Candidato que sofreu derrame na campanha é esperança democrata para manter o Senado dos EUA

Estado de saúde de John Fetterman, casado com brasileira engajada na disputa, virou tema da corrida na Pensilvânia

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Filadélfia (Pensilvânia)

Fazia quatro dias que o marido da brasileira Gisele Barreto Fetterman estava internado em um hospital na Pensilvânia após sofrer um derrame quando ela recebeu a notícia de que os eleitores do Partido Democrata o escolheram como candidato da legenda nas primárias ao Senado dos EUA.

"Eu estava dormindo havia dias no hospital. Precisei correr para casa, tomar um banho e aceitar a indicação. Foi muito estranho", diz a mulher de John Fetterman, vice-governador do estado, à Folha.

Ela, porém, teve jogo de cintura. Em Pittsburgh, no dia 17 de maio, foi aplaudida no discurso de agradecimento, arrancou risos da plateia e defendeu as bandeiras progressistas do marido.

O que Gisele não sabia naquele momento é que a saúde de Fetterman se tornaria o principal tema da disputa, talvez a mais crucial das eleições legislativas que ocorrerão na terça (8), as chamadas midterms.

A brasileira Gisele Fetterman, esposa do candidato ao Senado pela Pensilvânia John Fetterman (em primeiro plano), conversa com apoiadores na Filadélfia
A brasileira Gisele Fetterman, esposa do candidato ao Senado pela Pensilvânia John Fetterman (em primeiro plano), conversa com apoiadores na Filadélfia - Alex Wong - 29.out.22/Getty Images/AFP

A avaliação ruim do governo do presidente Joe Biden ameaça o controle que os democratas têm no Congresso americano, e Fetterman é uma das maiores apostas para manter a frágil maioria no Senado.

Hoje o Senado está dividido igualmente, com 50 cadeiras para os republicanos e 50 para os democratas —segundo as regras locais, a vice-presidente comanda o Senado, então Kamala Harris tem o poder de desempatar as disputas a favor do partido do presidente. As pesquisas apontam que a margem na Casa seguirá apertada na próxima legislatura, com maioria pendendo para os republicanos.

Na Câmara, os levantamentos indicam que os republicanos devem controlar a Casa.

Fetterman concorre com o candidato pelo Partido Republicano Mehmet Oz, um médico e celebridade da TV apoiado pelo ex-presidente Donald Trump. A disputa é tão importante para os democratas porque pode tomar o assento hoje ocupado por um senador republicano, Pat Toomey, que decidiu se aposentar.

O que preocupa, porém, é que Fetterman começou a corrida com larga vantagem sobre o rival, chegando a abrir 12 pontos de diferença nas pesquisas, e a curva vem se estreitando até apontar empate na margem de erro, segundo o agregador de pesquisas do site FiveThirtyEight, especializado em estatísticas.

Assim, o estado se tornou o principal campo de batalha das midterms neste ano, e, por isso, os democratas têm concentrado esforços e mobilizado do ex-presidente Barack Obama a Biden na corrida. Um estado-pêndulo, em que os eleitores não têm predileção estabelecida por democratas ou republicanos e podem mudar de posição a cada eleição, a Pensilvânia foi essencial na vitória do presidente em 2020.

Essa mobilização não conseguiu mudar o grande assunto da eleição, que passou ao largo das propostas do país, do currículo dos candidatos ou da divergência de ideologias. O principal tema da corrida é o estado de saúde de Fetterman, que ainda não se recuperou completamente do derrame.

Aos 53 anos, o democrata é uma figura curiosa, que destoa do padrão dos senadores que, caso eleito, encontrará no Capitólio. Com mais de dois metros de altura, cavanhaque proeminente e muitas tatuagens, costuma participar de agendas públicas vestindo blusa de moletom e, às vezes, bermuda.

Antes de se eleger vice-governador da Pensilvânia, em 2018, foi prefeito de Braddock, distrito de Pittsburgh com menos de 2.000 habitantes, de 2006 a 2019. Na sua agenda estão pautas como a defesa da liberação do aborto, a legalização da maconha, a defesa da saúde pública e dos direitos de imigrantes.

Após o derrame, ele reduziu drasticamente as aparições públicas e se recusou a fornecer relatórios detalhados de seu estado de saúde, embora seu médico dissesse que ele estava em condições de disputar a eleição. Os eleitores só puderam tirar a prova no único debate do qual ele aceitou participar, no fim de outubro, quando ficou frente a frente com o adversário, conhecido como Dr. Oz.

Filho de imigrantes turcos, Oz, 62, ficou mais famoso por apresentar "The Dr. Oz Show", programa de sucesso com dicas de saúde e bem-estar exibido de 2009 até janeiro deste ano. Conservador e trumpista, pesa contra ele a pouca identificação com a Pensilvânia —ele vive em Nova Jersey. Entre suas propostas estão a redução de gastos do governo, o aumento do controle das fronteiras e a proibição do aborto.

No debate, realizado no último dia 25, Fetterman abriu o encontro falando sobre sua condição de saúde e usou o tema para atacar o adversário. "Tive um derrame, ele [Oz] nunca me deixou esquecer isso. Posso me confundir com algumas palavras durante este debate, misturar palavras", alertou —e foi o que ocorreu.

No dia seguinte, as interpretações variaram segundo a orientação política —democratas viram o debate como uma mostra de dignidade do democrata diante dos eleitores, e republicanos classificaram a performance de prova de que ele não tem condições de disputar o cargo.

À Folha Gisele afirma que o marido "está ótimo, a cada dia mais forte, viaja o estado inteiro fazendo campanha e discursos para milhares de pessoas". "Ele teve uma emergência de saúde, como milhões de americanos têm. A diferença é que a minha família teve que passar por esse momento superdifícil completamente em público, sem tempo nem espaço para ele se cuidar."

Nascida no Rio de Janeiro, Gisele, 40, imigrou para os EUA ainda criança com a mãe e se tornou ativista pelos direitos de imigrantes que entram no país de maneira irregular, como ela. Casou-se em 2008 com Fetterman, com quem tem três filhos, quando ele era prefeito. Hoje, é uma figura de destaque, com um séquito de fãs nas redes sociais que pedem que ela se candidate.

Ela despista, diz que nunca foi da política —embora seu pai tenha se candidatado uma série de vezes no Rio de Janeiro, todas sem sucesso. "Tenho foto de recém-nascida com camiseta da campanha dele. Mas política não é para mim. Caí nessa de novo quase sem querer, é engraçado como as coisas acontecem."

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