Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Putin finaliza anexação na Ucrânia mesmo perdendo terreno para Kiev

Kremlin diz que irá reocupar áreas retomadas por Kiev, mas segue vago acerca das fronteiras

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São Paulo

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, finalizou nesta quarta (5) a sanção das leis regulando a anexação do equivalente a cerca de 18% da Ucrânia, a maior tomada territorial à força na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Moscou já havia anexado a Crimeia, 4,5% do vizinho, sem conflito em 2014.

O Kremlin, contudo, continuou sem definir exatamente quais fronteiras estão previstas na absorção denunciada como ilegal no exterior. O motivo são os avanços de Kiev nas regiões de Donetsk (leste) e Kherson (sul). Mas manteve o tom desafiador.

Blindado de transporte de pessoal ucraniano em estrada na região de Liman, em Donetsk
Blindado de transporte de pessoal ucraniano em estrada na região de Liman, em Donetsk - Anatolii Stepanov - 4.out.2022/AFP

"Por favor, leia o decreto [presidencial que foi convertido em lei e, depois, sancionado pelo próprio Putin]. No geral, claro, ele se aplica ao território onde a administração civil-militar estava operando no momento do acesso [à Rússia]. Eu repito: alguns territórios serão retomados, e nós vamos continuar a consultar a população que deseja viver na Rússia", disse o porta-voz Dmitri Peskov.

Em uma conversa televisionada com professores, Putin sugeriu que o cenário militar não é bom. "Estamos trabalhando assumindo que a situação nos territórios irá se estabilizar."

Apesar do apelo do porta-voz, os textos dos quatro decretos assinados por Putin na sexta (30) nada têm de claros. Supõe-se, no caso de Donestk e Lugansk, o chamado Donbass (bacia do rio Don), que as fronteira sejam aquelas estabelecidas em 2014 pelas autoproclamadas repúblicas populares que agora Moscou anexou.

Nesse caso, é a fronteira legal dos oblasts (regiões, na complexa divisão territorial da antiga União Soviética ainda válida) ucranianos de Lugansk e Donetsk. Hoje, a Rússia ocupa quase todo o primeiro, onde Kiev tem atacado, e cerca de 60% do segundo. Assim, Peskov volta ao ponto que havia citado na semana passada: que a guerra tem como objetivo atual no mínimo acabar de capturar aquela área.

Mas a coisa fica mais nebulosa ao tratar de Kherson e Zaporíjia. Na primeira área sulista, o controle russo era quase total, mas há infiltrações blindadas ucranianas e a capital homônima está em uma posição bastante exposta, com o rio Dnieper às suas costas.

Resta saber se Kiev vai querer aplicar um cerco à população civil lá presente ou mesmo se os russos vão recuar para pontos mais defensáveis, usando o rio como fronteira. Em Zaporíjia, o norte da região nunca chegou a ser conquistado por Moscou e, nesta quarta, Putin ordenou que a maior usina nuclear da Europa, que fica na área ocupada, seja assumida pela estatal russa Rosatom.

"Não há contradição. Eles [os territórios] serão da Rússia para sempre", sustenta Peskov, parecendo dourar a pílula da situação no campo. Legalmente, Moscou está infringindo o Memorando de Budapeste, um acordo em que reconhecia as fronteiras da antiga Ucrânia soviética, assinado em 1994.

Falando no seu canal do Telegram sobre Kherson, o famoso blogueiro militar Roman Saponkov, que acompanha as forças russas, foi cândido: "Não sei o que dizer. A retirada do norte no lado direito do rio é um desastre".

A Rússia parece estar ganhando tempo para que sua criticada mobilização, atacada até por propagandistas do governo, surta algum efeito. Concorre para esta tese a ameaça nada velada de Moscou de usar armas nucleares para defender seu novo território: analistas veem chance de ser só um blefe, ainda que a Ucrânia tema ação real.

O Ministério da Defesa diz já ter alistado 200 mil dos 300 mil reservistas que deseja para combate, e que alguns poderão estar em ação já em novembro.

As ações russas foram chamadas pelo chefe do gabinete presidencial de Kiev, Andrii Iermak, de "hospício coletivo" e atos "de um país terrorista". Estados Unidos e União Europeia as condenaram e elaboraram novas sanções econômicas contra Moscou.

A China, principal aliada de Putin, nunca condenou a invasão e se absteve da sessão do Conselho de Segurança da ONU que discutiria o caso, obstruída pelo poder de veto do Kremlin. Outros membros sem tal prerrogativa, como Índia e Brasil, também se abstiveram para insistir na neutralidade em favor de vantagens econômicas.

No Ocidente, cresce a preocupação com guerra energética. A Casa Branca criticou a decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados de grande corte de produção de óleo, que segundo os EUA foi um favor feito à Rússia, próxima da Arábia Saudita no grupo.

Segundo o governo da Dinamarca, a gigante estatal Gazprom começou a desviar gás enviado para países europeus por meio dos dutos que passam pela Ucrânia, indicando que pode haver um corte brutal no inverno.

Cerca de 30% da matriz energética europeia é composta de gás natural, e em 2021 40% disso era russo. Para complicar, o ataque ao sistema Nord Stream, que já estava praticamente inoperante no ramal 1 e nunca chegou a funcionar no 2, deixou apenas 1 dos 4 gasodutos em condições de funcionar —na hipótese de a Europa ceder e pedir gás a Putin, o que só deve acontecer se reduzirem o apoio militar a Kiev.

As explosões, na semana passada, causaram um grande vazamento de gás no mar Báltico, por onde o sistema ligando Rússia e Alemanha passa. Moscou insiste que foi vítima de algum Estado rival, e a Europa só faltou dizer o nome de Putin como culpado. Mas as tensões foram um pouco reduzidas, e agora há negociações acerca de como será feita a investigação do episódio.

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