No Irã, mulheres sem véu não têm direito de existir, diz ativista exilada nos EUA

Masih Alinejad compara hijab ao Muro de Berlim; se cai o tecido, cai também o regime islâmico em Teerã

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Washington

Mulheres iranianas tomaram as ruas do país para rasgar seus véus, expondo o cabelo e a ira. Também com ira o regime tem reagido. A repressão aos protestos já deixou mais de 80 mortos, segundo organizações de defesa dos direitos humanos. Na quarta-feira (28), a polícia voltou a advertir que se "oporá com todas as suas forças" àqueles que insistirem em ir aos atos contra o regime.

Os acontecimentos dão conta do simbolismo desse pedaço de pano. "O regime tem medo porque sabe que o véu não é só um tecido. É o nosso Muro de Berlim", afirma à Folha Masih Alinejad, 46, uma das figuras mais visíveis de uma década de protestos pelo direito das iranianas. "Se derrubarmos esse muro, a república islâmica não vai conseguir seguir existindo."

A ativista iraniana Masih Alinejad em Nova York - Roselle Chen - 27.set.22/Reuters

As manifestações que têm revirado o país nas últimas semanas começaram depois da morte de Mahsa Amini, 22. Ela foi detida em 13 de setembro na saída do metrô de Teerã por supostamente violar o código de vestimenta. Segundo a família, foi agredida e hospitalizada, em coma. Amini morreu três dias depois.

"Depois da morte brutal de Amini, o povo ficou irado. Muitos se identificam com a história dela", diz Alinejad. "Poderia ter sido alguém da família deles. Estão vendo que suas filhas são cidadãs de segunda classe. Se não usam o véu, não têm o direito de existir. Foi um ponto de inflexão. Estão nas ruas para protestar não só contra o véu, mas contra o regime todo."

Os debates a respeito do véu, conhecido como hijab, são antigos na região. Há divergências sobre o que os textos fundamentais do islã dizem sobre a necessidade —ou não— de uma mulher cobrir o cabelo com o tecido.

Algumas interpretações dão conta de que o Alcorão apenas exige a separação social entre as mulheres e os homens. A regra, além disso, seria apenas para as esposas do profeta Maomé. Com o tempo, porém, espalhou-se o entendimento de que o hijab é um sinal necessário da modéstia de uma "mulher correta". O pano é hoje comum em países de cultura islâmica.

O Irã é um dos únicos países, ao lado do Afeganistão, que exigem por lei que as mulheres cubram o cabelo. A regra faz parte do pacote ultraconservador imposto pela revolução de 1979, que instituiu o regime hoje em vigor. Com a obsessão do restante do mundo, que enxerga no hijab um símbolo do autoritarismo iraniano, o véu virou um dos pilares do regime.

"As gerações jovens que estão nas ruas rejeitam essa ideologia que foi imposta por 40 anos", diz Alinejad. "As pessoas que nasceram nos anos 1990 não querem mais isso."

Alinejad fala dos EUA, onde vive desde 2009. Aos 19 anos, quando ainda estava no Irã, foi presa por publicar reportagens críticas ao regime dos aiatolás. Ela estava grávida. Apesar de ter deixado o país, segue sendo uma das vozes mais altas contra a imposição do véu. Fundou em 2014 o projeto My Stealthy Freedom (minha liberdade furtiva), em que divulga fotos de iranianas de cabelo descoberto.

O exílio traz alguma segurança, já que Alinejad não está exposta à censura e à repressão que iranianas enfrentam todos os dias. A violência, porém, alcança mesmo as mulheres que estão no exterior. Em 2021, o governo dos EUA frustrou uma suposta tentativa de sequestro contra a jornalista. Neste ano, um homem armado foi preso rondando a casa da ativista em Nova York —ela acredita que ele queria matá-la.

Alinejad diz que a decisão iraniana de engrossar a censura da internet é um sinal de seu temor. "Eles não querem que o resto do mundo veja os crimes contra a humanidade que estão cometendo. E não querem que as pessoas se coordenem. Quando os iranianos veem uns aos outros nas redes, se sentem mais poderosos. O governo quer isolá-los", afirma.

Não está claro o que vai acontecer nos próximos dias, com a promessa do regime de escalar a repressão. Em 2019, milhares de iranianos foram às ruas nas maiores manifestações da história do país. Segundo a agência Reuters, as forças de segurança, à época, mataram 1.500 pessoas.

Nesse contexto, a jornalista iraniana pede que a comunidade internacional se envolva nessa discussão. Ela espera dos EUA, por exemplo, um reforço aos vetos à viagem de membros do regime iraniano. "O Ocidente tem de ser duro como foi com Vladimir Putin", diz, em referência ao conjunto de retaliações contra a Rússia em decorrência da Guerra da Ucrânia.

Alinejad critica também as alas da esquerda que, ao redor do mundo, têm evitado criticar o Irã. "É fácil para eles criticar a Arábia Saudita e o Iêmen, mas não a Venezuela e o Irã", diz. "Não deveria ser assim. Nós queremos um padrão moral de direitos humanos tanto para a esquerda quanto para a direita."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.