Descrição de chapéu The New York Times

Por que este homem de sobrenome famoso está andando 3.000 km pela Índia?

Rahul Gandhi, do partido do Congresso, busca unificar oposição antes de pleito de 2024

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Sameer Yasir
Burhanpur (Índia) | The New York Times

No 76º dia de sua longa marcha para o norte por toda a Índia, Rahul Gandhi, descendente de uma outrora poderosa dinastia política, entrou numa cidade têxtil com o rosto e os cabelos cobertos de poeira.

Acabaram-se os acessórios de luxo que seus adversários no partido nacionalista hindu que governa o país usaram para traçar sua caricatura como autoritário e indiferente. Agora, Gandhi estava falando sobre bolhas nos pés e a luta do homem comum. Apertava as mãos de crianças, abraçava homens e mulheres mais velhos que acariciavam seu cabelo e beijavam sua testa, no que ele espera ser uma jornada de 3.200 quilômetros para seu outrora dominante Partido do Congresso sair do deserto político.

Pessoas caminham carregando bandeiras da Índia
Rahul Gandhi (ao centro), líder do Partido do Congresso indiano, participa de marcha em Hyderabad - Noah Seelam - 1º.nov.22/AFP

"Todas as instituições democráticas foram fechadas para nós pelo governo: Parlamento, mídia, eleições", disse Gandhi, 52, a apoiadores no final do mês passado em Burhanpur, no estado de Madhya Pradesh. "Não havia outro jeito a não ser ir às ruas para ouvir e nos conectarmos às pessoas."

Com uma eleição nacional daqui a menos de 16 meses, a marcha de Gandhi poderá determinar se a fraturada oposição política da Índia pode fazer alguma coisa para deter as ambições que definiram uma era do governante Partido Bharatiya Janata (BJP), liderado pelo primeiro-ministro Narendra Modi.

O futuro da Índia como democracia multipartidária está em jogo. Modi, um dos líderes mais poderosos da história do país, refez sua base política secular para privilegiar a maioria hindu e pôr de lado os muçulmanos e outras minorias. Sua marca é tão profunda e seus êxitos tão completos que seus assessores dizem que o BJP permanecerá no controle do país nas próximas décadas.

O partido aumentou seu domínio em todo o país e nas instituições, e os políticos da oposição reclamam que foram expulsos das plataformas de onde podem alcançar as massas no ciclo da política democrática.

O Parlamento, outrora uma pujante câmara de debates, está quase confinado a discursos ministeriais, com o partido no governo evitando debates sobre questões importantes. O BJP, por meio de uma mistura de pressão e ameaça de reter o dinheiro da publicidade do governo, tem intimidado a mídia tradicional.

Depois que Gandhi chegou a Burhanpur, onde uma grande multidão o saudou, alguns assistindo dos telhados e outros dos galhos de árvores, quase não houve menção ao fato nos programas de televisão.

O fato de Gandhi ter achado necessário caminhar pela Índia, lutando para captar um raio dos holofotes e projetar um novo perfil, é o ápice de uma reviravolta inimaginável na sorte de sua família e de seu partido.

O partido Congresso Nacional Indiano liderou o país por dois terços de seus 75 anos de independência, e a família Gandhi-Nehru produziu três premiês que governaram por um total de quase quatro décadas.

Mas na década de Gandhi como presidente oficial do partido ou líder de fato, ele enfrentou repetidas derrotas em eleições, e atualmente tem 53 das 543 cadeiras no Parlamento. O BJP tem 303.

Com o partido cada vez mais definido pela lealdade à família central em sua história, o dilema em torno de seu declínio é frequentemente simplificado como: com ou sem os Gandhis, não pode ser.

À medida que o Partido do Congresso murcha, seus escândalos confusos e lutas internas se manifestam cada vez mais em público. A confusão criada pela incapacidade da família de reconciliar as facções em conflito resultou em estagnação em nível local, dizem autoridades da sigla, e deserções no alto escalão.

"Esta marcha, é claro, é uma última tentativa de ele reviver a sorte de seu partido e reforçar sua imagem nacional", diz Sumit Ganguly, professor de ciência política na Universidade de Indiana. "Mas, além da fanfarra, ele falhou em definir uma visão clara e alternativa para o país."

Gandhi disse que começou sua jornada —que levará cerca de 150 dias enquanto ele e sua comitiva de 120 pessoas cobrem cerca de 20 quilômetros por dia, dormindo em contêineres rebocados em caminhões pesados— para ajudar a unir um país que ele disse estar profundamente polarizado pela política majoritária hindu de Modi. A simples mensagem de unidade, disseram os líderes do Congresso, representa o primeiro grande ataque ideológico contra a ideia hindu de que a Índia está sendo consolidada pelo BJP.

"É a nossa última jogada", afirma Jairam Ramesh, um ex-ministro que tem caminhado com Gandhi. "Estamos colocando tudo o que temos nisso. Se não fizermos diferença por meio disso, haverá um problema para nós, tanto como partido quanto como ideologia."

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi - Sam Pathankay - 2.dez.22/AFP

A marca de Modi na política indiana é tão indelével que Gandhi, que se recusou a ser entrevistado para esta reportagem, pareceu imitá-lo durante sua jornada pelo país, mesmo quando se apresentou como uma alternativa. A testa de Gandhi costuma ser adornada com um ponto vermelho, ou tilak, uma marca da devoção hindu. Ele trocou seu antigo visual barbeado por uma barba que cresce a cada dia, e frequentemente participa de visitas a templos e cerimônias religiosas quando para em vilarejos e cidades.

Essas longas marchas fazem parte de uma tradição política bem estabelecida, que remonta à luta pela independência. Nos anos 1990, quando os papéis estavam invertidos, o BJP empreendeu uma marcha semelhante, reunindo-se em torno da construção de um templo hindu onde antes ficava uma mesquita da era mogol. A marcha incendiou sua base ideológica e preparou o terreno para a posterior ascensão.

Está longe de claro se Gandhi poderá trazer seu partido de volta de um caminho para a irrelevância na política nacional. Mas ele parece estar apostando numa estratégia dupla —ao mesmo tempo colocando-se no centro do esforço para construir uma narrativa e uma direção enquanto cria certa distância ao entregar a presidência do partido a alguém de fora da família. Depois de longos períodos de ressentimento dentro das fileiras do Congresso sobre a recusa da família Gandhi a compartilhar a liderança, o partido elegeu em outubro um legalista de 80 anos como seu primeiro presidente não Gandhi em 24 anos.

Para críticos, a escolha do novo líder, bem como o foco singular da marcha em Gandhi, deixou claro que a família não abria mão de maneira que pudesse consertar a disfunção da sigla e a erosão do apoio.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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