Descrição de chapéu Folhajus Europa

Investigação acusa Bento 16 de omissão em caso de padre pedófilo na Alemanha

Relatório aponta que papa emérito sabia de abusos, mas não os impediu em ao menos quatro casos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Munique | AFP e Reuters

Um relatório independente publicado nesta quinta-feira (20) acusa o papa emérito Bento 16 de encobrir casos de abusos sexuais contra crianças na Igreja Católica da Alemanha. Arcebispo de Munique e Freising de 1977 a 1982, Joseph Ratzinger —nome de Bento 16— não teria impedido que um padre abusasse de quatro meninos, de acordo com os autores do relatório.

"Ele sabia dos fatos", afirmou o advogado Martin Pusch, , do escritório Westpfahl Spiker Wastl, que fez parte da apuração. "Acreditamos que ele pode ser acusado de má conduta em quatro casos. Dois deles são relacionados a abusos cometidos durante sua gestão e punidos pelo Estado. Em ambos os episódios, os perpetradores seguiram ativos no cuidado pastoral."

O papa emérito Bento 16 durante sua última oração pública antes de abdicar da posição, em 2013 - Tony Gentile - 28.fev.13/Reuters

Encomendada pela arquidiocese para apurar casos na sua jurisdição, a investigação contabilizou ao menos 497 vítimas de abuso entre 1945 e 2019. Os investigadores apontam que há uma chance de esse número ser ainda maior, já que centenas de outros casos podem nunca ter chegado a ser denunciados.

A maioria das vítimas era do sexo masculino e 60% delas tinham entre 8 e 14 anos. Os 235 autores dos abusos incluem 173 sacerdotes, 9 diáconos, 5 agentes de pastoral e 48 pessoas do ambiente escolar, destaca o relatório.

Parte da tarefa dos advogados responsáveis pelo documento era descobrir quais autoridades da igreja na região estavam cientes dos episódios e que medidas —se alguma— foram tomadas para coibir a prática.

Por razões óbvias, houve especial interesse em avaliar a conduta de Ratzinger durante os cinco anos em que esteve à frente de arquidiocese. "Em quatro casos, chegamos a um consenso de que houve uma omissão", afirmou Pusch, acrescentando que Bento 16 negou "estritamente" a responsabilidade nos casos. "Ele alega desconhecimento, ainda que, em nossa opinião, isso seja difícil de conciliar com a documentação."

Os especialistas disseram estar convencidos de que Ratzinger sabia que o padre Peter Hullerman havia praticado abusos por décadas sem ser incomodado. Em 1986, o sacerdote foi condenado a prisão com possibilidade de suspensão condicional da pena. Depois, acabou sendo transferido a outra cidade, onde teria reincidido nos abusos. Apenas em 2010 ele foi forçado a deixar a vida eclesiástica.

À época, Bento 16 era papa e, em resposta ao escândalo, disse que nunca teve conhecimento do passado de Hullermann —versão que os investigadores agora contestam.

O secretário particular de Ratzinger, Georg Gänswein, disse nesta quinta que ele acabara de receber o relatório, de 1.800 páginas, e daria a "atenção necessária" a ele nos próximos dias. "O papa emérito, assim como fez durante seu pontificado, expressa choque e vergonha sobre os abusos de menores por clérigos", afirmou Gänswein, acrescentando que Bento 16 estava rezando pelas vítimas.

Aos 94 anos, ele vive no Vaticano desde que abdicou da posição de líder da Igreja Católica, em 2013. Nos quatro anos anteriores ao momento em que assumiu a posição de papa, Ratzinger chegou a chefiar o principal braço doutrinário do Vaticano, a Congregação para a Doutrina da Fé, que lidera as investigações sobre abusos sexuais na igreja.

Sem mencionar o papa emérito, o Vaticano informou que vai analisar a íntegra do relatório e manifestou solidariedade às vítimas. "Ao reiterar o sentimento de vergonha e remorso pelo abuso de menores por parte do clero, a Santa Sé assegura sua proximidade com todas as vítimas e confirma o caminho que percorreu para proteger os pequenos e garantir-lhes um ambiente seguro."

No início do mês, um documento interno da Igreja Católica obtido pelo jornal alemão Die Zeit já havia sugerido que Bento 16 acobertara casos de abuso sexual contra menores dentro da instituição na década de 1980. O papa emérito, no entanto, negou que tivesse conhecimento do crime à época.

O caso envolve o mesmo padre Peter Hullermann, que, entre 1973 e 1996, teria abusado de pelo menos 23 meninos com idades entre 8 e 16 anos enquanto ocupava diferentes posições na igreja. Um decreto eclesiástico da arquidiocese de Munique, de 2016, ao qual o Zeit teve acesso, mostra que a instituição criticou o comportamento dos clérigos, incluindo Ratzinger, diante dos abusos.

O grupo Somos Igreja, que pede a reforma da instituição, pediu que Bento 16 encare o que chamou de sua responsabilidade moral. "Uma admissão pessoal de culpa por suas ações ou inações naquela época é um gesto de necessidade urgente e seria um grande exemplo para outros bispos e líderes ao redor do mundo."

A investigação na arquidiocese de Munique e Freising também apontou má conduta do atual arcebispo, Reinhard Marx, 68, em dois casos suspeitos. O clérigo, que não está sob suspeita de ter participado do abuso, pediu desculpas às vítimas.

"Como atual arcebispo, eu peço desculpas em nome da arquidiocese pelo sofrimento causado às pessoas na região da igreja nas décadas recentes." Ele prometeu ainda uma resposta completa ao relatório na próxima segunda (27). Marx assumiu em 2008 e é um dos conselheiros mais próximos do papa Francisco. No ano passado, o pontífice inclusive negou sua renúncia diante da crise de abusos sexuais.

A Igreja Católica da Alemanha, assim como em outros países, enfrenta diversas acusações nos últimos anos. Em 2018, a instituição pediu desculpas às vítimas após um relatório apontar que clérigos abusaram de cerca de 3.700 pessoas entre 1944 e 2014.

Uma outra apuração, na arquidiocese de Colônia descobriu 314 vítimas abusadas por 202 autores de 1975 a 2018, sendo que oficiais da Igreja falharam em seus deveres em 75 casos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.