Descrição de chapéu União Europeia

Premiê da Itália anuncia renúncia, presidente rejeita e país mergulha em instabilidade

Mario Draghi cede a impacto da crise detonada por implosão em aliança, mas cenário político ainda é incerto

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São Paulo e Milão

A Itália vive nesta quinta-feira (14) mais um episódio da série de reviravoltas que caracterizam a política do país nas últimas décadas. O primeiro-ministro Mario Draghi anunciou sua renúncia movido pela crise detonada pelo Movimento 5 Estrelas (M5S), um dos partidos que compõem a coalizão governista.

A legenda decidiu não apoiar um decreto no Senado que tinha a validade de um voto de confiança ao governo. Logo depois da votação, Draghi foi ao Palácio Quirinale, em Roma, para se encontrar com o presidente Sergio Mattarella, cuja função constitucional inclui indicar os rumos do país para tentar resolver imbróglios como o que vinha se desenhando há semanas.

Draghi saiu do Quirinale com uma reunião marcada com seu gabinete. A pauta era a apresentação de seu pedido de demissão, que seria formalizado horas depois ao presidente. O enredo se complicou, contudo, quando Mattarella divulgou comunicado em que diz ter rejeitado a renúncia do premiê e o aconselha a se apresentar ao Parlamento.

O primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, durante entrevista coletiva em Roma - 12.jul.22/Xinhua

Ainda que a coalizão que levou Draghi, 74, ao poder há 17 meses de fato imploda com a saída do M5S, o ex-líder do Banco Central Europeu ainda tem maioria parlamentar. Isso significa que, caso queira permanecer no cargo, terá apoio do Legislativo. Draghi, porém, vinha dizendo que não faria sentido seguir como chefe de governo sem a aliança com um dos principais partidos da coalizão.

Aprovado no Parlamento por 172 votos a 39 —sem participação do M5S—, o voto de confiança desta quinta foi usado para agilizar a liberação de um pacote de € 17 bilhões, chamado de Ajuda, com medidas para aliviar o impacto do aumento dos preços de matérias-primas e da energia.

O placar da votação indica ainda que Draghi nunca esteve ameaçado por falta de apoio. Ao contrário: a coalizão reúne quase todos os partidos representados no Parlamento, com exceção da sigla de ultradireita Irmãos da Itália.

Mesmo assim, a votação se tornou ponto focal e uma espécie de termômetro da unidade da aliança —em parte porque os partidos já começam a se movimentar para a eleição prevista para o início de 2023.

A antecipação do pleito, porém, é um dos possíveis desdobramentos agora —o mais drástico deles. Isso porque se for esse o caminho indicado por Mattarella caso Draghi não fique no cargo, a eleição deve ocorrer perto do último trimestre, quando o Legislativo tradicionalmente se concentra em aprovar o Orçamento do ano seguinte. Além de forçar mudanças no calendário, o quadro assemelharia a Itália a Portugal, que viveu no ano passado uma crise política por motivos parecidos.

Outro cenário possível é a formação de um governo-ponte, com um indicado pelo presidente assumindo a chefia do governo, sob aval dos parlamentares. A imprensa italiana já ventila nomes como o de Giuliano Amato, presidente da Corte Constitucional.

Uma terceira opção passa pela capacidade de persuasão de Mattarella e sua influência sobre Draghi. O presidente pode convencer o premiê a manter o governo de união estabelecido quando a Itália tentava solucionar outra de suas crises.

"Draghi vai ter que fazer um rearranjo de forças para constituir um gabinete de transição que se se segure até as eleições do ano que vem. É a alternativa mais provável", afirma Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.

Liderado pelo ex-premiê Giuseppe Conte, o M5S vinha pressionando Draghi com ultimatos e ameaças de abandono da coalizão. O partido se consolidou como um dos mais votados na última eleição, mas desde então sofreu deserções, perdeu apoio público e, como consequência, peso político. Nas pesquisas de intenção de voto para 2023, ​ocupa um amargo quarto lugar. ​

Ainda não está claro qual será o papel do M5S em qualquer uma das três possibilidades que se desenham agora, até porque a sigla que vem forçando as cordas que sustentam a coalizão ainda ocupa três ministérios no governo Draghi —Agricultura, Juventude e Relações com Parlamento.

Também é cedo para afirmar quão prejudicado fica o vínculo entre o premiê e o partido. Para Consentino, Draghi continua se agarrando ao 5 Estrelas em busca de legitimidade e para evitar que, no futuro, a legenda se volte contra seu governo.

O premiê ascendeu ao poder em fevereiro de 2021, convidado por Mattarella para liderar uma coalizão heterogênea em nome da união nacional —sem nunca antes ter concorrido a um cargo político. Sua missão era realizar as principais reformas exigidas pela maior parcela de fundos de recuperação pós-pandemia da União Europeia, um pacote no valor aproximado de € 200 bilhões.

Desde então, o governo se viu envolvido na Guerra da Ucrânia —ele buscou negociar ativamente com Volodimir Zelenski e Vladimir Putin. O apoio a Kiev ganhou um voto de confiança parlamentar em junho, apesar das críticas de Conte de que a política arriscava iniciar uma corrida armamentista. Draghi também lidou com a campanha de vacinação contra a Covid-19, depois de a Itália ter sido um dos primeiros símbolos da tragédia provocada pelas mortes na pandemia.

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