Descrição de chapéu Governo Biden

Ataque em Buffalo coloca polícia, redes sociais e políticas de Biden na mira outra vez

Presidente, que visitará local de atentado nesta terça, não avançou em medidas para conter acesso a armas

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Washington

Dois dias depois de um atirador matar dez pessoas na cidade de Buffalo, nos EUA, políticos, ativistas e especialistas tentam outra vez entender como um ataque com armas de fogo poderia ter sido evitado e levantam questões sobre a atuação da polícia, das plataformas de redes sociais e do governo Biden.

No sábado (14), Payton Gendron, de 18 anos, abriu fogo contra frequentadores de um supermercado no estado de Nova York, deixando, além dos mortos, três feridos. O atirador, que transmitiu o atentado ao vivo pela internet, já havia dado sinais de que poderia cometer um ato do tipo.

Em junho de 2021, questionado em uma atividade escolar do ensino médio sobre o que gostaria de fazer após se formar, Gendron respondeu que queria "cometer um ataque suicida". O jovem depois disse estar brincando, mas a polícia resolveu investigá-lo. O estudante foi detido e levado para um hospital psiquiátrico, no qual passou por avaliação psicológica e foi liberado após ficar no local por um dia e meio.

Agentes de segurança no local de ataque a tiros em que dez pessoas foram mortas, em Buffalo, nos EUA
Agentes de segurança no local de ataque a tiros em que dez pessoas foram mortas, em Buffalo, nos EUA - Scott Olson/Getty Images/AFP

A polícia deixou de acompanhá-lo, e, quase um ano mais tarde, ele não teve dificuldades para comprar uma arma semiautomática, capaz de disparar mais rapidamente do que armamentos comuns, e dirigir cerca de 300 km até Buffalo, local do atentado. Colegas de Gendron relataram que ele costumava falar sobre armas e que um dia foi à escola com um traje completo de proteção, com luvas, botas e gorro.

Antes de realizar a ação, o atirador também publicou na internet um manifesto para justificar o ataque, no qual cita teorias racistas, como a de que os negros estariam tomando o lugar dos brancos na sociedade. Das 13 pessoas atingidas, 11 eram negras, e duas, brancas. Gendron é branco.

"Se alguém está falando sobre 'great replacement' [grande substituição], são sinais de que a pessoa está ao menos sendo exposta a propaganda online. E é uma oportunidade para buscar organizações especializadas em lidar com quem está sendo radicalizado", disse Cynthia Miller-Idriss, autora de "Hate in the Homeland" (ódio na terra natal), à CNN americana. "É difícil trazer alguém de volta uma vez que ela se torna uma seguidora fiel, mas você pode impedir que as pessoas desçam mais fundo nesse processo."

Nova York possui uma lei que permite denunciar outro cidadão que venha a ser considerado uma ameaça, impedindo assim o acesso da pessoa a armas de fogo. Gendron não estava nessa lista, mas poderia ter sido incluído pelos agentes de segurança que o investigaram, porque, apesar de ter viajado centenas de quilômetros para chegar a Buffalo e cometer o crime, é morador de Conklin, no mesmo estado.

Uma medida defendida por ativistas para reduzir o risco de ataques é ampliar a checagem de antecedentes, evitando que pessoas com histórico de violência ou problemas mentais comprem uma arma. Projeto de lei federal sobre o tema foi aprovado em 2021 na Câmara, mas está parado no Senado.

Ao comentar o atentado, no sábado (14), o presidente Biden não falou sobre reforçar controles de armas, mas enfatizou que o caso se tratava de terrorismo. "Temos de fazer tudo ao nosso alcance para acabar com o terrorismo doméstico alimentado pelo ódio", afirmou o democrata, em comunicado.

O líder americano e a primeira-dama, Jill, viajam a Buffalo nesta terça-feira (17), para prestar solidariedade às famílias das vítimas. Biden deve usar a visita para pedir mais medidas de controle, uma pauta difícil de avançar, especialmente em um ano eleitoral —em novembro, o país vota para renovar o Legislativo.

O direito ao porte de armas é garantido pela 2ª Emenda da Constituição, e algumas leis federais também regulam a questão. Mudanças são difíceis porque os republicanos, com poder no Senado para barrar propostas que alterem a Carta dos EUA, colocam as armas como símbolo de liberdade a ser defendido.

Biden já teve de lidar com massacres no começo de seu mandato. Em abril de 2021, dois ataques ocorreram em poucos dias. No primeiro, em Atlanta, um homem matou oito pessoas, seis das quais de origem asiática. Oito dias depois, dez pessoas foram assassinadas em um supermercado em Boulder, no Colorado. Apesar dos pedidos do presidente por mudanças nas leis, elas não vieram.

Em abril deste ano, a Casa Branca anunciou medidas contra as "ghost guns", as armas fantasmas, sem registro, que podem ser montadas em kits com peças separadas. O Departamento de Justiça passou a considerá-los armas de fogo e a exigir checagem de antecedentes na hora da compra.

Já as redes sociais são questionadas por dar espaço a discursos de ódio e por demorar a tomar medidas para impedir a exibição de ataques. Gendron transmitiu a ação ao vivo pela plataforma Twitch, que pertence à Amazon e é dedicada a jogos. Vídeos do atentado foram replicados em outras redes e tiveram milhares de visualizações antes de serem barrados. A Twitch disse ter tirado o canal do ar dois minutos após o início da transmissão e afirmou ter tolerância zero com conteúdos sobre violência.

Em outros ataques, como o de Christchurch, na Nova Zelândia, em 2019, a ação também foi transmitida pelo atirador na internet, mesmo ambiente em que divulgou um manifesto racista sobre o ato.

"As redes sociais precisam ser responsáveis por monitorar [o conteúdo], sabendo que podem ser, de certa forma, cúmplices de um crime como esse. Talvez não legalmente, mas moralmente. Elas criaram a plataforma para o ódio ser vomitado", disse a democrata Kathy Hochul, governadora de Nova York.

"O fato de que esta execução de seres humanos possa ser transmitida ao vivo em redes sociais e não ser derrubada em segundos diz para mim que há responsabilidades aí."


PRINCIPAIS LEIS SOBRE ARMAS NOS EUA


1791
2ª Emenda Constitucional
Diz: "Uma milícia bem regulada, sendo necessária para a segurança de um Estado livre, o direito de manter e portar armas não deve ser infringido".

1934
National Firearms Act (Lei nacional de armas de fogo)
Primeira lei federal a regulamentar e taxar a fabricação e a venda de armas de maior calibre. Pistolas ficaram de fora das regras.

1938
Federal Firearms Act (Lei federal de armas de fogo)
Exigiu que fabricantes, importadores e vendedores de armas tenham licença para atuar e impediu a venda de armas a ex-condenados pela Justiça, entre outras categorias

1968
Gun Control Act (Lei de controle de armas)
Expandiu a lista de restrições à compra, determinou que as armas tivessem um número de registro e vetou a importação, exceto para fins esportivos —mas sem definir o que seriam "fins esportivos".

1986
Firearms Owners' Protection Act (Lei de proteção aos donos de armas)
Retirou várias restrições à compra, legalizou a venda em feiras de armas e afrouxou as exigências para que comerciantes mantenham registros sobre os produtos vendidos.

1993
Brady Act (Lei Brady)
Estabeleceu prazo de cinco dias entre a compra e a entrega, para haver mais tempo para a checagem de antecedentes do cliente. Nos anos seguintes, a norma foi flexibilizada e, atualmente, é permitida uma avaliação rápida em muitos casos.

1994
Federal Assault Weapons Ban (Veto federal às armas de assalto)
Baniu a fabricação, venda e posse de armas semiautomáticas e de maior poder de fogo. A medida expirou em 2004 e não foi renovada.

2005
Protection of Lawful Commerce in Arms Act (Proteção ao comércio legal de armas)
Proibiu que fabricantes e vendedores sejam processados caso seus produtos sejam usados em crimes e passou a exigir que as armas sejam transportadas e mantidas de forma segura.

2007
NCIS Improvement Amendments Act (Lei de melhoria no sistema nacional de checagem de informações criminais)
Deu estímulos financeiros para que os estados melhorem as bases de dados a serem consultadas pelos vendedores antes de entregar as armas aos compradores.

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