Descrição de chapéu The New York Times

Como pequena empresa que atua em eleições virou alvo de teoria da conspiração

Negacionistas do pleito que elegeu Joe Biden acusam companhia de ligação com Partido Comunista Chinês

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Stuart A. Thompson
The New York Times

Numa conferência realizada em agosto num local secreto a sudeste de Phoenix, aberta apenas a convidados, um grupo de negacionistas propôs uma nova teoria conspiratória sobre o resultado da eleição presidencial americana de 2020.

Utilizando evidências fraquíssimas ou inexistentes, o grupo sugeriu que uma pequena empresa americana de software eleitoral, a Konnech, tem vínculos secretos com o Partido Comunista Chinês e teria dado a Pequim acesso clandestino aos dados pessoais de cerca de 2 milhões de mesários e outros funcionários eleitorais nos Estados Unidos. A informação vem de relatos feitos online por várias pessoas presentes na conferência.

FILE Ñ A sign directs primary voters to a polling place set up at an elementary school in Allston, Mass., on Sept. 6, 2022. Election deniers catapulted a Michigan firm with just 21 U.S. employees to the center of unfounded voter fraud claims, exposing it to vicious threats. (Sophie Park/The New York Times)
Letreiro indica local de votação durante eleições primárias em escola de Allston, em Michigan, EUA - Sophie Park - 6.set.22/The New York Times

Nas semanas seguintes a teoria conspiratória cresceu à medida que circulava pela internet. Para quem acredita nela, as alegações revelam como a China ganhou controle quase total das eleições americanas. Algumas pessoas compartilharam páginas no LinkedIn de funcionários da Konnech de origem chinesa e enviaram ameaças por email à empresa e a seu CEO, que nasceu na China.

"Pode ser boa ideia reservar voos de volta a Wuhan antes que a gente mate vocês por enforcamento", escreveu uma pessoa em email à companhia.

Nos dois anos passados desde que o presidente Donald Trump perdeu sua tentativa de se reeleger, teorias conspiratórias vêm sujeitando autoridades e empresas privadas que exercem um papel importante em eleições a um ataque coordenado de denúncias esdrúxulas de fraude eleitoral.

Mas os ataques à Konnech demonstram como os negacionistas de extrema direita também vêm prestando mais atenção a empresas e grupos novos e mais secundários. Suas denúncias frequentemente encontram uma plateia receptiva online. Essa plateia então utiliza as afirmações para questionar a integridade das eleições americanas.

Diferentemente de outras firmas de tecnologia eleitoral visadas por negadores das eleições, a Konnech, firma sediada no Michigan que tem 21 funcionários nos EUA e seis na Austrália, não tem nada a ver com a coleta, contagem ou notificação de cédulas de voto nas eleições americanas. O que ela faz é ajudar clientes como o Condado de Los Angeles e o Condado Allen, em Indiana, com logística eleitoral básica, como por exemplo organizar os horários de trabalho dos mesários.

A Konnech disse que nenhuma das acusações tinha fundamento. Disse que todos os dados para seus clientes nos EUA estão armazenados em servidores no país e que não tem vínculos com o governo chinês.

Mas as alegações tiveram consequências para a firma. O fundador e CEO da Konnech, Eugene Yu, é um cidadão americano que migrou da China em 1986. Depois de receber mensagens ameaçadoras, ele se escondeu com sua família.

Depois de internautas postarem informações online sobre a sede da Konnech, incluindo o número de carros no estacionamento da empresa, outros funcionários também temeram por sua integridade física e começaram a trabalhar à distância. "Chorei", escreveu Yu num email.

A empresa disse que o calvário pelo qual passou a forçou a submeter-se a auditorias caras e pode colocar negócios futuros em risco. Para ajudá-la a lidar com a situação, a Konnech contratou a Reputation Architects, firma de relações públicas e gestão de crises.

A Konnech é um alvo novo, mas as pessoas que levantaram as dúvidas em relação a ela incluem algumas que já são notórias por divulgar mentiras eleitorais.

A conferência recente nos arredores de Phoenix foi organizada pela organização sem fins lucrativos True the Vote, fundada pela conhecida negacionista Catherine Engelbrecht. Ao seu lado no palco estava Gregg Phillips, também um disseminador de teorias conspiratórias sobre fraude eleitoral que frequentemente trabalha com a entidade.

Engelbrecht e Phillips ficaram notórios este ano depois de aparecer em "2000 Mules", documentário amplamente desmentido que alega que um misterioso exército de agentes teria influenciado a eleição presidencial americana de 2020.

Na conferência e em lives, os dois disseram que já haviam investigado a Konnech no início de 2021. Disseram que a equipe da True the Vote acabou ganhando acesso ao banco de dados da Konnech, adivinhando a senha, que era "password" (senha), segundo relatos online de pessoas que assistiram à conferência. Depois de penetrar o banco de dados, eles disseram à plateia, a equipe baixou dados pessoais sobre 1,8 milhão de mesários e outros funcionários eleitorais.

Os dois disseram que notificaram o FBI de sua descoberta. Segundo eles, agentes do FBI teriam investigado sua alegação rapidamente e então se voltado contra a True the Vote e perguntado se ela havia roubado os dados.

A assessoria de imprensa do FBI disse que a agência "não comenta sobre denúncias ou informações que podemos ou não receber do público".

Em comunicado à imprensa, a Konnech disse que a alegação da True the Vote de ter tido acesso a um banco de dados de 1,8 milhão de funcionários eleitorais é impossível porque, entre outras razões, a empresa tinha dados sobre menos de 240 mil funcionários na época. E os dados relativos a esses funcionários não são guardados em um único banco de dados.

A empresa disse que não detectou nenhum acesso irregular aos dados, mas se negou a dar detalhes sobre sua tecnologia, citando questões de segurança.

A Konnech foi proprietária no passado da subsidiária chinesa Jinhua Yulian Network Technology, onde programadores desenvolviam e testavam softwares. Mas a empresa disse que seus funcionários na Jinhua sempre utilizaram dados "dados genéricos ‘fictícios’ criados especificamente para serem usados em testes". A Konnech fechou a subsidiária em 2021 e não tem mais funcionários na China.

No mês passado a Konnech moveu uma ação contra a True the Vote, acusando-a de difamação, violação da Lei federal de Fraude e Abuso Digital, roubo e outras acusações.

O juiz concedeu o pedido feito pela Konnech de um mandado emergencial temporário de restrições contra a ONG, escrevendo que a empresa enfrenta "prejuízo irreparável" e que existe o risco de a True the Vote destruir evidências. O mandado também exigiu que a ONG explicasse como teria supostamente acessado os dados da empresa.

A True the Vote, Engelbrecht e Phillips disseram que não podiam dar declarações em função do mandado restritivo contra eles.

Eugene Yu, chief executive of the election software company Konnech, on Sept. 27, 2022. Threatening messages forced Yu and his family into hiding. (Emily Elconin/The New York Times)
Eugene Yu, chefe-executivo da empresa de softwares eleitorais Konnech, posa para foto - Emily Elconin - 27.set.22/The New York Times

A ação judicial não desanimou as pessoas que acreditam na teoria conspiratória e continuaram a atacar a Konnech. Segundo Yu, alguns funcionários deixaram a empresa, citando o estresse provocado pela crise. As saídas deles aumentaram a carga de trabalho dos profissionais restantes, faltando poucas semanas para as eleições de meio de mandato, em novembro.

No ano passado, quando a True the Vote inundou os clientes da Konnech com pedidos de informação, Yu mandou um email a Engelbrecht oferecendo sua ajuda. A ONG divulgou essa troca de emails, incluindo o telefone e endereço de email de Yu, além de uma série de outros documentos ligados à empresa. Isso proporcionou aos disseminadores das teorias uma maneira fácil de atacá-lo com mensagens ameaçadoras. Hoje Yu diz que foi ingênuo por ter mandado aquele email.

"Quando pesquisamos mais a fundo quem eles eram, ficou cada vez mais claro que eles não tinham interesse na verdade", disse. "Para eles, a verdade é inconveniente."

Tradução de Clara Allain

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