Descrição de chapéu The New York Times África

Colapso econômico na Tunísia se aproxima enquanto experimento democrático se desfaz

Grupos que ajudaram a resolver crises anteriores ficam em silêncio diante de presidente que avança com medidas autoritárias

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Vivian Yee
Túnis | The New York Times

Na última vez em que a Tunísia mergulhou numa crise, com sua democracia nascente se decompondo em meio a um impasse político, assassinatos e protestos, coube aos guardiões tradicionais do país encontrar uma saída. Uma coalizão de respeitados sindicatos, advogados e ativistas dos direitos humanos interveio para preservar o sistema constitucional, o que lhes valeu o Prêmio Nobel da Paz em 2015.

O comitê do Nobel reconheceu o Quarteto Nacional de Diálogo, como os grupos eram conhecidos, por haver protegido os avanços conquistados com a Revolução de Jasmim, de 2011, que derrubou um ditador de longa data e desencadeou os levantes da Primavera Árabe em todo o Oriente Médio.

O líder da Tunísia, Kais Saied, durante reunião do conselho de segurança nacional, no Palácio de Cartago
O líder da Tunísia, Kais Saied, durante reunião do conselho de segurança nacional, no Palácio de Cartago - Divulgação Presidência da Tunísia - 30.mar.22/AFP

Durante uma década, Túnis foi a história de sucesso que boa parte do resto do mundo almejava. Enquanto outras revoltas árabes deterioravam em guerras civis, golpes ou repressão, a democracia na Tunísia –país de 12 milhões de habitantes na costa mediterrânea do norte da África— sobreviveu à crise política de 2013-2014 e continuou a avançar.

Mas uma nova Constituição e várias eleições livres e justas não conseguiram dar aos tunisianos o pão, os empregos e a dignidade pelos quais haviam saído às ruas para reivindicar. Agora, com a economia enfraquecida por má gestão, a pandemia e a Guerra da Ucrânia, o país está caminhando para o desastre.

Em 25 de julho de 2021, o presidente Kais Saied exonerou seu premiê e suspendeu o Parlamento. Desde então, consolidou um governo autoritário. Saied varreu a Constituição, a legislatura e a independência do Judiciário e do sistema eleitoral. Porém, os grupos que conduziram o país para fora da última crise política de grandes proporções não têm feito nada exceto emitir avisos contidos pedindo cautela.

"Em julho do ano passado, muitos tunisianos disseram: ‘A ditadura não pode acontecer aqui. A sociedade civil é dinâmica demais’. Mas aconteceu, e rápido demais", diz Monica Marks, professora de política do Oriente Médio na New York University, em Abu Dhabi. "Não se trata de dizer que a democracia tunisiana está ameaçada. Ela levou um tiro na cabeça. Então por que não estão fazendo nada agora?"

Parte da resposta está na reputação tóxica que a jovem democracia conquistou entre muitos tunisianos –não só entre os que consideram que a vida não melhorou nada em relação ao período antes da revolução, mas também entre ativistas, jornalistas e membros da sociedade civil que desabrocharam após o levante.

Parlamentares e partidos que propuseram poucas respostas aos problemas do país acabaram sendo vistos como corruptos e ineficientes. É o caso especialmente da legenda islâmica Ennahda, que dominou a legislatura na era pós-revolução. Juízes, não obstante sua suposta independência, pareciam ter o rabo preso com os políticos que os nomearam.

Embora a mídia fosse independente, a maioria dos veículos pertencia a empresários ligados ao regime do ditador deposto, Zine El Abidine Ben Ali. Enquanto alguns oligarcas seguiam controlando boa parte da economia, a corrupção e a burocracia dificultavam os meios de subsistência de outros tunisianos.

"Não era como se estivéssemos vivendo em algum tipo de paraíso democrático", afirma Thameur Mekki, editor do Nawaat, hub online de dissidentes sob o velho regime que após 2011 se tornou uma altamente conceituada plataforma de mídia independente. Após o golpe interno de Saied, celebrações espontâneas iluminaram a capital, Túnis, tanto nos subúrbios abastados quanto nos bairros pobres.

Tunisianos de muitos setores e origens enxergaram um potencial salvador.

Os ativistas dos direitos humanos procuraram formar parcerias com o presidente para promover reformas. Advogados o viram como um líder dotado da coragem necessária para endireitar o Judiciário. Empresários calcularam que ele possuía o capital político necessário para reestruturar a economia.

Mas em 22 de setembro, quando Saied começou a governar por decreto, essas esperanças já estavam evaporando. "Ninguém quer voltar para o 24 de julho", diz Mekki, "e ninguém tampouco quer ir para o 26 de julho, após tudo que Kais Saied fez." Em sua campanha para refazer o sistema político, o presidente desmontou as mais importantes instituições pós-revolucionárias. No mês passado, quando o Parlamento eleito rejeitou suas ações numa sessão virtual irregular, Saied simplesmente o dissolveu.

O político anunciou no mês passado que, antes de um referendo previsto para julho –quando ele quer aprovar seu plano de reescrever a Constituição de 2014 e fortalecer a Presidência—, ele vai substituir a maioria dos membros do conselho eleitoral independente por nomes de sua escolha.

Na semana passada ele ameaçou dissolver os partidos políticos por completo. Com isso, atraiu algumas das críticas mais fortes até agora de observadores civis e da oposição. Em meio a toda essa turbulência, o governo não vem conseguindo pagar os salários do funcionalismo. As negociações para obter um pacote de socorro do FMI, que seria pouco mais que uma solução provisória, estão paradas.

A escassez de produtos como farinha de trigo, exacerbada pela Guerra da Ucrânia —de onde vem a maior parte do trigo consumido na Tunísia—, está elevando os custos a níveis inacessíveis para muitos. Os preços nas padarias subiram, as baguetes estão mais curtas e filas longas se formam todos os dias.

Recentemente o governo anunciou a terceira alta no preço dos combustíveis deste ano. "As pessoas estão ficando fartas. Estamos comendo a metade do pão que comíamos antes", diz a faxineira Naziha Krir, 44, contando que acabara de pagar o dobro do que pagava antes por três pães em Túnis. "O país está ficando cada vez pior sob Saied."

Pesquisas revelam uma hemorragia do apoio ao presidente, mesmo que ainda seja de longe o líder em que os tunisianos mais confiam. Este inverno no hemisfério Norte foi o primeiro em anos em que o país não foi agitado por atos de massa. Os tunisianos estão hesitando entre o que veem como sendo dois males.

Muitos esperam que o impasse seja rompido pela UGTT, famosa central sindical que ajudou o país a conquistar sua independência da França em 1956 e liderou o diálogo premiado com o Nobel que preservou o sistema constitucional durante a crise de 2013-2014.

Com mais de 1 milhão de filiados, a central sindical tem o poder de paralisar o país com greves. Mas, segundo analistas e ativistas, a opinião pública vem impedindo a UGTT e outras entidades importantes da sociedade civil de fazer oposição mais resoluta a Saied. Relutando em enfrentar um presidente popular, a central sindical esperava influir sobre as negociações com o FMI, que provavelmente vai exigir que o país congele os salários do funcionalismo e tome outras medidas dolorosas para os filiados.

Embora tenha endurecido sua postura em relação ao presidente, a UGTT ainda mantém o que seu economista-chefe, Sami Aouadi, descreveu como "posição de apoio crítico".

Aouadi disse que a entidade resolveu pressionar o presidente a negociar para resolver a crise política. Mas o diálogo que a central tem em vista parece muito diferente das discussões inclusivas de 2013: Aouadi afirma que o Ennahda deve ser excluído, ecoando um refrão comum que vê o partido como principal responsável pela destruição da economia, graças à corrupção e à má gestão.

Outros consideram que ignorar o maior partido do país significará excluir a importante base eleitoral islâmica da Tunísia. O líder oposicionista secular Ahmed Nejib Chebbi quer formar uma coalizão contra Saied. "Estou tentando encontrar terreno comum com o Ennahda, porque precisamos olhar para frente, não para trás." Em última análise, ele diz, os tunisianos provavelmente serão obrigados a aceitar a participação do Ennahda em qualquer tipo de resolução política.

Na iminência de um desastre econômico, prevê Chebbi, "as pessoas não terão muita escolha".

Tradução de Clara Allain

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