Irã atira contra manifestantes em memorial de Mahsa Amini

Milhares de pessoas desafiam repressão do regime após 40 dias da morte da jovem; no sudoeste do país, atentado mata 13 pessoas

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Dubai | Reuters e AFP

As forças de segurança do Irã voltaram, nesta quarta-feira (26), a entrar em confronto com manifestantes em atos contra o regime do país. Desta vez, o cenário foi Saqez, cidade no Curdistão onde Mahsa Amini nasceu e foi enterrada depois de morrer, há 40 dias, sob custódia da polícia moral do país.

Segundo agências de notícias, milhares de pessoas se reuniram no memorial destinado à jovem para prestar homenagens –no Irã, o período tradicional de luto dura 40 dias. Antes, porém, de acordo com ativistas, autoridades haviam advertido os pais da jovem para que não organizassem cerimônias e ameaçado prender o filho do casal se os protestos ocorressem; o regime nega.

Mulher sem véu participa de manifestação em apoio a Mahsa Amini em Saqez, no Irã
Mulher sem véu participa de manifestação em apoio a Mahsa Amini em Saqez, no Irã - UGC -26.out.22/AFP

O suposto aviso foi ignorado e, nesta quarta, agentes iranianos teriam disparado contra alguns dos estimados 10 mil manifestantes e detido dezenas deles. "As forças de segurança atiraram gás lacrimogêneo e abriram fogo contra pessoas na praça Zindan, em Saqez", afirmou no Twitter o grupo de defesa dos direitos humanos Hengaw, sediado na Noruega.

Vídeos publicados mais cedo pela organização mostram a polícia patrulhando a cidade, que teve as entradas bloqueadas já na noite de terça (25). A agência de notícias ISNA, ligada ao regime, confirmou os confrontos e informou que a internet em Saqez havia sido cortada "devido a questões de segurança" –o bloqueio é utilizado por vários regimes ao redor do mundo para conter a organização de protestos pelas redes sociais.

Antes da repressão, os manifestantes cantavam "Mulher, Vida, Liberdade", canção que se tornou símbolo dos protestos das últimas semanas no país —os maiores ao menos desde 2019. Havia também quem pedisse "morte ao ditador", em referência ao aiatolá Ali Khamenei.

Entre os manifestantes estariam astros do futebol iraniano. Segundo o Hengaw, aquele que é considerado o maior jogador de todos os tempos do país, Ali Daei, chegou a se hospedar em Saqez, mas precisou ser transferido para um hotel estatal sob ordem das forças de segurança. Ele estava acompanhado do goleiro Hamed Lak.

Manifestações também foram registradas em outras cidades, como a capital, Teerã. Alunos do ensino superior agendaram protestos em universidade –estudantes de escolas e faculdades têm liderado parte dos atos. Ainda nesta quarta, autoridades fecharam todas as instituições de ensino do Curdistão, alegando uma onda de gripe na região.

À mídia local, porém, o governador da província, Zarei Koosha, disse que a situação era normal. "O inimigo e seus meios de comunicação tentam utilizar o 40º dia da morte de Mahsa Amini como um pretexto para provocar novas tensões, mas felizmente a situação na província está completamente estável", declarou, ecoando o discurso oficial do regime, que culpa o Ocidente —notadamente os EUA— pela crise interna.

Paralelamente, um atentado matou ao menos 13 pessoas, incluindo crianças, e feriu outras 40 em um santuário xiita na cidade de Xiraz. Um homem armado teria atirado contra a mesquita por razões ainda desconhecidas –o Estado Islâmico reivindicou a autoria do episódio.

Não demorou muito para o ministro do Interior iraniano, Ahmad Vahidi, associar o ataque aos protestos contra a morte de Mahsa Amini. "A experiência mostra que os inimigos do Irã, depois de não conseguirem criar uma divisão nas fileiras unidas da nação, se vingam através da violência e do terror", disse, ao prometer respostas.

A curda iraniana de 22 anos morreu em 16 de setembro, depois de ter ficado detida por três dias pela polícia moral quando visitava Teerã com o irmão. Ela foi acusada de supostamente violar o rígido código de vestimenta do Irã, que impõe o uso do véu às mulheres.

O regime alega que Amini morreu em decorrência de um problema cardíaco, versão que a família e ativistas contestam —ela teria sido vítima de agressões dos agentes. O pai da jovem afirma que foi impedido de ver o relatório da autópsia do corpo da filha.

A repressão aos protestos no país provocou ao menos 141 mortos, incluindo 29 menores de idade, segundo a ONG Direitos Humanos do Irã. O regime iraniano contabiliza 30 membros das forças de segurança mortos desde o começo dos protestos. Paralelamente, vários manifestantes foram detidos, incluindo professores universitários, jornalistas e celebridades –alguns podem ser condenados até mesmo à pena de morte.

Como forma de conter a repressão, EUA e União Europeia lideraram uma série de sanções contra Teerã e autoridades importantes do país. Nesta quarta, o Tesouro americano impôs sanções a funcionários de prisões, à Guarda Revolucionária Islâmica e a duas entidades acusadas de "esforços para interromper a liberdade digital" no país do Oriente Médio.

É incerta porém a capacidade de essas sanções influenciarem as ações de Teerã. O regime islâmico é alvo de bloqueios do tipo há anos e, ainda que sofra com crises econômicas, nunca perdeu apoio de parte considerável da população. Também nesta quarta, Teerã anunciou sanções contra meios de comunicação de países da UE, como as versões persas da Deutsche Welle e da RFI. A lista inclui políticos europeus.

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