Brasil é país com menos mulheres na chefia do setor público na América Latina

Trinidad e Tobago e Costa Rica estão na liderança regional; quanto mais altos os cargos, menor é a representatividade

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São Paulo

A pressão para que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estabeleça um governo com maior representatividade feminina não é sem motivo: o Brasil amarga o posto de país com menos mulheres em cargos de liderança no setor público na América Latina e no Caribe.

Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) revela que mulheres são apenas 18,6% dos líderes em 12 áreas da administração pública no país, de saúde a economia —a cifra é a menor do ranking com outras 15 nações da região.

Lula anunciou nesta quinta-feira (22) mais 16 ministros que comporão uma parcela de seus 37 ministérios e apresentou os primeiros nomes de mulheres que chefiarão pastas. Elas, porém, seguem sendo minoria: são apenas seis dos 21 ministros anunciados até aqui.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado dos nomeados Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Anielle Franco (Igualdade Racial) e Margareth Menezes (Cultura) durante evento em Brasília - Ueslei Marcelino - 22.dez.22/Reuters

Realizado de dezembro de 2021 a março deste ano, o levantamento do BID coletou informações sobre quatro diferentes níveis de hierarquia no setor público regional. O nome dos cargos muda de acordo com o país —no Brasil, por exemplo, seriam ministros, secretários especiais, secretários adjuntos e subsecretários assistentes.

Em média, mulheres são 41,4% dos cargos de liderança na região, ainda que representem mais da metade da força de trabalho geral. A situação piora de acordo com o nível de hierarquia: elas são 23,6% dos cargos de nível 1, equivalentes a um ministro, enquanto representam 44,2% dos de nível 4, semelhantes a um diretor.

Essa segregação vertical, como nomeada no estudo, também se replica no Brasil. O material indica que é nula a representatividade feminina nos cargos de nível 1. Nos demais, a presença de mulheres nunca supera 25%: nível 2 (9,1%), nível 3 (22,1%) e nível 4 (19,3%).

O caribenho Trinidad e Tobago, com cerca de 1,5 milhão de habitantes, é o líder regional, com 68,8% dos cargos de liderança na administração pública preenchidos por mulheres. É, ainda, o único país ao lado de Honduras com uma mulher como chefe de Estado —com as presidentes Paula-Mae Weekes e Xiomara Castro, respectivamente.

Os dados, claro, representam uma fotografia do momento. Um país pode ampliar sua porcentagem, ou diminuí-la, à medida que ingressa no poder um governante com maior disposição e capital político para alçar mulheres a altos cargos, ou, então, quando são sancionadas leis que estabelecem cotas de gênero no setor público.

A cientista política argentina Mariana Chudnovsky, uma das autoras do material, diz que as conclusões foram frustrantes até para a equipe de pesquisadores. "Houve avanços, há mais mulheres no setor púbico, mas essa representação formal segue em postos feminizados e nas áreas consideradas como ligadas ao papel da mulher na sociedade."

Chudnovsky se refere ao fato de que mulheres estão melhor representadas na liderança de áreas associadas a estereótipos de gênero, como saúde e educação, e sub-representadas em setores onde tradicionalmente homens estão na chefia, como finanças e defesa —dinâmica que o estudo do BID nomeia como segregação horizontal.

Aos dados: as pastas de desenvolvimento social, educação e saúde são as que mais têm mulheres no topo, com, respectivamente, 56,6%, 46,6% e 44%. Já as áreas de economia e defesa ficam em último, com 31,3% e 26,5%.

Uma das possíveis soluções apresentadas no estudo é a implementação de cotas. Colômbia, Haiti e Panamá são os únicos países estudados onde há um sistema de ações afirmativas para o setor público. Mas isso não é suficiente se mulheres não acessarem cargos de lideranças e se políticas de igualdade de gênero não forem espraiadas.

"Cotas são necessárias, são um mecanismo educativo. Mas sempre foram pensadas como medidas transitórias. Fica pouco claro como elas melhoram políticas públicas e o status das mulheres que trabalham nesses locais", diz Chudnovsky. "As medidas de fato transformadoras, de perspectiva de gênero, muitas vezes ficam escanteadas."

O material do BID, que recentemente passou a ser presidido por um brasileiro, o ex-chefe do Banco Central Ilan Goldfajn, também manifesta uma defesa, baseada em pesquisas teóricas, sobre a importância da paridade de gênero na administração pública. O estudo afirma que estruturas burocráticas representativas têm vantagens.

Segundo o documento, há correlação positiva entre mais mulheres em cargos públicos e maiores níveis de crescimento econômico, igualdade e investimentos em educação, saúde e proteção ambiental. Há ainda impacto positivo na diminuição de níveis de corrupção.

Mas o material logo acrescenta: "Para que promova igualdade de gênero na concepção e implementação de políticas, essa representação numérica deve ter influência significativa nos cargos de liderança. Sem participação nas tomadas de decisão, as suposições de como a presença de mulheres leva a uma sociedade mais justa são deturpadas pela 'caixa preta' do setor público."

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