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Gays evangélicos desafiam igrejas e se casam após referendo pró-LGBTQIA+ em Cuba

União entre pessoas do mesmo sexo foi aprovada em consulta popular, mas preconceito permanece

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Bolondrón (Cuba) | AFP

A aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo em Cuba, no final do mês passado, propiciou a união de evangélicos LGBTQIA+ que, por motivos religiosos, eram condenados ao ostracismo para além das esferas legais.

Um dos primeiros casamentos homoafetivos no país foi o do artista Lázaro González, 52, com o teólogo Adiel González, 32, que precisou romper com a Igreja Batista anos atrás para se tornar ativista dos direitos LGBT na ilha.

"[Quando criança,] fui ensinado a rejeitar qualquer manifestação homossexual. Qualquer maneirismo era considerado um pecado", diz Adiel. Ele conta que, a partir dos 11 anos, tentou converter a orientação sexual por meio de orações. A tentativa, claro, foi em vão: "Isso não é escolha, não se altera. Hoje estou convencido que Deus não se importa com isso".

Lázaro Gonzalez, 52, e Adiel Gonzalez, 32, celebram após se casarem em Bolondron, na província de Matanzas, em Cuba
Lázaro Gonzalez, 52, e Adiel Gonzalez, 32, celebram após se casarem em Bolondron, na província de Matanzas, em Cuba - Adalberto Roque -13.out.22/AFP

Aos 20 anos, Adiel se assumiu homossexual e iniciou um pequeno projeto na igreja para incentivar a mudança da postura dos fiéis em relação à sexualidade. O esforço, porém, teve pouco efeito e, em 2014, ele abandonou a instituição para fundar um programa teológico de ativismo cristão LGBT –que mais tarde se tornaria uma organização independente na cidade de Matanzas, a 98 quilômetros de Havana.

O contraste entre o cristianismo e sua orientação sexual se aprofundou em 2019. Na época, autoridades cubanas tentaram introduzir o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Constituição, mas as igrejas se opuseram fortemente.

"Eu me vi em um fogo cruzado, porque estava fazendo ativismo a partir da minha identidade cristã", diz. Ele conta ter sofrido ataques em redes sociais, incluindo ameaças de morte. Na entrevista à agência de notícias AFP, vestia um escapulário.

Seu relacionamento com Lázaro começou em 2012, quando os dois se juntaram para tentar influenciar a ditadura a mudar o Código da Família. O resultado veio neste ano: entre fevereiro e abril Havana realizou uma consulta sobre o documento em 79 mil reuniões de moradores e, no mês passado, a maioria da população votou a favor das mudanças pró-LGBT —o projeto foi aprovado com 66% dos votos.

O resultado era esperado, depois da intensa campanha feita pelo regime, num movimento que ativistas dizem considerar que aprofunda contradições. Em dezembro, por exemplo, entra em vigor um novo Código Penal, com medidas duríssimas contra a liberdade de manifestação e de expressão —para o qual não houve nenhum tipo de consulta popular.

"Quando os resultados foram divulgados, gritamos e nos abraçamos", diz Lázaro. Na América Latina, o casamento igualitário é reconhecido na Argentina, no Uruguai, no Brasil, na Colômbia, no Equador, na Costa Rica, no Chile e em vários estados mexicanos.

O novo código ainda permite a adoção de crianças por casais homossexuais, o reconhecimento de pais e mães além dos biológicos e a barriga de aluguel —desde que sem fins lucrativos— e agrega direitos a crianças, idosos e pessoas com deficiência.

Ainda em setembro, a Conferência Episcopal de Cuba se disse contra vários pontos do texto. As críticas encontram eco na antiga postura do regime, que nos anos 1960 e 1970 condenou homossexuais ao ostracismo ou os enviou a campos militarizados de trabalho agrícola.

O casamento de Lázaro e Adiel ocorreu na quinta-feira (13). Lázaro preparou o banquete da festa, para a qual foram convidadas pessoas próximas: arroz frito, mandioca ao molho e "plátanos en tentación", prato cubano com banana e canela. "Sempre esperamos por esse momento, era um sonho", diz.

"Para nós que nos envolvemos tão diretamente na aceitação do casamento gay em Cuba, que o tornamos parte de nossa vida cotidiana, casar foi o fechamento, a culminação", acrescenta Adiel.

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