França esbraveja com Itália por recusar imigrantes e estremece laços diplomáticos

Governo da ultradireitista Giorgia Meloni impediu embarcação com 234 passageiros de atracar em seu território

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Paris | AFP e Reuters

A recusa da Itália em receber um navio com imigrantes a bordo provocou uma rusga diplomática com a França, porque a embarcação, que levava mais de 200 pessoas resgatadas por uma ONG, acabou rumando para o porto militar de Toulon depois de ficar dias à deriva na costa italiana, impedido de atracar.

A atitude de Roma —que acaba de eleger uma primeira-ministra anti-imigração, a ultradireitista Giorgia Meloni— foi classificada de "egoísta" e "incompreensível" por Paris. "Não há dúvidas de que o barco estava na zona de busca e resgate italiana. A França lamenta profundamente que a Itália tenha optado por não se comportar como um Estado europeu responsável", disse o ministro do Interior francês, Gerald Darmanin, acrescentando que o incidente trará "consequências sérias para a relação bilateral".

Imigrantes resgatados pela ONG SOS Mediterrâneo no barco Ocean Viking, que ficou à deriva na costa da Itália por dias a fio
Imigrantes resgatados pela ONG SOS Mediterrâneo no barco Ocean Viking, que ficou à deriva na costa da Itália por dias a fio - Vincenzo Circosta - 6.nov.22/AFP

Uma delas já foi antecipada —o governo de Emmanuel Macron retirou a oferta de acolher 3.000 imigrantes recém-chegados à Itália e promoverá um reforço dos controles de fronteira entre as duas nações.

A questão da imigração dentro das fronteiras da União Europeia, bloco baseado no livre trânsito de pessoas, entre outros princípios, tem sido fonte de tensão entre seus países-membros por anos. Mas a crítica dura e aberta da França à Itália manifestada por Darmanin nesta quinta-feira é incomum.

Paris insiste que, segundo as leis do direito marítimo internacional, Roma deveria ter permitido que o barco atracasse em um de seus portos. As autoridades italianas, por sua vez, demandam que outros integrantes da UE dividam com o país, uma das maiores portas de entrada do continente a refugiados que vêm do norte da África por via marítima, a responsabilidade de acolhê-los.

O barco recusado pela Itália, o Ocean Viking, carregava 234 pessoas, 57 das quais crianças. A França, que a princípio tinha permitido apenas o desembarque de três imigrantes que necessitavam de atendimento médico urgente e de um acompanhante, cedeu e abrigará cerca de um terço deles. A Alemanha receberá o outro terço, e o restante dos imigrantes será dividido entre outros países europeus.

"Recebemos este navio excepcionalmente, tendo em conta os 15 dias de espera no mar que as autoridades italianas impuseram aos passageiros", disse Darmanin, o ministro francês.

Segundo a ONG SOS Mediterrâneo, que opera o navio, um dos passageiros apresentava uma situação instável e não reagia a tratamentos médicos desde 27 de outubro, enquanto os outros estavam feridos desde que saíram da Líbia e corriam o risco de ter problemas de saúde a longo prazo devido à espera. A organização disse que atracar a embarcação em Toulon representou um "alívio amargo".

O Ocean Viking integrava um comboio de embarcações de resgate que tinha pedido para atracar na Itália havia pelo menos duas semanas —ele transportava um total de quase mil passageiros. O governo permitiu que dois dos navios desembarcassem na terça-feira em Catânia, na Sicília, e um terceiro, menor, ganhou permissão para atracar no porto de Reggio Calábria, também no sul. Só o Ocean Viking foi recusado.

Depois do anúncio da França de que acolheria os passageiros do barco, a diretora-adjunta da SOS Mediterrâneo, Fabienne Lassale, instou as nações europeias a coordenarem melhor seus esforços e pararem de politizar a questão da imigração.

O governo de Meloni tem ameaçado multar navios de resgate em sua costa, caracterizando-os como táxis para os que desejam uma vida melhor na Europa. Enquanto isso, na França, a administração centrista de Macron tem sido cada vez mais pressionada a endurecer medidas contra a imigração, com o partido de ultradireita Reunião Nacional (RN) se fortalecendo no Congresso.

Os conservadores, aliás, logo reagiram ao anúncio do ministro do Interior. Marine Le Pen, do RN, postou no Twitter que a decisão enviava um dramático "sinal de frouxidão" por parte de Macron. "Ele não vai convencer ninguém de que quer acabar com a imigração massiva e anárquica assim", escreveu.

Na Itália, as críticas ao governo francês foram endossadas pelo ministro do Interior, Matteo Piantedosi. "A reação da França ao pedido para receber os 234 imigrantes do Ocean Viking é totalmente incompreensível, especialmente porque a Itália recebeu 90 mil [imigrantes] este ano", disse.

O governo italiano vem reiterando nos últimos meses que outros países da União Europeia acolham os imigrantes que o país não quer receber. Apenas 164 dos quase 90 mil citados por Piantedosi foram realocados para outros países do bloco, segundo as Nações Unidas.

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