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Nova adaptação de 'Nada de Novo no Front' lembra nojo que humanidade desperta

Com fotografia astuta, filme do alemão Edward Berger retrata conflito de trincheiras na Primeira Guerra

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São Paulo

Por onde quer que se faça um balanço, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi uma imensa estupidez, com seus 17 milhões de mortos, entre civis e militares. No meio deles, 3 milhões de fardados tombaram na frente leste, que ficava na parte de cima do mapa da França, com trincheiras que ao longo de quatro anos pouco se mexeram. Por lá, alemães matavam franceses, e franceses matavam alemães.

A guerra foi o confronto entre nacionalismos toscos, sem o conteúdo mais épico e ideológico do conflito mundial seguinte, em que a prioridade foi acabar com o totalitarismo nazista. A irracionalidade da Primeira Guerra se tornou um bom motivo para a reemergência do pacifismo.

Cena do filme alemão 'Nada de Novo no Front'
Cena do filme alemão 'Nada de Novo no Front' - Divulgação

Ele surgiu da política partidária à literatura, com a atuação de poetas e escritores como o francês Guillaume Apollinaire, o americano Ernest Hemingway e o britânico J. R. R. Tolkien ("O Senhor dos Anéis"). Bem mais engajados no pacifismo foram os romancistas alemães Ernst Jünger ("Tempestades de Aço") e o autor que aqui nos interessa, Erich Maria Remarque, que em 1929 publicou "Nada de Novo no Front".

Pois foi justamente a terceira adaptação desse texto que a Mostra de Cinema de São Paulo exibiu e a Netflix lançou no streaming. Trata-se de um excelente filme do alemão Edward Berger. As adaptações anteriores foram americanas e tiveram a direção de Lewis Milestone (1930) e Delbert Mann (1979).

Mas qualquer direção cênica seria eclipsada pelo próprio Remarque, personagem que resistiu a Hitler –ele se exilou nos EUA– e aderiu àquilo que no início do século passado era considerado vaidade ou dandismo.

Dois exemplos em sua rica vida sentimental. Ele foi por três anos o fiel namorado de Marlene Dietrich, símbolo sexual da Alemanha a Hollywood, e se casou, e ao lado dela morreu, em 1970, com uma atriz chamada Marion Levy, conhecida como Paulette Goddard. Ela mesma, a ex-mulher de Charlie Chaplin.

Mas vejamos "Nada de Novo no Front", cujo título reflete a conquista territorial quase inexistente nesse exemplo estático de guerra de trincheira. Só não era uma guerra monótona em razão da quantidade industrial de cadáveres que produzia. Nesse cenário insalubre surge Paul Baümer, 19, cujo espírito havia sido insuflado por um professor, para o qual o patriotismo consistia em acabar com a ameaça bélica dos vizinhos franceses. Mas a guerra como forma de expressão desse sentimento é um perigoso tédio.

É o que o filme retrata em mais de duas horas de duração. O consenso de que era preciso pôr fim à carnificina está presente na delegação militar alemã que negocia o armistício em novembro de 1919. Diante dela, uma delegação francesa prepotente e circunstancialmente vitoriosa, chefiada pelo marechal Ferdinand Foch, o último comandante das forças aliadas naquele conflito.

Enquanto isso, os soldados ao redor de Baümer morrem como moscas, sem nenhum projeto de grandeza, como ocorreu com Katczinsky, o único personagem mais velho do grupo, morto por um tiro de espingarda do filho de um camponês de quem ele furtara um ovo. Ou então Albert Kropp, o mais inteligente dos jovens no texto do romance, atingido por um projétil na undécima hora da guerra.

A guerra também é imunda por recorrer, como aconteceu de verdade, às armas químicas. Os soldados carregam na mochila, como antídoto, máscaras de oxigênio. Um grupo de 40 uniformizados, mesmo assim, é cercado pelo inimigo e perece devido ao gás. Os defuntos estão espalhados como se fossem animais, pelo chão de terra de uma granja suja e escura.

O filme é astuto em termos de fotografia. Foi rodado a cores, mas todas as cenas tendem para o cinza, do céu cronicamente nublado do inverno francês à ausência cromática nas trincheiras, onde os soldados se alimentam ou manipulam armas com uma crosta de barro ressequido na pele do rosto. Os humanos, se é que podem assim ser chamados, despertam nojo. E a própria guerra incolor é exemplarmente nojenta.

NADA DE NOVO NO FRONT

  • Onde Netflix
  • Elenco Felix Kammerer, Albrecht Shuch, Aaron Hilmer, Daniel Brühl
  • Produção Alemanha, 2022
  • Direção Edward Berger
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