Descrição de chapéu The New York Times

Pandemia aumenta desigualdade educacional nos EUA

Exame nacional com alunos de 9 anos detectou perda em aprendizado de matemática e leitura

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Sarah Mervosh
The New York Times

Os resultados de provas nacionais divulgados na quinta-feira (1º) chamaram a atenção muito claramente para os efeitos devastadores que a pandemia teve sobre as crianças americanas em idade escolar. O desempenho das crianças de 9 anos em matemática e leitura caiu para os níveis de duas décadas atrás.

Este ano, pela primeira vez desde que as provas da Avaliação Nacional de Progresso Educacional começaram a registrar o aproveitamento dos estudantes, os alunos de 9 anos retrocederam em matemática. Enquanto isso, as notas de leitura tiveram a maior queda em mais de 30 anos.

O declínio abrangeu quase todas as raças e os níveis de renda e foi nitidamente pior para os alunos com aproveitamento mais baixo. Os alunos de melhor desempenho, entre os 90% melhores, tiveram uma queda pequena –três pontos em matemática–, mas os alunos que integram os 10% mais fracos retrocederam 12 pontos.

Alunos são levados à sala de aula em escola de Nova York
Alunos são levados à sala de aula em escola de Nova York - Michael Loccisano - 7.mar.22/Getty Images via AFP

"Fiquei espantado com a abrangência e magnitude do retrocesso", comentou Peggy G. Carr, comissária do Centro Nacional de Estatísticas de Educação, a agência federal que administrou o exame este ano. As provas foram feitas por uma amostragem nacional de 14,8 mil crianças de 9 anos e foram comparadas com os resultados de provas feitas por alunos da mesma faixa etária no início de 2020, logo antes de a pandemia tomar conta dos Estados Unidos.

Os alunos com aproveitamento mais alto e mais baixo já estavam se distanciando antes mesmo da pandemia, mas agora, disse Carr, "os alunos na base estão caindo mais rapidamente".

Estudantes negros perderam 13 pontos em matemática, contra cinco pontos dos estudantes brancos, ampliando o desnível entre os dois grupos. Pesquisas documentaram o efeito profundo do fechamento de escolas sobre estudantes de baixa renda e estudantes negros e hispânicos, em parte porque suas escolas tiveram probabilidade maior de continuar com o ensino à distância por períodos mais longos.

A queda nas notas das provas significa que, embora muitos alunos de 9 anos consigam demonstrar compreensão parcial do que leem, um número menor consegue deduzir os sentimentos de um personagem a partir do que leram. Na matemática, os alunos podem estar a par de fatos aritméticos simples, mas nem todos conseguem somar frações com denominadores comuns.

Os retrocessos podem ter consequências graves para uma geração de crianças que precisam avançar além do básico no ensino fundamental para conseguirem avançar mais tarde.

"As notas das provas dos alunos, mesmo começando na primeira, segunda e terceira série, constituem indicativos bastante precisos do aproveitamento escolar posterior desses alunos e de sua trajetória educacional total", comentou Susanna Loeb, diretora do Instituto Annenberg da Universidade Brown, que trabalha com a disparidade educacional.

"O maior motivo de preocupação é a queda das notas das crianças de aproveitamento mais baixo", ela acrescentou. O fato de estarem tão atrasadas, disse ela, pode levá-las a desinteressar-se pela escola, reduzindo as chances de completarem o ensino médio ou chegarem à faculdade.

A Avaliação Nacional de Progresso Educacional é vista como padrão ouro nas avaliações educacionais. Diferentemente das provas estaduais, que são padronizadas em todo o país, ela permanece consistente ao longo do tempo e não procura responsabilizar as escolas individuais pelos resultados, fato que, segundo especialistas, a torna mais confiável.

Os resultados das provas ofereceram um retrato instantâneo de apenas um grupo etário: as crianças de 9 anos, que normalmente estão na terceira ou quarta série. Resultados relativos a alunos da quarta e oitava séries serão divulgados mais tarde este ano em cada estado.

"Este é um teste que mostra claramente aos líderes federais e estaduais o quanto precisamos trabalhar", disse Andrew Ho, professor de educação em Harvard, especialista em avaliações educacionais e ex-membro do conselho de supervisão do exame.

Desde que o exame foi realizado pela primeira vez, no início da década de 1970, as notas de leitura e especialmente de matemática têm subido ou se mantido iguais. Isso inclui um período de progresso grande entre o final dos anos 1990 e meados dos anos 2000.

Mas nos últimos dez anos, mais ou menos, as notas dos alunos ficaram estáveis, em vez de subir, e as disparidades entre os alunos de desempenho mais baixo e mais alto cresceram.

Então veio a pandemia, que fechou escolas em todo o país praticamente de um momento a outro. Professores passaram a dar aulas pelo Zoom, e os alunos ficaram em casa, lutando para aprender online.

Em algumas partes do país as interrupções duraram pouco tempo, e as escolas reabriram no outono daquele ano. Mas em outras regiões, especialmente em cidades grandes com grandes populações de alunos de baixa renda e não brancos, as escolas ficaram fechadas por muitos meses. Algumas só reabriram completamente no ano passado.

Os exames nacionais, disse Ho, contam a história de uma década de progresso, seguida por uma década de desigualdade e depois pelo choque da pandemia, que se desdobrou em duas partes.

"Ela cancelou o progresso conquistado e exacerbou a desigualdade", disse Ho. "Agora temos muito trabalho pela frente para recuperar o que foi perdido."

Ho estimou que um ponto perdido no exame nacional equivale a mais ou menos três semanas de aprendizagem. Isso significa que um aluno de desempenho alto que perdeu três pontos em matemática pode recuperar o atraso em nove semanas, mas um aluno de baixo desempenho que perdeu 12 pontos vai precisar de 36 semanas, ou quase nove meses, para recuperar o terreno perdido –e mesmo assim estará atrasado em relação a seus pares mais adiantados.

Há indicativos de que os alunos que já voltaram à escola completamente já começaram a aprender no ritmo normal outra vez. Mas especialistas dizem que será preciso mais do que o dia letivo habitual para compensar as lacunas criadas pela pandemia.

Os resultados devem mobilizar a todos para enfocar o esforço para recolocar os alunos nos trilhos, disse Janet K. Jackson, que até o ano passado chefiou o distrito escolar Chicago Public Schools e hoje integra o conselho de direção da entidade Chiefs for Change, que representa líderes de distritos escolares e do ensino estadual. Ela pediu que o governo federal ofereça propostas grandes, evocando o Plano Marshall –a iniciativa dos EUA para ajudar a reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial.

"Para mim, o problema é muito sério", ela disse, destacando que políticos, lideranças escolares, sindicatos de professores e pais de alunos terão que deixar de lado as muitas desavenças que cresceram durante a pandemia e unir forças para ajudar os alunos a recuperar o terreno perdido.

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.