Atirador mata ao menos 3 em Paris, e polícia investiga motivação racista

Agressor detido tem 69 anos e, segundo autoridades, tinha membros da comunidade curda como alvos

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Paris | AFP e Reuters

Um homem matou ao menos três pessoas e feriu outras três em um ataque ocorrido em um centro cultural curdo em Paris nesta sexta-feira (23). O suspeito, que tem 69 anos e é cidadão francês, já está sob a custódia da polícia e foi encaminhado para um interrogatório.

Os três mortos eram militantes curdos —povo descendente da Pérsia antiga que luta há décadas pela criação de um Estado próprio no Oriente Médio e hoje representa a maior nação apátrida do mundo. Eles foram alvejados no interior e em frente ao centro cultural, chamado Ahmet-Kaya.

Policiais e bombeiros franceses bloqueiam rua no centro de Paris onde ocorreu tiroteio que matou ao menos duas pessoas - Juliette Jabkhiro/Reuters

Ao se pronunciar sobre o caso ao Le Monde, a porta-voz do Ahmet Kaya, Agit Polat, remeteu o episódio ao assassinato de outras três ativistas curdas em Paris, em 2013. "Mais uma vez, as autoridades francesas falharam em nos proteger. Para nós, este é um ataque terrorista. Ele faz parte do clima de tensão mantido intencionalmente pela Turquia", declarou, referindo-se às reiteradas ofensivas que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, vem realizando sobre as bases curdas do norte da Síria e do Iraque.

Em novembro, seu governo atribuiu ao Partido dos Trabalhadores Kurdos (PKK) um atentado a bomba em Istambul que deixou seis mortos. Tanto o PKK quanto a YPG, milícia curda que Erdogan considera uma extensão do partido, negaram qualquer envolvimento na ação.

De acordo com a emissora BFM, o gabinete antiterrorismo da Promotoria parisiense aguarda a realização de uma primeira audiência judicial para determinar se assumirá o caso.

A chefe do órgão, Laure Beccuau, disse que avalia a possibilidade de que o crime tenha sido motivado por racismo. O suspeito, identificado como William M., havia sido condenado em primeira instância por "violência racista", entre outras acusações, após destruir com um sabre várias tendas de um campo de refugiados em dezembro de 2021. Dois sudaneses foram feridos na ocasião.

Segundo a promotora, William continuava em prisão preventiva pela infração até dez dias atrás, quando seus advogados apelaram a uma instância superior e ele foi solto. William também teve passagem pela polícia em 2016, quando esfaqueou um ladrão que tentou roubá-lo.

O Ministério Público de Paris abriu uma investigação por homicídio, tentativa de homicídio, violência intencional com armas e violação da legislação sobre armas. As investigações foram confiadas à polícia judiciária.

O ataque desta sexta ocorreu na rua d'Enghien, no 10º arrondissement de Paris, pouco antes das 12h do horário local (8h em Brasília). Segundo a prefeita do distrito, Alexandra Cordebard, o agressor a princípio invadiu o centro comunitário curdo, seguiu para um restaurante do outro lado da rua e, depois, para um salão de cabeleireiro.

Foi então levado para o hospital em estado de "relativa emergência" após os crimes. Na unidade, profissionais avaliaram que ele não tinha ferimentos graves, e William foi levado para interrogatório.

Um morador, Emmanuel Boujenan, contou à AFP que o suspeito foi preso no salão. "As pessoas entraram em pânico, chamando a polícia aos gritos e afirmando: 'ele está ali, ele está ali, entrem'", disse, acrescentando ter visto duas pessoas no chão do estabelecimento com feridas nas pernas.

Os tiros causaram pânico em moradores do bairro, uma zona movimentada, em que há muitas lojas, bares e restaurantes —um comerciante local afirmou à AFP ter ouvido sete ou oito disparos.

A princípio, a polícia interditou a área e pediu que a população evitasse transitar por ali. Horas mais tarde, porém, membros da comunidade curda usaram o espaço ao redor do cordão de isolamento para protestar aos gritos de "Erdogan assassino".

Houve confronto com a polícia antes de o Ministro do Interior, Gérald Darmanin, chegar ao local. Lá, ele afirmou que o governo francês pediu que a polícia reforce a segurança em locais de encontro da comunidade curda. Disse ainda que os indícios são de que o atirador agiu de maneira independente, mas que, claramente, tinha estrangeiros como alvos.

Manifestantes entram em confronto com a polícia em protesto após morte de três membros da comunidade curda - Sarah Meyssonnier/Reuters

"Os curdos da França foram alvo de um ataque hediondo no coração de Paris", escreveu o presidente Emmanuel Macron no Twitter. "Pensamentos para as vítimas, para as pessoas que lutam para sobreviver, para suas famílias e entes queridos. Reconhecimento aos nossos policiais por sua coragem e compostura."

O chanceler alemão, Olaf Scholz, também condenou o ataque, que qualificou de "terrível". O secretário de Estado americano, Antony Blinken, ofereceu condolências. "Meus pensamentos estão com os membros da comunidade curda e com o povo da França neste dia triste", disse.

Segundo o jornal Le Figaro, um tumulto se formou ao redor do cordão de isolamento, e enquanto parte dos pedestres pedia informação às autoridades, outra insistia em circular ao redor da região interditada.

A polícia ainda não se pronunciou acerca do tipo de arma usada pelo suspeito ou se ela tinha registro legal. A legislação francesa a respeito de porte de armas é considerada uma das mais estritas da Europa —apenas aqueles que desejam praticar tiro como um esporte e determinados indivíduos podem requerer uma licença.

O processo de requisição inclui uma avaliação psicológica, e as armas precisam ficar trancadas, com a munição longe do local em que são armazenadas. Mesmo assim, o Estado tem enfrentado problemas com o crescimento de armas de fogo de possessão ilegal.

Um relatório do Serviço Estatístico do Ministério de Segurança Interna (SSMSI) francês divulgado no início deste ano mostrou que, em 2021, houve um aumento de 13% nos crimes e delitos racistas, xenofóbicos, e antirreligiosos reportados à polícia em relação à 2019. O perfil mais comum entre as vítimas é de homens de 25 a 54 anos, a maior parte deles imigrantes africanos.

O governo adverte, porém, que a questão é provavelmente muito mais profunda, uma vez que a maioria das vítimas tende a não registrar ocorrências do tipo oficialmente.

Erramos: o texto foi alterado

Alexandra ​Cordebard não é prefeita de Paris como afirmava incorretamente versão anterior do texto. Ela administra o 10º arrondissement da capital francesa.

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