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Pesquisador aponta caminhos para o Ocidente frear ascensão da China

Em livro e podcast, americano lembra que Pequim é uma fera raivosa; se acordar, ela também morde

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São Paulo

O mundo ocidental está hoje mais preocupado com a Rússia. Nada de anormal, já que há a Guerra na Ucrânia. Mas, enquanto isso, quem se movimenta discretamente para conquistar a hegemonia econômica e militar é a China.

Anda está em tempo de cortar as asas dos chineses, segundo o cientista político Aaron Friedberg, da universidade americana de Princeton. Ele publicou agora em junho "Getting China Wrong" (desmentindo a China), também o título do podcast que gravou para a universidade em que leciona.

O líder do regime comunista da China, Xi Jinping, em apresentação nos 100 anos do Partido Comunista Chinês - Noel Celis/AFP

Frieberg argumenta que os Estados Unidos e a Europa se deixaram seduzir por uma falsa abertura do gigante asiático. Lembremos que Deng Xiaoping (1978-1992) montou um dinâmico modelo industrial e tecnológico que levou seu país à OMC (Organização Mundial do Comércio). Paralelamente, no entanto, o Partido Comunista colocou em prática o projeto de superar a produção americana e definir, na Ásia, um poder militar superior ao da Otan, aliança militar liderada pelos americanos.

Caso o Ocidente continue a bater palmas para os chineses, eles caminharão tranquilamente para a conquista ainda maior de uma posição de liderança internacional. Mas os ocidentais também podem bloquear a ascensão —é o que Friedberg cuidadosamente propõe.

Ele menciona de maneira didática quatro reações que recolocariam o Ocidente numa posição de conforto. Seria preciso, em primeiro lugar, reconhecer como fantasiosas as crenças de que a China estava mudando. Foi equivocada, por exemplo, a ideia de que a economia de mercado levaria à emergência de uma classe média que reivindicaria poder político, o que romperia com o monopólio comunista.

Em vez disso, o regime de partido único usou a tecnologia digital para controlar ainda mais os indivíduos —nas redes sociais e no sistema de pontuação que reserva o acesso à universidade apenas aos "bem comportados". Ao mesmo tempo, esvaziou as ONGs que estudavam os direitos humanos e limitou as parcerias com o capital estrangeiro.

Uma segunda reação consistiria em se opor à máquina militar que a China vem montando para confrontar os EUA e a Otan. Esse conjunto complexo de porta-aviões, aeronaves e mísseis se tornou amplamente viável a partir dos voos tecnológicos para os quais a indústria local decolou vistosamente.

O terceiro conjunto de medidas é mais complicado. O Ocidente precisa redefinir suas relações comerciais com a China, impedindo que ela importe bens de maior tecnologia agregada e prossiga na construção de uma rede de parceiros com os quais ela cria laços de dependência, justamente por terceirizar a tecnologia que os ocidentais lhe fornecem.

Por fim, diz Friedberg, o governo chinês está empenhado numa guerra ideológica ainda discreta que procura desqualificar as democracias ocidentais, definindo-as como lentas e menos eficientes que países com o poder centralizado e autoritário. "Devemos entrar nessa guerra ideológica para nos defendermos e demonstrarmos todas as vantagens do pluralismo político", diz o pesquisador.

Em termos mais imediatos, a China está de olho no Ocidente e interpreta suas reações no caso de uma retomada à força de Taiwan. De um lado, os estrategistas de Pequim acompanham a Rússia na Ucrânia e estudam suas deficiências militares para, se for o caso, não cometê-las.

De outro lado, o regime analisa se os ocidentais preservam o mínimo de unidade diplomática ao criticarem a Rússia. Caso ela venha a se romper —por exemplo, em razão do mercado energético— estará sendo dado o sinal verde para que Taiwan possa entrar tragicamente no jogo.

Não é essa a única relação com a China que Aaron Friedberg enxerga na Guerra da Ucrânia. Ele qualifica de sintomática a surdez demonstrada por Pequim quando ocidentais pediram para pressionar Vladimir Putin a não se lançar na atual aventura. E ainda: o regime chinês não aderiu às críticas e sanções que o Ocidente baixou contra Moscou; prevaleceu uma postura acrítica com o aliado.

O livro de Friedberg e o podcast têm uma óbvia vantagem para quem enxerga o mundo desse canto chamado Brasil. A China tem sempre o privilégio de certa romantização, pouco importa de que direção ela venha. A Revolução Cultural, dos anos 1960, seduziu parcela razoável da esquerda brasileira; passado meio século, a admiração mudou de lugar e tomou conta do empresariado fascinado pelas altas taxas de crescimento e da liderança que a China procurava assumir em alguns setores.

O que Friedberg diretamente produz é uma espécie de alerta. A China é uma fera raivosa. Se acordar, ela também morde.

Getting China Wrong

  • Onde Podcast disponível no site da School of Public and International Affairs de Princeton (spia.princeton.edu)
  • Produção Aaron Friedberg
  • Duração 28 min. (em inglês)
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