomos divulgando as informações ao longo do dia, deixando claro que era algo fora do normal.

Geralmente eu trabalho no telejornal da manhã, mas neste dia fiquei no ar também de noite. Tínhamos visto como essa tempestade havia passado pelo Arkansas. Notamos como era realmente forte e que não estava se enfraquecendo. Então, começamos a alertar as pessoas que um tornado poderia estar nesta área em duas, duas horas e meia, algo que nunca tínhamos feito antes. Esta tempestade era tão única, forte e consistente que decidimos dar o alerta dessa forma.

Enquanto estava no ar, eu sabia que, pela força da tempestade, provavelmente pessoas iriam morrer, iriam perder tudo. Somos uma emissora de TV de cidade pequena e muito próximos da comunidade. E as pessoas se importam. Elas viram preocupação em nossos rostos, isso as ajudou a entender que era algo sério e a fazê-las agir. E essas pessoas nos procuram agora para dizer que as ajudamos a se salvar teve um grande impacto em nós. Por mais que haja devastação, isso ajuda a nos sentirmos um pouco melhor: saber que algumas pessoas estão bem por conta do que você fez.

Os últimos dias foram esmagadores. É marcante saber que somos capazes de ter realmente um impacto direto nas pessoas desta forma. Isso reforça a responsabilidade que temos. Mas é realmente de partir o coração ver esta tempestade ir em direção às comunidades e não poder fazer nada além de avisar.

Os governos federal e estadual estão sendo incrivelmente solícitos e rápidos na resposta. No dia seguinte, o governador esteve aqui. O presidente declarou desastre e enviou ajuda. E, mais do que isso, as pessoas da nossa comunidade têm sido incríveis em ajudar. Há muitos moradores rurais aqui.

As pessoas são resilientes, ajudam-se. Em um tempo em que estamos tão divididos, ninguém se importa sobre sua visão política. Estamos sendo como um só povo agora.

Nesses dias, ando lembrando muito de algo que ocorreu há quatro anos e meio. Um novo diretor de Redação tomou posse. Seu nome é Perry Boxx, e ele é meu chefe hoje. Quando fomos apresentados, ele perguntou o que eu fazia. Eu disse "sou meteorologista. Faço a previsão do tempo". Ele olhou para mim e disse: "Não. Você salva vidas. Você rastreia tempestades". E isso virou realidade.

Devido à nossa habilidade em mapear tempestades, sabíamos exatamente o quão rápido ela estava se movendo e para onde ia. Com a tecnologia que temos hoje, podemos desenhar uma linha no radar e dizer às pessoas de Mayfield, por exemplo, com uma hora de antecedência, que a tempestade iria atingi-las às 9h27. Isso salvou vidas naquela noite. A ideia de que meteorologistas salvam vidas se tornou realidade.

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