Metrô de Kiev abriga 15 mil pessoas entre mar de colchonetes, malas e sacolas de comida

Local mantém mulheres e crianças de todas as idades, além de homens velhos demais para combater nas ruas

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Andrew E. Kramer
Kiev (Ucrânia) | The New York Times

Com a escada rolante descendo para uma estação de metrô nas profundezas do sistema de transporte de Kiev, normalmente limpíssimo, um mar de colchonetes de espuma, malas e sacolas plásticas de comida aparece. Reina um silêncio surpreendente, apesar das cerca de 200 pessoas acampadas ali para escapar dos bombardeios e disparos de artilharia nas ruas acima.

Três ou quatro dormem em cada colchão. As crianças empurram carrinhos de brinquedo pelo piso de granito cinza da estação, vendo as mães constantemente ocupadas no celular, procurando notícias da guerra.

Pequenos pés e mãos aparecem fora dos cobertores, mas faz nitidamente menos frio na estação do que nas ruas. Voluntários vão e vêm, trazendo comida e outras necessidades básicas da vida. Uma mãe montou uma barraca para contar com um mínimo de privacidade.

Taria, 27, deixa tenda em que está vivendo com seus dois filhos em uma estação de metrô de Kiev
Taria, 27, deixa tenda em que está vivendo com seus dois filhos em uma estação de metrô de Kiev - Lynsey Addario - 2.mar.22/The New York Times

"Não é muito confortável", diz Uliana, 9, que está vivendo há seis dias na estação de Dorohozhichi com sua mãe e o gato. "Mas a situação é essa. É melhor estar aqui do que enfrentar uma situação fora."

O prefeito de Kiev disse na quarta que até 15 mil pessoas, na maioria mulheres e crianças, estão abrigadas na rede de metrô para escapar das condições criadas pelo avanço das forças russas.

E o metrô não é o único refúgio subterrâneo. Médicos do Hospital e Maternidade Nº 5, em Kiev, montaram salas de parto no subsolo do hospital para oferecer um lugar seguro para mulheres darem à luz. Cinco bebês nasceram ali nos últimos dias, disse o diretor da maternidade, Dmitro Govseiev.

Sete dias depois do começo do conflito, os planos de guerra do Kremlin ainda não estão claros. O movimento de tanques, canhões de artilharia, blindados e outros armamentos pesados em direção a Kiev, cidade de cerca de 2,8 milhões de habitantes antes do êxodo de pessoas em busca de refúgio, cria temores graves sobre o potencial início de choques sangrentos.

Mas é possível que em vez disso a Rússia opte por um cerco sufocante pontuado por disparos de morteiros, cortando o acesso da cidade a alimentos, água e munição, na esperança de romper a resistência sem a destruição e as mortes que decorreriam de um ataque frontal.

Famílias ucranianas em estação de metrô de Kiev, capital da Ucrânia
Famílias ucranianas em estação de metrô de Kiev, capital da Ucrânia - Lynsey Addario - 2.mar.22/The New York Times

Seja como for, é provável que a vida subterrânea em Kiev, que já é difícil, fique ainda mais sofrida.

Nas ruas, soldados ucranianos e voluntários que receberam fuzis há poucos dias se ocupam preparando-se para a chegada dos russos: barreiras de concreto travam ruas, pneus são empilhados por toda parte para serem incendiados e formarem cortinas de fumaça e, numa novidade, placas avisando sobre a presença de minas antitanque se espalham por ruas fechadas às pressas ao tráfego de veículos civis.

Um carro crivado de balas jaz abandonado perto de um posto de controle operado por voluntários, aparentemente depois de ter levantado suspeitas de que seus ocupantes seriam sabotadores.

Sob a neve gelada e molhada, a maioria dos moradores de Kiev permanece em seus apartamentos, mas milhares de pessoas optaram por se esconder do perigo nas ruas abrigando-se no metrô. Estão vivendo em condições superlotadas. São mulheres e crianças, além de homens velhos demais para os combates.

A veterinária Olha Kovalchuk, 45, e sua filha Oksana, 18, estudante universitária de ecologia, vêm se revezando para dormir num cobiçado banco de madeira na estação de Dorohozhichi. "Esse é nosso espaço", conta Kovalchuk. Perto delas, várias pessoas se aglomeravam em volta de uma estação improvisada para recarga de celulares. Por sorte o metrô conta com banheiros públicos bem equipados.

A estação faz parte da linha verde e fica em grande profundidade –leva-se um minuto na escada rolante para descer até ela. Os nomes das estações pela frente soam promissores: Palácio dos Esportes, Portal de Ouro, As Cavernas, Amizade entre os Povos. Mas, embora ainda haja trens passando esporadicamente, ninguém vai a lugar algum.

"É ruim para as crianças", diz Kovalchuk, olhando para a cena. "Sou apenas veterinária, não médica, mas consigo entender como isso é nocivo para elas. As crianças estão estressadas, choram à noite."

Ela própria está vivendo sob tensão tão grande que mal consegue dormir. E está cheia de ódio do homem que começou a guerra, o presidente russo, Vladimir Putin. "Não quero falar palavrões", afirma. "Mas odeio aquele homem do fundo de minha alma. Veja quanto sofrimento ele nos impôs."

Nos últimos dias, autoridades ucranianas vêm suplicando ao Ocidente que intervenha, fechando o espaço aéreo da Ucrânia. O pedido teve que ser rejeitado porque arriscaria desencadear um conflito entre forças da Otan e a Rússia. Mas Kovalchuk gosta da ideia. "Por favor, fecham nosso espaço aéreo."

Segundo ela, os sinais apontando para as intenções da Rússia já eram claros havia anos, não apenas desde que a escalada militar começou. "Não entendo por que o mundo não deu ouvidos à Ucrânia antes."

Tradução de Clara Allain

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