Relaxamento de medidas contra Covid na Europa mistura otimismo e cautela

Líderes falam em superação de fase aguda da pandemia, mas especialistas apontam cenário 'altamente preocupante'

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Milão

​Na Itália e na Espanha, o uso de máscaras ao ar livre não é mais obrigatório. Na Áustria, estudantes se preparam para ficar sem a proteção dentro das salas de aula. Na França, comer pipoca na poltrona do cinema volta a ser permitido. Na Noruega, boates podem funcionar com casa cheia e sem máscara

Dos mais rigorosos aos mais liberais, os países da Europa anunciaram nos últimos dias o relaxamento das restrições implementadas para conter a quarta onda de casos Covid-19, que bateu recordes nos últimos devido à alta transmissibilidade da variante ômicron.

"Estamos removendo quase todas as medidas relacionadas ao coronavírus. A pandemia não é mais uma grande ameaça à saúde para a maioria de nós", disse o premiê da Noruega, Jonas Gahr Stoere. O país conta com 73% da população inteiramente vacinada, e 51% com a dose de reforço.

Pessoas sentadas ao ar livre em um restaurante de Roma, na Itália
Pessoas sentadas ao ar livre em um restaurante de Roma, na Itália - Jin Mamengni - 11.fev.22 / Xinhua

Os nórdicos estão no grupo de países mais ousados. Além de Noruega e Dinamarca, que já havia derrubado as restrições anti-Covid, a Suécia segue por caminho parecido e anunciou, inclusive, a limitação dos testes gratuitos somente a grupos mais vulneráveis e desde que apresentem sintomas.

"Eu diria que esta pandemia, como a conhecemos, chegou ao fim", disse a ministra da Saúde sueca, Lena Hallengren. "Não acabou, mas o modo como a conhecemos, em termos de mudanças bruscas e restrições, isso sim".

Pensamento semelhante foi sinalizado pelo premiê britânico, Boris Johnson, que anunciou a intenção de antecipar o encerramento das medidas anti-Covid do fim de março para o fim deste mês. Na Holanda, o ministro da Saúde Ernest Kuipers disse nesta terça que o país reabrirá setores como o de bares e restaurantes na sexta, "alegremente numa nova fase".

Mesmo os países mais comedidos ensaiam uma virada de página. Às vésperas do aniversário de dois anos da descoberta do primeiro caso conhecido de contaminação comunitária do coronavírus na Itália, o ministro da Saúde proclamou o início de "uma nova temporada da Covid".

"Estamos em uma nova era porque a ômicron mudou profundamente as coisas e porque há um percentual altíssimo de vacinados", disse Roberto Speranza durante encontro de ministros da Saúde da União Europeia em Lyon, na França.


A Itália tem 82% da população com o primeiro ciclo de vacinação concluído, e 61% dos habitantes estão imunizados com a dose de reforço. Na semana passada, o governo liberou, além da circulação ao ar livre sem máscaras, a reabertura das casas noturnas —com capacidade de público reduzida e somente para os vacinados ou curados.

De acordo com números oficiais, o pior, em termos de disseminação da doença, parece mesmo ter passado. Segundo dados consolidados do Centro Europeu para Controle e Prevenção de Doenças (ECDC, na sigla em inglês), o pico de novos casos desta quarta onda foi registrado na última semana de janeiro.

O levantamento abrange dados oficiais de 30 países europeus. Entre os dias 24 e 30 de janeiro, o índice de casos nos 14 dias anteriores atingiu 3.728 ocorrências por 100 mil habitantes, depois de subir por seis semanas seguidas. No começo de fevereiro, a incidência caiu para 3.509/100 mil. A previsão do ECDC é de que a queda possa chegar a 1.418 /100 mil nesta semana.

O número de mortes no mesmo período sofreu menos variação e permanece estável há 11 semanas. No início de fevereiro, o índice foi de 51,2 por milhão de habitantes ante 49,2 por milhão no começo de janeiro.

O centro descreve o cenário epidemiológico geral da Europa como "altamente preocupante", apesar das quedas. "Ainda vemos uma intensidade sem precedentes de transmissão comunitária em todos os países europeus e em muitos países do mundo", afirma Anastasia Pharris, especialista em doenças infecciosas do ECDC.

"A vacinação continua como elemento-chave para reduzir o impacto do vírus, e todos os esforços devem ser feitos para aumentar a adesão ao primeiro ciclo de quem ainda não o começou ou não o terminou. Além disso, aos adultos deve ser oferecida a dose de reforço três meses depois."

Sem comentar o teor das decisões tomadas por cada governo nos últimos dias, a especialista diz que as intervenções devem ser adotadas conforme as circunstâncias locais e as recomendações do ECDC. O problema é que há disparidades entre os 30 países monitorados pelo centro, o que ajuda a explicar a diferença de ritmo ou de intensidade em relação à reabertura pós-ômicron.

No mais recente relatório, 8 países, entre eles República Tcheca, Croácia e Hungria, estavam no grupo de atenção "muito alta"; 18 na faixa "alta", como Bélgica, França e Alemanha; e outros 4 na "moderada", como Itália e Espanha.

Por isso, a recomendação de Pharris para assegurar que a intensidade da circulação da ômicron continue em níveis administráveis, sem o colapso dos sistemas sanitários, é a manutenção das medidas não farmacêuticas, isto é, distanciamento físico, uso de máscaras, boa ventilação e isolamento domiciliar para doentes.

Muitos países, ainda que estejam suavizando restrições, ainda não suspenderam a exigência de certificados de vacinação ou mesmo o uso de máscaras em ambientes fechados. Nesta terça-feira (15), por exemplo, entrou em vigor na Itália a obrigação do passe vacinal para os trabalhadores acima de 50 anos. A medida vale até 15 de junho.


No entanto, diante da queda no número de novos casos aliada à postura mais flexível dos governos e à proximidade do verão —que atrai turistas e movimenta a economia—, é difícil imaginar que medidas muito restritivas contra o vírus durem muito.

Pharris, no entanto, mantém o alerta cauteloso. Segundo ela, ainda que se especule que a ômicron seja a responsável pela última grande onda da pandemia, o coronavírus continua sendo imprevisível. "Ainda não há um padrão sazonal claro, não é possível prever com precisão como a pandemia vai evoluir e não há razão para acreditar que não surgirão novas variantes", diz.

Ainda segundo a especialista, mesmo que várias áreas da Europa demonstrem sinais de que estão avançando para uma fase menos aguda da crise sanitária, a mudança de status de "pandemia" para "epidemia" não torna um vírus irrelevante. "Doenças endêmicas também podem causar surtos significativos e altos níveis de pressão nos sistemas de saúde. É essencial haver estratégias de vigilância e de respostas para lidar com a Covid-19."

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