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Talibã diz que mulheres não são propriedade e devem consentir com casamento

Decreto do grupo fundamentalista responde à pressão internacional, mas não menciona direito a educação e trabalho

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Pressionado internacionalmente para assegurar direitos de igualdade às afegãs, o Talibã publicou decreto nesta sexta-feira (3) em que diz que mulheres não devem ser consideradas propriedade e só devem se casar se consentirem com o matrimônio. O acesso à educação e ao trabalho não recebe menção no texto.

O documento, compartilhado por um dos porta-vozes do grupo nas redes sociais, afirma, entre outros pontos, que ninguém pode forçar as mulheres a se casar por coerção; que as viúvas não podem ser casadas à força e que têm direito à herança do marido; e que, em casamentos poligâmicos, todas as esposas devem ter os mesmos direitos.

Afegãs caminham pelas ruas da província afegã de Ghazni, na porção sudeste do país - Hector Retamal - 13.nov.21/AFP

O decreto não prevê punições aos que descumprirem o que foi estabelecido, mas pede que governadores e líderes tribais colaborem para colocar as novas regras em prática. Diz, ainda, que o Supremo Tribunal afegão deve emitir guias para que todas as cortes acolham queixas ligadas aos direitos das mulheres.

A ausência de direitos femininos foi listada como uma das principais travas para a liberação de fundos afegãos congelados no exterior, bem como as violações recorrentes de direitos humanos. Quando o Talibã, grupo islâmico fundamentalista, retomou o poder em agosto, no processo de retirada das tropas ocidentais, os EUA congelaram US$ 9,5 bilhões (R$ 53,5 bilhões) do Banco Central do Afeganistão.

A inserção do país em organismos internacionais, como as Nações Unidas, também é dificultada pela ausência de garantias aos direitos das mulheres. O Talibã nomeou um representante para a ONU em setembro, mas países-membros da organização relutam em aceitar o grupo.

O secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, reiteradamente coloca o respeito aos direitos femininos como uma das condições para o reconhecimento internacional do Talibã. "Meninas e mulheres do Afeganistão estão testemunhando a rápida reversão dos direitos conquistados nas últimas décadas, inclusive o direito de frequentarem uma sala de aula", disse, em um pronunciamento em outubro.

Quando esteve no poder pela primeira vez —de 1996 a 2001—, o grupo proibiu as mulheres de estudar e de sair de casa sem a presença de um parente homem. Ao reassumir o poder duas décadas depois, fez promessas de moderação que foram vistas com ceticismo.

Ainda que tenham, por exemplo, permitido que elas estudem —desde que separadas dos homens—, os talibãs as proibiram de praticar esportes e de atuar em novelas de TV. Às jornalistas também foi exigido que usem o hijab, véu islâmico que cobre o cabelo e o pescoço.

Também multiplicam-se os relatos de proibições para que as mulheres trabalhem, e quatro ativistas foram encontradas mortas a tiros no norte do país em novembro.

A privação do direito das mulheres ao trabalho tem sido apontada como um problema econômico com o qual o grupo fundamentalista terá de lidar. A mão de obra feminina constitui cerca de 20% dos postos de trabalho, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), de modo que elas são essenciais para atenuar a catástrofe econômica que avança no país.

Ainda segundo cálculos do Pnud, sem o emprego feminino o PIB (produto interno bruto) afegão cairia de 3% a 5%, perda equivalente ao montante de US$ 1 bilhão. A cifra representa muito para um país que tinha na ajuda internacional, agora bloqueada, cerca de 40% de sua renda. "O dano dependerá da magnitude das limitações impostas [às mulheres]", diz o programa das Nações Unidas em relatório recente.

A situação da economia afegã, abalada pela guerra, pela seca agravada com a emergência climática e pela saída da ajuda internacional, é descrita como "um choque fiscal sem precedentes" pelo Pnud.

Agências internacionais projetam que 23 milhões de afegãos —mais da metade da população do país— estão ameaçados pela fome no inverno do Hemisfério Norte.

Com Reuters e AFP

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