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Hoje começa a Colômbia do possível, diz Petro ao assumir Presidência

Esquerdista sugere trocar dívida por gastos ambientais; posse reuniu 150 mil pessoas, segundo organização

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Bogotá

O ex-guerrilheiro e ex-senador Gustavo Petro, 62, tomou posse neste domingo (7) como presidente da Colômbia, o primeiro nome da esquerda a chegar ao poder no país sul-americano.

Ele assumiu o cargo em um grande ato na capital Bogotá, no qual se reuniram 150 mil pessoas, segundo a organização. A cerimônia foi carregada de simbolismos, ligados à história do novo presidente e de sua vice, Francia Márquez, e com mensagens sobre equidade de gênero, proteção do meio ambiente e mudanças de paradigma no combate à violência —marcas da campanha do esquerdista.

"Hoje começa a Colômbia do possível, nossa segunda oportunidade na Terra. Estamos aqui contra todos os prognósticos, contra uma história que dizia que nunca íamos governar, contra os de sempre, contra os que não queriam soltar o poder", disse, depois de ler uma passagem de "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez. "Tudo o que foi escrito neles era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra."

O novo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, faz o juramento de sua vice, Francia Márquez, na cerimônia de posse da gestão, em Bogotá - Divulgação Escritório de Gustavo Petro - 7.ago.22/AFP

Um forte esquema de segurança foi montado ao redor da praça Bolívar, que às 14h30 no horário local (16h30 em Brasília) já estava lotada, depois de filas se formarem na região em torno da Casa de Nariño desde a manhã.

Petro subiu ao palco destinado ao juramento presidencial às 15h15 (17h15 em Brasília). Chegou acompanhado da mulher e dos filhos e embalado pelos gritos de "Sim, se pode" e "O povo, unido, jamais será vencido". Antes, cumprimentou alguns dos convidados, como o rei da Espanha, Felipe 6º, o presidente do Chile, Gabriel Boric, e os ex-presidentes Juan Manuel Santos e Cesar Gavíria.

Como ocorre tradicionalmente, o novo presidente foi caminhando do Palácio de San Carlos, sede da chancelaria, até a praça Bolívar. Petro inovou ao pedir que não fosse estendido no local um tapete vermelho. O juramento foi rápido: "Juro a Deus e prometo ao povo cumprir com a Constituição e as leis da Colômbia". Na sequência, a vice, Francia Márquez, também fez o seu: "Juro diante de meus ancestrais, até que a dignidade passe a ser um costume".

A dupla foi muito aplaudida, enquanto se escutavam rojões pelo centro da cidade. A praça Bolívar estava repleta de jovens e indígenas que, pela primeira vez na história do país, tiveram papel central, ocupando filas na frente da plateia —um pedido da vice, que também carrega o ineditismo de ser a primeira mulher negra no posto.

O discurso da posse foi atrasado para que militares pudessem trazer de Nariño a espada de Simón Bolívar. Petro fez questão de tê-la ao seu lado e fez o pedido após a fala do líder do Senado, Roy Barreras —a peça não havia sido usada na posse do direitista Iván Duque. O simbolismo se explica pela história: a espada havia sido roubada pelo grupo guerrilheiro M19, do qual o agora presidente fez parte, em 1974, e foi devolvida ao Estado em janeiro de 1991, como parte de um acordo do ano anterior que encerrou as atividades do grupo.

Neste domingo, Petro recebeu a faixa presidencial das mãos da senadora Maria José Pizarro, filha do ex-guerrilheiro do M19 e ex-candidato a presidente Carlos Pizarro Leongomez, assassinado em 1990.

Em sua fala, o novo presidente disse que, para acabar com a violência, propõe "mais democracia, mais participação". Afirmou que irá implementar o acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e defendeu ser preciso deixar de falar sobre "guerra às drogas", para apostar numa "prevenção forte do consumo".

Petro acrescentou que a luta contra o narcotráfico levou os Estados a cometerem crimes. "Mas também convocamos a todos os armados a deixar as armas nas névoas do passado. Que aceitem benefícios jurídicos em troca da paz, a serem donos de uma economia próspera", afirmou. Uma de suas plataformas é retomar as negociações com o Exército de Libertação Nacional, considerada última guerrilha local.

Sobre o aspecto tributário, o novo presidente afirmou que "impostos não serão confiscatórios, simplesmente serão justos". Ele definiu a desigualdade social como aberração, "em um Estado que deve proteger a transparência do gasto e em uma sociedade que merece viver em paz".

Também citou outra desigualdade a combater: "Não é possível continuar permitindo que as mulheres tenham menos oportunidades de trabalho e que ganhem menos que os homens". A formação de seu gabinete buscou, além de agregar diferentes forças e nomes mais moderados, certa equidade de gênero. Serão ao menos nove ministras.

Na sequência, Petro centrou o discurso em outro tema caro da campanha, a questão ambiental. "A mudança climática é uma realidade [...], e é preciso salvar a Amazônia", disse. "Não se trata de esquerda ou de direita, temos que encontrar um modelo que seja sustentável econômica, social e ambientalmente."

Nesse trecho ele fez ainda uma espécie de proposta, digamos, sonhática. "Trocar dívida externa por gastos internos para salvar e recuperar nossas selvas e bosques. Diminuam a dívida externa e nós gastaremos o excedente para salvar a vida humana, afirmou. "Se o FMI nos ajudar a trocar dívida por ação concreta contra a crise climática, teremos uma nova economia próspera e uma nova vida para a humanidade."

Antes de a cerimônia começar, o destaque nas ruas de Bogotá era dos representantes de distintas etnias indígenas —da floresta, das montanhas e da região do Caribe—, que andavam em grupos e eram surpreendidos por curiosos, jornalistas ou turistas para tirar fotos. Como as ruas do centro estavam bloqueadas, impedindo a circulação de carros, era preciso caminhar até as barreiras de controle, onde muitos na fila tiravam instrumentos musicais das bolsas e tocavam um pouco até que a polícia revistasse cada um.

Muitos jovens chegaram enrolados em bandeiras da Colômbia, mas também era possível ver símbolos comunistas e do M19.

Na frente do palco, foram reservados espaços para líderes estrangeiros e ao menos dez chefes de Estado presentes, ex-presidentes da Colômbia, militares, representantes da Igreja e políticos como o populista Rodolfo Hernández, derrotado por Petro no segundo turno, em junho. O Brasil se fez representar pelo chanceler Carlos França.

O novo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, ergue o braço durante a cerimônia de posse, em Bogotá - Juan Barreto - 7.ago.22/AFP

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, não foi convidado, embora tenha enviado representantes. Como a prioridade das relações exteriores de Petro é reabrir as fronteiras e restabelecer as relações com Caracas, deixando de reconhecer Juan Guaidó como presidente, a nova gestão afirma que as coisas serão feitas de modo ordenado.

Primeiro, se organizará a reabertura de embaixadas e pontos fronteiriços; depois, seria promovido um encontro entre Petro e Maduro. Havia rumores de que este ocorreria já nesta segunda-feira (8), mas o governo nega que as condições estejam dadas agora para isso, segundo uma fonte próxima a Petro disse à Folha.

Depois dos discursos, estão previstos shows, incluindo artistas regionais, até o final da noite. Há palcos montados em diversas cidades do país. Antes da posse, Petro anunciou dois novos ministros, Nestor Osuña (Justiça), próximo ao ex-presidente Juan Manuel Santos, e Catalina Velasco Campuzano (Habitação), secretária na gestão de Petro na Prefeitura de Bogotá.

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