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Suprema Corte dos EUA indica que pode abrir caminho para restringir direito ao aborto

Tribunal, de maioria conservadora, realizou audiência sobre lei que veta o procedimento após 15ª semana

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Washington

A Suprema Corte dos EUA indicou nesta quarta-feira (1º) que poderá mudar seu entendimento sobre o direito ao aborto e, assim, abrir espaço para novas restrições à prática, no que seria uma reversão histórica da decisão que liberou o procedimento, há quase 50 anos.

A Corte tem, hoje, maioria de juízes conservadores, de 6 a 3. Dos seis, quatro deles indicaram que devem votar a favor de manter válida uma lei do Mississippi que impede o aborto após 15 semanas de gestação. Se a legislação for vista como constitucional, abrirá espaço para que mais estados adotem regras do tipo.

Policiais monitoram manifestações contra e favor do direito ao aborto em frente à Suprema Corte dos EUA, em Washington
Policiais monitoram manifestações contra e favor do direito ao aborto em frente à Suprema Corte dos EUA, em Washington - Olivier Douliery/AFP

O tribunal fez uma audiência sobre o processo nesta quarta, para ouvir argumentos dos dois lados, e os juízes também se pronunciaram. A decisão final, no entanto, não tem data prevista e pode levar meses.

A lei do Mississippi traz "danos profundos à liberdade das mulheres, à igualdade e ao cumprimento da lei", disse Julie Rikelman, advogada da ONG Jackson Women Health, que propôs a ação contra a medida.

Elizabeth Prelogar, que representa o governo dos EUA perante a Suprema Corte, também se pronunciou.

"Por 50 anos, esta corte corretamente reconheceu que a Constituição protege um direito fundamental das mulheres de decidir sobre terminar uma gravidez antes da viabilidade [do feto]. Esta garantia, de que o Estado não pode forçar uma mulher a manter uma gravidez e dar à luz, gerou grande confiança para as pessoas e para a sociedade. Os efeitos no mundo real de anulá-la seriam graves e rápidos", defendeu.

Do outro lado, Scott Stewart, procurador-geral do Mississippi, disse que o aborto não é previsto na Constituição e criticou a decisão da Suprema Corte que liberou a prática, em 1973, e outra sentença, de 1992, que a reafirmou. "Estas decisões danificaram o processo democrático e envenenaram a lei. Por 50 anos, elas têm mantido esta corte no centro de uma batalha política que nunca se resolve. Em nenhuma outra situação esta corte reconheceu o direito de encerrar uma vida humana."

O aborto foi liberado nos EUA a partir do caso conhecido como Roe vs. Wade, com base no direito constitucional à privacidade. O entendimento foi o de que não caberia ao governo interferir na decisão da mulher de manter ou não uma gravidez. Em 1992, a corte atualizou sua posição e passou a considerar o conceito de viabilidade fetal: as mulheres podem abortar sem restrições até o momento em que o feto fosse capaz de sobreviver fora do útero, o que tende a acontecer geralmente após 22 semanas.

O prazo de gestação até o feto atingir a viabilidade, entretanto, é alvo de debate. Assim, estados mais conservadores, geralmente governados por republicanos, criaram leis que dificultam ou, na prática, impedem a realização de abortos, já que há liberdade para a definição de regulamentações estaduais.

Nesta quarta, John Roberts, que preside a corte, disse que adotar a regra de 15 semanas não seria um "afastamento dramático" do conceito de viabilidade e que considera o prazo como suficiente para a mulher exercer o direito de decidir. Assim, a lei do Mississippi conciliaria as posições contra e a favor.

Brett Kavanaugh, da ala conservadora do tribunal, apontou que, mesmo que a decisão sobre o aborto fique a cargo dos estados, o procedimento ainda seria adotado por alguns deles. Também deu a entender que não cabe à Suprema Corte decidir sobre a prática em si. Já os juízes Clarence Thomas e Neil Gorsuch, também conservadores, mostraram-se favoráveis à mudança de entendimento.

A juíza Sonia Sotomayor, por sua vez, defendeu que a corte mantenha a posição pró-aborto e que uma mudança agora passaria a mensagem de que o tribunal atua de modo político, não técnico, ao mudar de ideia apenas por haver mais juízes conservadores do que antes. Stephen Breyer, outro magistrado progressista, também defendeu a manutenção das decisões anteriores.

A lei do Mississippi, que veta o aborto mesmo em casos de estupro após a 15ª semana, foi promulgada em 2018, mas barrada na Justiça local por contrariar decisões que liberavam o aborto no país. O caso chegou à Suprema Corte e foi escolhido pelos juízes para servir de resposta a questionamentos similares.

Em outro caso recente, de setembro, o Texas aprovou uma lei estadual que impede o procedimento a partir de seis semanas de gestação, momento em que muitas mulheres ainda nem descobriram que estão grávidas. A lei texana considera que o feto é viável se o coração está batendo.

O aborto é um dos temas que mais geram polarização nos EUA. Políticos conservadores e republicanos tendem a defender a proibição, enquanto democratas e progressistas apoiam que a prática seja liberada.

Nos últimos anos, estados governados por republicanos adotaram regras para cercear o direito ao aborto, especialmente no Sul e no ​Meio-Oeste, de olho em atrair eleitores conservadores. Por outro lado, estados liderados por democratas criaram leis que garantem e facilitam o direito à interrupção da gravidez.

​Segundo pesquisa do Pew Research Center, 59% dos americanos consideram que o aborto deve ser liberado, e 39%, querem proibi-lo. Entre 2017 e 2020, o então presidente Donald Trump teve a oportunidade de nomear três juízes para a Suprema Corte, o que garantiu a atual maioria conservadora.

A última nomeação foi a de Amy Coney Barrett, em setembro de 2020, poucos meses antes da eleição presidencial que culminou na vitória de Joe Biden. Os magistrados têm mandatos vitalícios, e uma nova mudança na composição do tribunal pode demorar a ocorrer.


QUEM É QUEM NA SUPREMA CORTE

Ala conservadora

Jonh Roberts, 66
Indicado por George W. Bush em 2005. Ainda que seja considerado conservador, o atual presidente da Corte às vezes atua de forma moderada

Clarence Thomas, 73
Indicado por George Bush pai em 1991

Samuel Alito, 71
Indicado por George W. Bush em 2006

Neil Gorsuch, 54
Indicado por Donald Trump em 2017

Brett Kavanaugh, 56
Indicado por Trump em 2018

Amy Cohen Barrett, 49
Indicada por Trump em 2020

Ala progressista

Stephen Breyer, 83
Indicado por Bill Clinton em 1994

Sonia Sotomayor, 67
Indicada por Barack Obama em 2009

Elena Kagan, 61
Indicada por Obama em 2010

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