Em redes sociais, porta-vozes do Taleban narram ofensiva militar para tomar o Afeganistão

Contas com quase 300 mil seguidores tentam suavizar imagem do grupo e relatam ataques do governo

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São Paulo

"Os guerreiros do Emirado Islâmico conquistaram a capital da província de Farah [no norte do Afeganistão]. O gabinete do governador e os prédios do governo foram libertos do inimigo mercenário e estão sob controle total dos mujahidin [combatentes islâmicos]. A perseguição ao inimigo continua, e em breve ele será expulso do norte do país."

Assim uma conta no Twitter com mais de 50 mil seguidores narrou, em pashto, uma das línguas oficiais do Afeganistão, a captura na terça (10) de mais uma capital de província pelo Taleban, que tenta tomar à força o controle do país.

"Graças a Deus", responderam algumas pessoas, e outras chamaram o grupo de traidor.

Em redes sociais, apoiadores e porta-vozes da organização fundamentalista narram em pashto e em persa, além de em inglês, a ofensiva militar para recriar o Emirado Islâmico do Afeganistão, como o país foi chamado no período entre 1996 e 2001 em que o Taleban esteve à frente do governo em Cabul.

Bandeira do Taleban na praça principal da cidade de Kunduz, no Afeganistão - AFP

Desde a decisão dos Estados Unidos de retirar tropas militares do país ao final deste mês após 20 anos de guerra, o Taleban tem capturado cidades e pode tomar a capital em menos de três meses, segundo o serviço de inteligência americana, em uma ofensiva que tem deixado um rastro de violência.

Mas a violência maior é do outro lado, segundo as redes sociais talebans.

Ao relatar o contra-ataque do governo para evitar a captura da cidade de Lashkar Gah, no sul do país, um perfil que se apresenta como porta-voz do Taleban se preocupou em mostrar os danos provocados pelas forças de segurança.

"Os invasores americanos bombardearam o principal hospital da cidade com uma aeronave B-52, deixando três pessoas feridas e matando três médicos. A maior parte do hospital foi destruída. O inimigo selvagem, portanto, se vinga das pessoas comuns", escreveu. No mesmo dia, ele narrou ataques a uma escola e a um mercado da cidade.

As maiores contas identificadas pela reportagem da Folha têm 248 mil e 288 mil seguidores somente no Twitter, mas há perfis muito menores, com poucas dezenas de seguidores, que comentam comemorando as conquistas, traduzem mensagens para o inglês e atuam como robôs para difundir hashtags.

Em um esforço para mudar a narrativa predominante e suavizar a imagem do grupo mundo afora, essas páginas fazem questão de mostrar que têm apoio da população das cidades que invadem. No último dia 6, uma conta com 27 mil seguidores, que escreve majoritariamente em inglês, publicou vídeos mostrando crianças e jovens comemorando a chegada do Taleban a Zaranj, na fronteira com o Irã.

O professor de Relações Internacionais Pio Penna, da Universidade de Brasília, afirma que essas ações mostram que "o Taleban não está na idade da pedra". "Com a facilidade da internet, e a importância dela em nível global, as coisas mudaram, e esses grupos montam uma frente midiática", diz.

Para o professor, a iniciativa pode tanto ajudar quanto atrapalhar o grupo. Isso porque ao mesmo tempo que divulgam as ações dos rebeldes para um público mais amplo, os perfis nas redes sociais também dão munição para que o Taleban seja monitorado por forças de inteligência opositoras.

O perfil com mais de 27 mil seguidores, por exemplo, publica fotos e vídeos a todo o momento, mostrando a entrada nas cidades que vão tomar e a rendição das forças nacionais, entre outras coisas. Ele também tem um canal no Telegram para difundir as imagens.

O esforço é para reverter a fama que ficou após os Estados Unidos intervirem militarmente para retirar o grupo do poder em 2001, depois do 11 de Setembro, segundo Penna. "A imagem que ficou para o mundo é de que eles eram uns bárbaros. Agora, 20 anos depois, eles vêm com uma frente midiática para evitar isso. É uma das linguagens deles, auxiliar à linguagem principal, que ainda é a força", afirma.

Apesar das ações armadas, Penna afirma acreditar que esses perfis não sejam excluídos das redes sociais. "Isso faz parte do jogo político. Se a gente for bloquear esses perfis, é a mesma coisa de concordar com o apagão de Cuba das redes sociais contra o regime. É um embate midiático, e, se você proíbe, vai se encaminhar para o totalitarismo", defende.

O professor ainda lembra que esse expediente já foi usado pelo Estado Islâmico para angariar apoio pelo mundo. A estratégia do Taleban ainda parece distante dos sunitas iraquianos, que tinha páginas e grupos em redes sociais em diferentes línguas (inclusive em português), além da produção sofisticada de vídeos.

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