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Itamaraty América Latina

Planos de Lula e Bolsonaro para América Latina vão de 8 a 80

Petista quer reeditar ativismo do passado enquanto atual presidente dá as costas a alianças com vizinhos

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Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor-executivo da Veja. É pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da USP

Oito ou oitenta. Essa expressão popular define as diferenças entre as propostas de Jair Bolsonaro (PL) e de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para as relações de Brasil e América Latina caso vençam as eleições.

Na seção de política externa, o plano de Bolsonaro dedica só uma linha ao propósito de buscar parcerias com o "entorno geográfico nas Américas". De resto, relações com vizinhos aparecem apenas pontualmente em outros tópicos.

A diplomacia de Bolsonaro foca a ideia de "vocação universalista", ou seja, estender os laços em múltiplas direções e não se restringir a poucos países. Historicamente, o universalismo foi uma forma de evitar alinhamentos automáticos com potências mundiais.

Toalhas com o rosto de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva em barraca de vendedor ambulante em Brasília - Ueslei Marcelino - 16.ago.22/Reuters

Entende-se, portanto, por que o termo foi incorporado ao plano bolsonarista: a necessidade de buscar novas parcerias se tornou inevitável depois do fim do governo Donald Trump, quando a política externa antiglobalista tocada por Ernesto Araújo ficou órfã de liderança.

Os vizinhos da América Latina, porém, definitivamente não estão na lista de prioridades do alegado universalismo da repaginada política externa de Bolsonaro. Não foram até agora e não serão em um eventual segundo mandato. Isso fica claro pelas instâncias multilaterais citadas no programa: Nações Unidas, G20 (grupo dos países mais ricos do mundo), OMC (Organização Mundial do Comércio) e OCDE (o "clube" de países desenvolvidos), com ênfase para esta última, na qual o governo Bolsonaro insistentemente procura ser aceito.

Não há qualquer menção ao Mercosul. A única instância citada que remete à parceria com países emergentes é o Brics (que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) —no qual, obviamente, o Brasil é o solitário representante latino-americano.

O problema elementar do programa de Bolsonaro é que é inconcebível para o Brasil ter uma inserção internacional razoável se não consegue nem sequer se apresentar como ator relevante em nível regional.

O plano de Lula vai ao outro extremo. O ex-presidente quer reeditar o ativismo diplomático de seus oito anos no poder, o que seu então chanceler Celso Amorim chamou de "política externa ativa e altiva". O PT promete retomar a cooperação com países pobres, promover "a integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe" e fortalecer instâncias como "o Mercosul, a Unasul, a Celac e o Brics".

A Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) é um bloco de cooperação regional criado em 2010 com o propósito, na visão do então presidente venezuelano Hugo Chávez, de ser uma alternativa à OEA (Organização dos Estados Americanos), ou seja, livre da influência americana.

Tal qual a Unasul (União das Nações Sul-Americanas), outro projeto que foi atrelado às ambições de Chávez de exercer influência regional em antagonismo aos EUA, a Celac esvaziou-se com a chegada de governos de direita ou centro-direita no Brasil e em outros países da região a partir de 2016.

Em seus dois mandatos como presidente, Lula procurou construir seu protagonismo na região com base em dois pilares interligados: a articulação política com governos vizinhos e a integração da infraestrutura regional por meio de grandes projetos a cargo, preferencialmente, de empreiteiras brasileiras.

O problema de tentar reavivar o protagonismo de outrora é que a América Latina não é mais a mesma. A integração via infraestrutura, nos governos do PT, foi marcada por esquemas de corrupção, o que levou a um desmonte da capacidade material do Brasil para liderá-la. Certamente, haveria grande resistência política para retomar a internacionalização de construtoras brasileiras e os grandes financiamentos externos do BNDES depois do que foi revelado pela Operação Lava Jato.

Do ponto de vista da articulação política, os governos da região voltaram em sua maioria para as mãos da esquerda, mas o contexto é outro. Primeiro, porque o cenário econômico agora é bem mais desafiador. Apesar da gradual recuperação para patamares pré-Covid, a inflação continuará sendo um problema no ano que vem, e o preço das commodities, que tanto ajudaram nos tempos de Lula, enfrenta tendência de queda.

Segundo, porque a presença da China na região agora é muito maior, e o interesse dos EUA em rivalizar com essa influência, também —o que deixa menos margem de manobra para aspirações lulistas de liderança.

A questão política, com o viés dos alinhamentos ideológicos, já está sendo explorada na campanha. No Jornal Nacional, Bolsonaro exibiu uma "colinha" na palma da mão com quatro palavras-chave, entre as quais Nicarágua, Argentina e Colômbia. Ele pretendia chamar a atenção para a perseguição política no regime nicaraguense, para problemas econômicos dos argentinos e para o risco de leniência do novo governo colombiano com a narcoguerrilha. O objetivo de Bolsonaro é relacionar tudo a Lula, que já manifestou amizade ou afinidade com os governos dos três países.

Como que para reforçar a diferença, o plano de Bolsonaro afirma que seu governo priorizou a "cooperação com outras democracias" e que buscará "interação ainda maior com países que defendam e respeitem valores que são caros aos brasileiros e se encaixem no ambiente democrático".

Nada mais falso, haja vista a aproximação de Bolsonaro com a Rússia de Vladimir Putin e a Arábia Saudita de Mohammad bin Salman.

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