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Bento 16 pede perdão e admite erros da igreja ao lidar com abuso sexual na Alemanha

Papa emérito divulgou carta em resposta a relatório que o acusa de omissão; associações de vítimas criticam declarações

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Cidade do Vaticano | Reuters

O papa emérito Bento 16, envolvido em uma investigação sobre abusos sexuais de menores de idade que teriam ocorrido durante sua gestão como arcebispo de Munique, na década de 1980, reconheceu em carta divulgada nesta terça-feira (8) que erros foram cometidos na forma como a igreja lidou com os casos.

Joseph Ratzinger —nome do religioso— não admitiu, porém, ter praticado irregularidades, tampouco afirmou ter conhecimento dos casos na época em que ocorreram, mas disse que encontra conforto no perdão de Deus e se solidariza com as vítimas. De tom pessoal, o texto responde a acusações feitas em um relatório recente sobre o assunto.

O papa emérito Bento 16 durante sua última oração pública antes de abdicar da posição, em 2013 - Tony Gentile - 28.fev.13/Reuters

"Tive grandes responsabilidades na Igreja Católica", diz o ex-líder da instituição na carta. "A maior delas é a minha dor pelos abusos e erros que ocorreram em diferentes lugares durante o meu mandato."

Ele afirma que está consolado pelo perdão de Deus e que, apesar de quaisquer erros que possa ter cometido, Deus será o juiz final. "Em breve, estarei diante do juiz final da minha vida." O papa emérito também usou o texto para agradecer ao que descreveu como confiança, apoio e orações expressas a ele pelo papa Francisco.

O nome de Bento 16, que tem 94 anos, voltou ao centro do debate quando avançaram as investigações independentes sobre abusos sexuais cometidos na arquidiocese de Munique. Semanas antes de as conclusões serem divulgadas, a mídia alemã obteve documentos que mostravam como apurações internas da igreja já haviam apontado um suposto acobertamento de abusos sexuais por parte do hoje papa emérito.

O principal caso em questão é o do padre Peter Hullermann, acusado de abusar sexualmente de pelo menos 23 meninos com idades entre 8 e 16 anos de 1973 a 1996. Ele atuava inicialmente na diocese de Essen, no oeste da Alemanha. Diante de denúncias de familiares das crianças abusadas, foi afastado e, na sequência, aceito na arquidiocese de Munique e Freising, então liderada por Ratzinger.

Bento 16 negava ter participado de qualquer conversa que decidiu pelo acolhimento do padre —versão pouco creditada por especialistas na Igreja Católica. Com mais informações disponibilizadas ao público, porém, ele chegou a afirmar, por meio de um porta-voz, que havia participado de uma reunião em que foi discutida a situação de Hullermann e que a informação não foi tornada pública antes devido a um erro cometido em depoimento anterior.

Ainda assim, o religioso continua a dizer que a reunião em questão não tratou da admissão do papa na arquidiocese de Munique, assunto que teria sido abordado em outro encontro —este sem sua presença. Na carta desta terça, ele classifica como "profundamente doloroso" o fato de um descuido ter sido usado como argumento para levantar dúvidas sobre sua veracidade e rotulá-lo de mentiroso.

As declarações do papa emérito são uma resposta a um relatório independente que, em janeiro, o acusou de encobrir casos de abusos sexuais contra crianças na Igreja Católica da Alemanha.

Na ocasião, o advogado Martin Pusch, que fez parte da apuração, afirmou que Bento 16 sabia dos fatos e que poderia ser acusado de má conduta em pelo menos quatro casos, sendo dois relacionados a abusos cometidos durante sua gestão e punidos pelo Estado. Em ambos, os perpetradores teriam seguido ativos na atividade pastoral.

​Encomendada pela arquidiocese de Munique e Freising para apurar casos na sua jurisdição, a investigação contabilizou ao menos 497 vítimas de abuso entre 1945 e 2019 e 235 suspeitos. Os investigadores apontam que há grande chance de o número real ser maior, já que centenas de casos podem nunca ter chegado à etapa de denúncia. A maioria das vítimas era do sexo masculino, e 60% tinham entre 8 e 14 anos.

Falando sobre faltas graves cometidas por fiéis, o papa emérito disse, na carta divulgada pelo Vaticano nesta terça, que todos são atraídos para falhas quando negligenciam ou deixam de enfrentar uma responsabilidade necessária. "Mais uma vez só posso expressar a todas as vítimas de abuso sexual minha profunda vergonha, minha profunda tristeza e meu sincero pedido de perdão", declarou.

Conselheiros de Bento 16 emitiram comunicado, na semana passada, rechaçando as acusações contra ele. "Quando foi arcebispo, o cardeal Ratzinger não esteve envolvido em tentativas de esconder abusos", dizem os quatro auxiliares, que caracterizam as informações do relatório independente como equivocadas.​

A manifestação do ex-líder católico foi vista como insuficiente por organizações que trabalham com vítimas de abusos cometidos na igreja. A Snap (sigla para Rede de Sobreviventes entre os que sofreram Abusos de Padres) disse, em nota, que Bento 16 está admitindo uma coisa ao mesmo tempo que acoberta outras mil.

"Apesar das evidências de que acobertou pedófilos, ele não concretizou o simples ato de disponibilizar as informações e pedir desculpas. A oportunidade aberta pelo relatório de Munique foi desperdiçada."

Ainda no texto, a Snap pede que autoridades nacionais vejam no caso um exemplo da necessidade de investigar abusos relacionados à igreja. "A podridão do abuso sexual de crianças pelo clero, infelizmente, percorre toda a Igreja Católica, em todos os países, e agora temos evidências incontestáveis, até o topo [da hierarquia]."

Já Anne Barrett Doyle, codiretora do Bishop Accountability, outro grupo de defesa de vítimas, disse em comunicado que a resposta de Bento 16, ao não assumir responsabilidade significativa pelo abuso e pelo encobrimento, foi clichê, uma decepção profunda e uma oportunidade perdida. "A igreja perde muito com isso", acrescentou.​

Com The New York Times

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