Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia

Dinamarca quer abolir feriado nacional para turbinar defesa e cumprir meta da Otan

Fim de data comemorada há mais de 300 anos geraria € 400 milhões; igreja, sindicatos e oposição criticam proposta

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Madri

Há algo de curioso no reino da Dinamarca. A culpa, desta vez, é de um feriado luterano, chamado "Store Bededag" ou, em português, Grande Dia de Oração.

A primeira-ministra Mette Frederiksen quer abolir a data comemorativa para que a geração de riqueza extra desse dia possa aumentar os gastos da defesa do país em meio à Guerra da Ucrânia.

Mexer com feriado, no entanto, é ponto sensível para todo mundo, e Frederiksen está enfrentando um tiroteio por todos os lados. As críticas vieram da oposição, dos sindicatos de trabalhadores, dos bispos do país e até de membros dos próprios partidos que compõem a coalizão do governo.

A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, e o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, durante entrevista coletiva - Oleksandr Gimanov/AFP

A proposta de revogar o Grande Dia da Oração foi apresentada na semana passada. Nesta quinta-feira (2), a lei foi escrutinada pela primeira vez no Congresso e agora haverá duas outras discussões em datas a definir. A Dinamarca possui hoje 11 feriados nacionais, o mesmo número do Brasil.

Segundo cálculos oficiais, o cancelamento do feriado, colocando indústria, comércio e serviços em atividade, geraria até € 400 milhões (R$ 2,2 bilhões) a mais para o governo. A maior parte desses milhões viria no formato de impostos. E isso, segundo o governo, seria usado para aumentar o financiamento da defesa do país. O caso é que, na Conferência de Riga de 2006, a Otan, a aliança militar ocidental, estabeleceu que os países-membros deveriam reservar 2% de seu PIB para gastos militares.

A meta, porém, raramente é atingida, e nunca foi seguida por todos os 30 membros do grupo. Em 2014, só três nações gastaram o valor estabelecido —o maior número foi em 2020, quando dez chegaram lá.

Após a invasão da Ucrânia, muitos países declararam que chegarão aos 2%, entre os quais a Dinamarca. Mas, nesse caso, a meta seria alcançada apenas em 2033. Com o feriado a menos, o governo estima que chegaria aos 2% em 2030. No ano passado, o orçamento da defesa da Dinamarca foi de cerca € 3,5 bilhões, o que dá 1% do PIB do país. Assim, os € 400 milhões extras do feriado cancelado seriam uma ajuda, mas nem de longe o suficiente, para que o gasto militar chegue aos € 7 bilhões que a Otan gostaria.

"Com o ataque de Putin à Ucrânia, há guerra na Europa. A ameaça se aproximou", disse um comunicado do governo de Frederiksen no final do ano passado. "Para financiar o aumento dos gastos militares nos próximos anos, o governo proporá uma lei que abolirá um feriado que entrará em vigor em 2024. Os dinamarqueses devem contribuir para nossa segurança comum."

Isso significa que o feriado deste ano, em 5 de maio, está garantido, mas a folga do próximo ano, não. O Dia da Grande Oração é uma data móvel, sempre na quarta sexta-feira após a Páscoa. Por ser numa sexta, os dinamarqueses estão carecas de saber que esse feriado é sinônimo de fim de semana prolongado.

Para os cristãos, o dia tem grande importância, já que é uma escolha popular para marcar datas de casamento no país. E isso sem falar na tradição: o "Store Bededag" é feriado na Dinamarca desde 1686.

Entre críticos ao cancelamento do feriado, estão os dez bispos luteranos que lideram a Igreja Evangélica-Luterana Nacional, à qual 73% dos dinamarqueses dizem pertencer, embora apenas 3% frequentem as missas com regularidade. Os bispos reclamam que não foram consultados. Enquanto isso, sindicatos lançaram uma petição virtual para abandonar a proposta, com quase meio milhão de assinaturas.

Na Dinamarca, onde o consenso político é a norma, a oposição —à direita e à esquerda da coalizão centrista— se uniu em um movimento raro para criticar a gestão. "O governo está nos expulsando [da coalizão]", disse Pia Olsen Dyhr, líder do Partido Social Popular, de esquerda.

Na direita, a mesma coisa: Søren Pape Poulsen, líder dos conservadores, disse que "é importante proteger a cultura, a história, os valores e as raízes profundas em que a sociedade dinamarquesa se baseia".

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