Descrição de chapéu The New York Times terrorismo

Gigante do cimento faz acordo de US$ 780 mi com EUA por negócios com o Estado Islâmico

Lafarge admite ter pago para que terroristas garantissem segurança de funcionários e fornecessem matérias-primas da região

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Rebecca Davis O'Brien Glenn Thrush
Nova York | The New York Times

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos chegou a um acordo de US$ 778 milhões (R$ 4 bilhões) com um conglomerado de construção francês que havia feito pagamentos ao Estado Islâmico para proteger suas operações na Síria em 2013 e 2014. Na época, o grupo terrorista assassinou americanos enquanto controlava a região.

A Lafarge S.A., subsidiária do Holcim Group, com sede na Suíça e extensas operações nos EUA, declarou-se culpada nesta terça (18) de conspirar para fornecer apoio material a uma organização terrorista estrangeira. A ação era movida em um tribunal federal no distrito do Brooklyn, em Nova York.

Terroristas do Estado Islâmico participam de  desfile militar na província de Raqqa, no norte da Síria
Terroristas do Estado Islâmico participam de desfile militar na província de Raqqa, no norte da Síria - Stringer -30.jun.14/Reuters

A empresa também enfrenta acusações criminais na França, onde se tornou a primeira corporação a ser indiciada por cumplicidade em crimes contra a humanidade. Quatro anos atrás, autoridades francesas acusaram executivos da Lafarge de conexão com as operações da empresa na Síria.

As autoridades americanas detalharam nesta terça as medidas extraordinárias que funcionários tomaram para manter as operações numa fábrica de cimento no norte da Síria, ao sul da fronteira turca, durante a guerra civil que há mais de dez anos assola a região.

De acordo com um documento judicial, executivos da Lafarge e sua subsidiária local trabalharam com intermediários baseados na Síria para pagar a "numerosas facções armadas", como o Estado Islâmico e a Frente Nusra, que controlavam a área ao redor da fábrica. Os pagamentos incluíam serviços de segurança oferecidos pelos grupos armados e a compra de matérias-primas de fornecedores ligados ao EI.

A empresa acabou se envolvendo no que era efetivamente um acordo de compartilhamento de receitas com os terroristas, estruturando seus pagamentos com base nas vendas de cimento. Com isso, o EI permitiu o acesso a matérias-primas provenientes de seu território e que funcionários, fornecedores e distribuidores da Lafarge passassem com segurança por postos de controle do grupo e da Frente Nusra.

Os materiais do processo judicial incluíam imagens de um passe de veículo de abril de 2014, emitido por um oficial do EI na província síria de Aleppo, para "os irmãos nos postos de controle da ponte Qarah Qawzak", pedindo que eles "gentilmente permitissem que os funcionários da Lafarge Cement Company passassem depois de completar o trabalho necessário e depois de pagar suas dívidas a nós".

As recompensas continuaram mesmo quando o EI capturou, torturou e matou reféns. Executivos coordenaram pagamentos em dinheiro ao grupo como parte de seu "acordo" para manter a fábrica funcionando em agosto de 2014, cerca de um mês após o EI decapitar o jornalista americano James M. Foley, mostraram emails obtidos pelo governo.

O sequestro, a tortura e o assassinato de americanos, incluindo Foley –e a crescente sensação de que seu sofrimento e coragem estão sendo esquecidos com o passar do tempo– foram fator motivador para prosseguir com o caso, de acordo com autoridades policiais.

A admissão de culpa da empresa ocorre dois meses depois de o Ministério Público alcançar a meta de levar agentes do EI à Justiça em um tribunal americano. Em agosto, El Shafee El Sheikh, membro-chave do grupo, foi condenado à prisão perpétua em um tribunal federal da Virgínia por sua atuação na morte de quatro americanos na Síria.

Há anos, o Departamento de Justiça vem processando discretamente a Lafarge sob uma lei federal que proíbe pessoas ou empresas de abrigar ou colaborar com pessoas que sabem ser terroristas. O caso foi instaurado em Nova York porque um dos pagamentos foi encaminhado por meio de uma entidade local.

Evidências no caso mostraram que a Lafarge tinha amplos negócios com grupos que foram responsáveis pela morte de milhares de pessoas.

De agosto de 2013 a outubro de 2014, a Lafarge e sua subsidiária síria repassaram à Frente Nusra e ao EI US$ 5,92 milhões (R$ 31 milhões), em forma de "doações" e pagamentos a fornecedores. A empresa também pagou US$ 1,1 milhão a intermediários terceirizados.

Os promotores disseram ainda que a firma ocultou transações e falsificou registros e datas de contratos para impedir que o esquema se tornasse público. "Os réus fizeram uma parceria com o EI, uma das organizações terroristas mais brutais que o mundo já conheceu, para aumentar os lucros e sua participação de mercado", disse a vice-procuradora-geral Lisa Monaco em entrevista coletiva.

A CEO da Lafarge, Magali Anderson, compareceu ao tribunal na manhã de terça para entrar com a admissão de culpa em nome da empresa. A companhia disse em comunicado que não segue mais essas condutas.

"Nenhuma [ação] envolveu operações ou funcionários da Lafarge nos EUA e nenhum executivo envolvido no esquema está com a Lafarge ou qualquer afiliada hoje", disse a empresa, acrescentando que "aceitou a responsabilidade pelas ações dos funcionários, cujo comportamento foi uma violação flagrante do código de conduta".

O Departamento de Justiça minimizou essa justificativa, acusando a liderança da Holcim de não realizar uma "diligência prévia" para investigar as ações da Lafarge na Síria depois que ela comprou a empresa, em 2015. A companhia síria tem receita de US$ 12 bilhões (R$ 63 bilhões).

Enquanto outras multinacionais se retiraram da Síria após o início da guerra civil, em 2011, a Lafarge tomou a decisão calculada de ficar, forçando os limites do direito internacional.

Para transportar suprimentos e funcionários por áreas perigosas e garantir matérias-primas, a firma canalizou dinheiro para intermediários que negociaram com o EI, a afiliada da Al Qaeda na Síria e outras facções armadas. Quando a Lafarge esvaziou a fábrica, em setembro de 2014, segundo os promotores, o Estado Islâmico tomou posse do cimento que havia sido produzido e o vendeu por US$ 3,2 milhões.

O único outro acordo comparável ao da Lafarge foi um em 2007 entre o Departamento de Justiça e a Chiquita Brands International, que admitiu pagar a uma violenta organização de direita conhecida como Forças Unidas de Autodefesa da Colômbia para manter suas operações em curso.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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