Repressão do regime chinês em Macau está esquecida no mundo, diz ativista

Comitê da ONU manifesta preocupação com liberdades civis e direitos humanos em região que foi colônia de Portugal

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O ativista Jason Chao vê a atenção global dispensada a seu lugar de origem como a voltada a pequenos países da África: marginal. "Macau muitas vezes é esquecida", diz o macauense radicado em Londres.

Chao, 35, foi um dos responsáveis por organizar um relatório sobre a região administrativa especial da China enviado para o Comitê de Direitos Humanos da ONU, grupo de 18 especialistas encarregado de monitorar o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

A portrait of Chairman Mao Zedong hangs on a wall at a restaurant in Macao, China, on Dec. 15, 2019. For many people in Macao, the past two decades have brought increasing prosperity. (Lam Yik Fei/The New York Times)
Retrato de Mao Tsé-Tung em restaurante de Macau - Lam Yik Fei - 15.dez.19/The New York Times

Pequim não ratificou o documento, mas um acordo com Portugal para a devolução da ilha, em 1999, assegurou que o pacto continuaria a ser aplicado —como ocorreu em Hong Kong, ex-colônia britânica.

A resposta do comitê veio na última quarta (27), em um relatório de dez páginas que manifesta preocupação com restrições às liberdades de expressão e de imprensa, assim como em torno da baixa participação civil em assuntos de interesse público.

Os apontamentos dialogam com os principais tópicos redigidos no relatório civil por Chao, que falou com a Folha por videochamada.

A administração de Macau afirmou seguir empenhada em aplicar as disposições do pacto, mas criticou o que chama de politização do caso. "É preciso que o comitê mantenha o diálogo construtivo, evite 'politizar' as considerações e se abstenha de tirar conclusões tendenciosas e imprecisas com base em relatórios ou fontes de informação não comprovados", disse o governo em comunicado.

O documento da sociedade civil, entre outros pontos, recorda que 21 candidatos às eleições legislativas do ano passado foram desqualificados por não serem considerados "leais a Macau". Foi a primeira vez que postulantes tiveram o nome barrado antes mesmo de disputar o pleito, segundo o material.

O relatório manifesta ainda preocupação com a repressão a mobilizações críticas à administração local e a Pequim e lembra uma lei de 2009 que tornou crime, punível com 10 a 25 anos de prisão, práticas consideradas tentativas de derrubar o governo.

Há, também, críticas à baixa garantia de direitos da população LGBTQIA+, ao que o relatório da ONU faz coro. Alegando falta de "consenso nacional", Macau não permite que pessoas trans retifiquem o nome em documentos e não estende a proteção da lei de combate à violência doméstica a casais do mesmo sexo.

Chao cofundou a Rainbow of Macau, primeira organização pró-direitos LGBT na região. Também presidiu a Associação Nova Macau, pró-democracia, e por duas vezes concorreu à Assembleia local, sem êxito. Mudou-se em 2017 para a Europa para cursar a pós-graduação.

"A mentalidade da população está mais próxima da população da China continental", diz. "Autonomia e liberdades não são os valores centrais, como ocorre em Hong Kong."

O clima vem mudando entre as novas gerações, mas de forma tímida. "Se você perguntar ao acaso: 'Você quer democracia, liberdade de expressão etc.?', provavelmente ouvirá que sim; mas quando questionar 'ok, quanto você se sacrificaria para lutar por isso?', a resposta será vazia."

Jason Chao, ativista LGBTQIA+ de Macau, ex-presidente da Associação Novo Macau
Jason Chao, ativista LGBTQIA+ de Macau, ex-presidente da Associação Novo Macau - Divulgação

Parte da explicação, sugere, está nos quase 450 anos de colonização de Portugal, que, quando devolveu Macau à China, relegou uma administração pública instruída a ser obediente ao regime central —diferentemente de Hong Kong, onde o aparato seria mais independente.

Há também o que descreve como opressão personificada na força econômica. Maior centro de apostas do mundo, Macau tem o grosso da economia em cassinos e estatais. Após mais de 20 anos do retorno à China, não houve diversificação, o que ficou evidente na pandemia. Nessa lógica, a opressão viria por meio do boicote: quem fala contra o governo central pode perder seu negócio ou emprego —e encontrar realocação se torna difícil.

O ativista, porém, espera que, à medida que novas gerações forem ocupando postos de poder, o conservadorismo e a obediência sejam cada vez mais confrontados. Hoje, ele atua como diretor da Hongkongers in Britain, organização que ajuda expatriados honcongueses.

E faz questão de frisar que sua oposição não é à influência cultural chinesa, mas ao asfixiamento de liberdades civis. "Não tenho nada contra a China. Mas a forma atual do governo chinês é autoritária."

Ele se exilou por entender ser melhor não voltar depois da eclosão de atos em Hong Kong e a repressão que se seguiu.

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