Descrição de chapéu The New York Times

Médico vira réu em processo de suborno e desaparece no mar nos EUA

Marvin Moy também tinha passado por divórcio que durou anos; seu corpo nunca foi encontrado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Michael Wilson

O médico tirou seu barco, o Sure Shot, de seu ancoradouro em Long Island, em Nova York, no final de uma manhã em outubro, e o conduziu até o oceano Atlântico, na direção de onde o atum estava mordendo e para longe de um mundo de problemas crescentes.

O doutor Marvin Moy, médico em Manhattan, era presença regular no Center Yacht Club. Alguns sócios que chegavam da cidade eram vistos como forasteiros, mas Moy se movia com facilidade nesse mundo.

A baía Moriches, em Long Island, estado de Nova York - Rick Wenner - 10.dez.22/The New York Times

Então, em janeiro, Moy foi indiciado em um tribunal federal em Manhattan, acusado de fraude de seguros por meio de seu consultório médico. O governo acusou Moy e outros de executarem um golpe que envolvia subornar socorristas e funcionários de hospital para encaminhar vítimas de acidentes de carro a seus consultórios de tratamento da dor. Uma condenação poderia levar a anos de prisão.

E ele estava se divorciando de sua mulher, após 14 anos quase totalmente difíceis. O processo já se arrastava por cinco anos, e Moy havia passado por vários advogados, ainda devendo a uma firma mais de US$ 69 mil, de acordo com um processo contra ele.

Mas em 12 de outubro, uma quarta-feira calma e clara, Moy planejava deixar tudo isso para trás. Estava indo para uma área popular no oceano chamada Hudson Canyon, uma viagem de cerca de seis horas. Ele levou consigo um novo conhecido, Max Wong, um enfermeiro de 36 anos da cidade de Nova York.

A noite caiu sobre o Sure Shot, e a noite de quarta-feira rolava para a manhã de quinta. Terminada a pescaria, Moy e Wong estavam voltando para a marina.

Então, pouco depois da meia-noite, um sinal de socorro do iate de Moy tocou o alarme a 40 km da costa de Fire Island. A Guarda Costeira rapidamente despachou pilotos, que avistaram uma mancha de óleo, um "cooler" para bebidas branco flutuando e um homem sozinho —Wong.

O médico Marvin Moy, a bordo do Sure Shot - John Chase / NYT

Mas Moy tinha desaparecido.

Dois meses depois, promotores e pessoas que o conheceram ainda tentam entender o que aconteceu. Os amigos da marina tinham suas teorias; Wong fez um relato inconclusivo. O juiz responsável pelo caso emitiu um mandado de prisão contra Moy, citando a possibilidade de ele não estar no barco. Investigadores federais disseram que o inquérito está em andamento.

"Quem sabe o que aconteceu?", disse Roland Riopelle, advogado que representa Bradley Pierre, acusado junto com Moy no caso de fraude de seguros. "Enquanto estou sentado aqui agora, não tenho motivos para achar que ele morreu num acidente de barco ou se habilmente criou uma situação que parecia um acidente de barco e fugiu."

Uma história de sucesso

De certa forma, a carreira de Moy na medicina começou num movimentado restaurante em Chinatown. Seu pai, um imigrante chinês cuja família havia se estabelecido na vizinha Mott Street, era o dono desde que o herdou de seus próprios pais.

Marvin, ainda menino, tornou-se um aluno medíocre depois que seus pais se divorciaram, explicou ele anos depois em uma reportagem de 2021 sobre o café, escrita por um aluno da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia e publicada no site Medium.

Mas um único dia de trabalho como lavador de pratos foi esclarecedor: o negócio da família não era para ele. Ele se tornou um estudante disciplinado que depois frequentou a Universidade de Nova York e a escola de medicina em Buffalo, no estado de Nova York.

Ele se formou em 2004 e voltou para a cidade de Nova York, onde abriu clínicas de tratamento da dor chamadas Medical Now PC.

Mee Sum Cafe, owned by the family of Dr. Marvin Moy, in the Chinatown neighborhood of New York, Dec. 17, 2022. Dr. Marvin Moy was facing federal prosecution and a bitter divorce, and his life had been in limbo for months. Some immediately wondered if what looked like a boat crash was actually something else. (Rick Wenner/The New York Times)
Mee Sum Cafe, de propriedade da família do médico Marvin Moy, em Nova York - Rick Wenner - 17.dez.22 / The New York Times

Em 2007, conheceu uma mulher chamada Hanyue Zhu e eles se casaram menos de um ano depois. Estabeleceram-se num apartamento no Upper West Side; logo, Zhu estava grávida.

A ascensão de Moy na vida foi radicalmente interrompida apenas quatro meses após seu casamento, quando ele foi diagnosticado com câncer pancreático.

A cirurgia em 2009 cobrou um preço grave, transformando Moy em diabético. Ele passou dois meses num hospital.

Mas em sua ausência muita coisa mudou. Sua versão dos fatos foi extraída de uma declaração juramentada que ele apresentou no processo de divórcio, obtida pelo The New York Times. Zhu se recusou a falar para esta reportagem.

Moy alegou que sua mulher grávida havia levado a mãe dela para o pequeno apartamento, forçando-o a se recuperar da cirurgia com seus avós. Ele se sentiu isolado.

Ele estava tentando expandir seu consultório, mas tinha pouco dinheiro. Sua mulher o convenceu, segundo ele afirmou mais tarde, a entrar num acordo com uma financeira chamada Medical Reimbursement Consultants. A parceria com a empresa e seu proprietário, Pierre, foi o início de anos de problemas.

Um resgate e um mistério

Quando a equipe de resgate da guarda costeira chegou, eles rapidamente retiraram Wong do mar. Estava gravemente ferido no rosto, mas escapou de ferimentos mais sérios e estava consciente.

Ele disse aos pesquisadores que o barco tinha sido atingido por uma embarcação muito maior e que Moy estava vivo na última vez que o viu.

A busca por Moy continuou durante todo o dia 13 e até 14 de outubro. Às 13h03 de sexta-feira, a Guarda Costeira postou no Twitter: "#Atualização: a busca pela pessoa desaparecida foi suspensa".

Alguns dias depois, o desaparecimento de Moy foi recebido com ceticismo em uma audiência em Manhattan.

Marvin Moy fotografando no mar - John Chase via New York Times

"O governo solicita que o tribunal emita um mandado de condução coercitiva", disse o promotor do caso, Mathew Andrews.

O juiz, Paul G. Gardephe, concordou: "Pode ser que o doutor Moy tenha falecido, mas, pelo que entendi, seu corpo não foi recuperado, de modo que deixa em aberto a possibilidade de que ele esteja se ausentando voluntariamente do processo hoje".

Dois meses depois, a falta de provas só aumentou as suspeitas.

"A investigação do governo sobre o desaparecimento do doutor Moy está em andamento", disse Nicholas V. Biase, porta-voz do escritório do procurador dos EUA para o Distrito Sul de Nova York, na semana passada.

Longe dos tribunais de Manhattan, porém, os homens que pouco sabem sobre os problemas legais do médico, mas muito sobre suas habilidades e hábitos no mar, têm certeza de que sabem o que aconteceu naquela noite.

Problema jurídico

O acordo entre Moy e seu novo parceiro de negócios funcionava assim: os Consultores de Reembolso Médico pagariam adiantado ao consultório de Moy 35% dos novos sinistros —dinheiro rápido, imediatamente. Então, quando a companhia de seguros efetuasse o pagamento no futuro, os Consultores de Reembolso Médico ficariam com tudo.

À primeira vista, o arranjo, conhecido como "factoring", pode parecer desequilibrado. Mas Moy racionalizou que precisava de dinheiro.

Ao longo desse acordo, os promotores acusariam mais tarde, Moy também esteve envolvido numa conspiração para atrair dezenas de milhares de vítimas de acidentes de carro para seus consultórios e os de outros médicos. O líder desse empreendimento de mais de US$ 70 milhões, de acordo com uma acusação federal de 2022, era Pierre, o homem que mantinha Moy com dinheiro com a regra dos 35%.

Os registros do tribunal sugerem que, com a chegada das acusações criminais neste ano, Moy se voltou contra Pierre. Em reuniões com os investigadores, Moy "fez confissões prejudiciais à equipe de promotoria" e disse a eles que, na verdade, Pierre dirigia seu consultório médico, de acordo com uma moção apresentada pelos advogados de Pierre para abrir um processo separado.

Sua mulher tinha pedido o divórcio anos antes e Moy havia se mudado para outro apartamento no mesmo prédio, onde morava sozinho.

Fong Moy, tia de Marvin Moy, com fotos dele de quando ele era criança - Rick Wenner - 17.dez.22/The New York Times

Na primavera deste ano, Moy estava desvinculado de sua vida e suas rotinas, incapaz de praticar medicina enquanto aguardava o julgamento de seu caso.

Um santuário no mar

Cada vez mais, Moy buscava consolo no único lugar que parecia inalterado: seu barco.

Seus amigos da marina disseram que ele geralmente deixava seus problemas jurídicos na cidade. "Você guarda suas coisas pessoais para si mesmo —é o que ele faz", disse George Harned, 41, pescador e capitão de um barco de frete.

Ainda assim, o caso estava cobrando seu preço. "Ele definitivamente estava estressado", disse um de seus amigos mais antigos, John Chase.

Em outubro, Moy procurou pelo menos quatro amigos com um convite para acompanhá-lo na viagem ao Hudson Canyon. Para esse tipo de passeio, uma equipe de quatro pessoas é ideal, com duas pessoas acordadas o tempo todo. Isso era especialmente importante para Moy.

A diabetes, em algumas viagens, sugava suas energias e, nos longos e monótonos trechos em trânsito no mar, ele descia à cabine e cochilava, deixando a navegação para um ou mais acompanhantes.

Mas para essa viagem os quatro amigos recusaram.

Então, em 12 de outubro, Moy se aventurou com um único companheiro de tripulação —Wong, um novato na marina.

John Chase, amigo de Marvin Moy, no Center Yacht Club - Rick Wenner - 10.dez.22 / The New York Times

Nenhum aviso

Para os homens da marina, Wong tinha muitas perguntas a responder. Ele estava fora de alcance num hospital, mas Harned lhe enviou uma mensagem de texto.

"Você precisa se inocentar", escreveu ele.

Wong contou sua versão dos acontecimentos.

"Fiquei enjoado no final da viagem e parei de pescar. A viagem terminou cedo", escreveu ele, de acordo com as capturas de tela da conversa. Ele disse que adormeceu em um banco e não ouviu nenhum aviso: "O impacto me acordou e havia destroços voando por toda parte. Ele me disse que estava ferido. Tentei ligar para o ‘SOS’, mas todos os aparelhos eletrônicos estavam desligados".

O barco afundou com Wong agarrado ao estojo que contém o bote salva-vidas inflável e Moy a uma boia circular. Wong escreveu: "A última palavra que ouvi dele foi 'Max, você está bem?'"

Esse relato, para os amigos de Moy, pareceu no mínimo duvidoso. Em vez disso, os amigos do médico estavam considerando sua própria teoria —dolorosamente sombria, mas que respondia às perguntas persistentes.

Eles se perguntam se Moy, depois de um longo dia e noite no mar, voltou para sua cama na cabine e adormeceu. Se isso tivesse acontecido, esperava-se que Wong vigiasse os controles. Mas ele disse nos textos que estava dormindo.

A função de piloto automático do barco provavelmente foi acionada, com seu radar mostrando o que estava por perto. Teria indicado um navio próximo e passado despercebido?

Wong, respondendo à ligação de um repórter em novembro, disse: "Não vou comentar".

Se o Sure Shot atingisse um navio comercial em velocidade de cruzeiro, o impacto seria instantaneamente devastador.

Não está claro se uma nova busca pelo corpo de Moy será realizada. A guarda costeira disse aos advogados de Moy que ele não será declarado morto até que sua investigação determine isso.

A investigação continua em aberto. Um porta-voz da guarda costeira disse que as informações fornecidas pelo passageiro sobrevivente —Wong— sobre uma colisão não puderam ser verificadas. Nenhum navio relatou ter atingido outro barco naquela área naquela manhã.

E assim dois mundos ficam à espera. Em tribunais diferentes em Manhattan, dois longos processos —um criminal e um civil— estão parados por falta de um réu.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.