Nas últimas décadas, membros da realeza em todo o mundo têm abdicado de seus papéis oficiais devido a escândalos e brigas familiares ou para se casar com plebeus ou divorciados. Nesta semana, uma princesa norueguesa deixou seus deveres reais em razão de seu amor por um xamã moderno.
A princesa Martha Louise, 51, filha do rei Haroldo e da rainha Sonja da Noruega, ficou noiva em junho do americano Durek Verrett, um xamã (espécie de curandeiro) de celebridades e inventor do "Otimizador de Espírito" –amuleto supostamente curativo que ele vende em seu site por US$ 222 (cerca de R$ 1.200).
Desde o noivado, a mídia e a população norueguesas concentraram a atenção em Verrett, criticando-o por dizer que usou o amuleto para combater o coronavírus, por ter sugerido que o câncer era uma opção e que ele era uma "espécie híbrida de reptiliano".
"Sempre que uma pessoa da família real fica noiva, isso cria tempestades na mídia. Assim como desta vez", disse Martha Louise em vídeo no Instagram nesta semana. Após as recentes "discussões na mídia", acrescentou, Verrett e a família real fizeram "ajustes", incluindo o de ela abandonar os deveres oficiais.
A partir de agora, a princesa e Verrett "procuram distinguir mais claramente suas atividades da Casa Real da Noruega", disse a família real em comunicado, no qual agradeceu a ela por ter desempenhado suas funções "com carinho, cuidado e profundo compromisso". Martha Louise manterá seu título, mas o casal "não indicará uma associação com a Casa Real da Noruega nas redes sociais".
Martha Louise disse que a decisão foi amigável, e o rei Haroldo afirmou em entrevista na TV que ele e Verrett "concordam em discordar". O interesse de Martha Louise por tratamentos alternativos e suas alegações de clarividência são muito anteriores ao relacionamento com Verrett. Desde criança, disse a princesa no site de um centro espiritual que cofundou, ela "via" os sentimentos das pessoas e através de sua comunicação com cavalos e outros animais também começou a falar com anjos.
Suas interações celestiais a levaram há 15 anos a cofundar o centro, cujos alunos são incentivados a encontrar sua "fonte interior de verdade" e fazer contato "com anjos e o universo divino". Em um workshop televisivo, ela instruiu os participantes: "Pergunte ao anjo da guarda se há algo que ele queira lhe dizer".
A afinidade da princesa com o sobrenatural causa incredulidade na Noruega há mais de uma década. Segundo pesquisa de 2012, enquanto 15% da população norueguesa acreditava que Martha Louise se comunicava com anjos e mortos, 47% achavam que suas práticas tinham efeito negativo na família real.
Sua habilidade menos popular, segundo as pesquisas, era o contato com os mortos, o que ela afirmou que podia fazer em entrevistas à mídia por volta de 2010.
Um dos clarividentes mais famosos da Noruega à época, "o homem de Snasa", disse ao norueguês VG que não era possível falar com mortos, e o bispo da diocese de Bjorgvin, no oeste do país, chamou algumas de suas atividades mediúnicas de "altamente censuráveis". Outro bispo disse que havia uma linha divisória entre falar com anjos e falar com mortos e advertiu que a princesa não deveria ultrapassá-la.
Mas com o fascínio por fantasmas e espíritos que surgiu no país, ela teve adeptos entre curandeiros e coaches. Até sua mãe, a rainha, defendeu publicamente suas habilidades, comparando-a a bruxas que foram queimadas na fogueira porque achavam que a Terra era redonda. Mas as críticas que se seguiram ao noivado de Martha Louise com Verrett foram aparentemente demais para o casal e a família real.
O casal se conheceu em Los Angeles em 2018, onde Verrett morava, disse a empresária de Martha Louise, Carina Scheele, em mensagem de texto. Nos EUA, o xamã tinha seguidores conspícuos e clientes e amigos famosos, incluindo a atriz Gwyneth Paltrow, que ele chamava de "minha família". Em 2019, a princesa convidou Verrett para ir à Noruega acompanhá-la em uma turnê chamada "A Princesa e o Xamã".
Mas na Noruega o xamã foi condenado por espalhar crenças não científicas, acusações que o casal rejeitou amplamente como forma de racismo contra Verrett, que é negro. Uma postagem no Instagram anterior ao noivado, na qual Verrett se definia como uma "espécie híbrida de réptil e Andrômeda" que veio para "abalar o sistema", foi apagada, mas o principal jornal norueguês publicou prints de tela.
Verrett disse que acredita na medicina convencional porque foi salvo por ela. Mas também prega os benefícios da medicina alternativa. Em seu livro de 2019, "Spirit Hacking" (modificando o espírito), Verrett escreveu que percorreu hospitais e perguntou a pacientes com câncer, incluindo crianças, "por que você quer esse câncer?" e citou problemas de relacionamento como causas potenciais.
Ele acrescentou que os médicos talvez prescrevam quimioterapia porque recebem um "grande cheque" dos fabricantes de medicamentos. Quando pegou Covid, segundo disse num vídeo no Instagram, buscou um motivo e descobriu que era "viciado em trabalho" e "constantemente disponível para as pessoas".
Disse que percebeu que precisava ter tempo para fazer seu trabalho de respiração e ouvir os ancestrais e que havia usado seu amuleto branco "trazedor de luz" para "retirar os venenos do meu sistema".
O jornal norueguês Nettavisen contratou cientistas de Oslo para examinar os amuletos de Verrett, e Sverre M. Selbach, professor que analisou os resultados, disse que eles consistiam principalmente de plástico, com apenas um corante diferenciando o "Trazedor de Luz" da "Antiga Verdade".
A jornalista norueguesa Ingeborg Senneset chamou os amuletos de "belas farsas" em um post no Facebook e disse que o nome da princesa não deveria ser usado em colaboração comercial com alguém que promove ideias não científicas. No vídeo do Instagram em que Martha Louise anunciou sua renúncia, ela disse que deixaria de patrocinar várias organizações e esclareceu que acredita em tratamentos de saúde cientificamente comprovados. Mas "acupuntura, ioga, meditação, cristais também podem ajudar".
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