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Relatório de ONG indica que pandemia foi tempestade perfeita para corrupção no mundo

Brasil manteve pontuação abaixo da média das Américas no ranking da Transparência Internacional

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São Paulo

No ranking do IPC (Índice de Percepção da Corrupção) de 2022, divulgado pela ONG Transparência Internacional nesta terça-feira (31), a média global ficou estagnada em 43 pontos pelo 11º ano seguido —o índice vai de 0, para o cenário mais corrupto, a 100, para o mais íntegro.

Segundo Bruno Brandão, diretor-executivo da ONG no Brasil, o boom de gastos na pandemia foi a tempestade perfeita para a corrupção em diferentes países. "Com uma grande emergência mundial, os governos tiveram que gastar como nunca gastaram, e de maneira emergencial, como nunca fizeram."

Rua com destroços de barricadas durante greve geral em Porto Príncipe, no Haiti
Rua com destroços de barricadas durante greve geral em Porto Príncipe, no Haiti - Ralph Tedy Erol - 26.set.22/Reuters

Durante as fases mais agudas da crise sanitária, houve governos que aproveitaram a situação para tentar aumentar seus poderes. Na Hungria, Viktor Orbán garantiu o direito de governar por decreto por tempo indeterminado. O texto, de março de 2020, permitia ao premiê suspender sessões parlamentares e pleitos e estabelecer prisão de cinco anos para quem divulgasse informação considerada falsa pelo governo.

No Brasil, suspeitas ligadas à compra da vacina Covaxin respingaram no governo Bolsonaro, e Wilson Witzel foi destituído do governo do Rio de Janeiro após acusação de irregularidades na resposta à Covid.

O Brasil teve uma "década perdida" em questões de transparência, afirma Brandão. "O mensalão e a Lava Jato não surgem do vácuo, mas do progresso do país, que permitiu que algo como essas investigações acontecessem. A Lava Jato quebra paradigmas da impunidade histórica, mas desestabiliza o sistema político brasileiro. Nessa desestabilização, uma força populista e autoritária se aproveita das condições e sequestra o discurso anticorrupção", diz o economista, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

De acordo com a ONG, os resultados do relatório refletem "o desmanche acelerado dos marcos legais e institucionais anticorrupção que o país havia levado décadas para construir". "Junto com esse retrocesso, o Brasil sofreu degradação sem precedentes de seu regime democrático", afirma a organização.

Embora tenha assumido a Presidência sob discurso de integridade nos gastos públicos, Bolsonaro iniciou o governo, segundo a ONG, com "montanhas de evidências de corrupção". Na tentativa de blindar a si mesmo e sua família, afirma o economista, o ex-presidente desmontou o sistema de freios e contrapesos.

"Os efeitos da neutralização dos outros Poderes foram muito maiores do que a impunidade nos casos que o preocupavam. Ele garantiu blindagem para cometer crimes de responsabilidade em série", diz Brandão.

As emendas de relator, instrumento ampliado no governo Bolsonaro que levanta suspeitas de fraude, são descritas pela ONG como o maior esquema de institucionalização da corrupção de que se tem registro no Brasil. "Ele tem um verniz de legalidade, mas se apropria de recursos orçamentários para fins escusos."

A Transparência Internacional classifica 180 países e territórios de acordo com 13 fontes de dados, além da percepção da corrupção no setor público entre especialistas e executivos. O estudo é publicado desde 1995, mas em 2012 passou por uma mudança metodológica que permitiu traçar uma série histórica.

O Brasil subiu duas colocações no ranking e aparece no 94º lugar da lista, voltando para a mesma posição de 2020. O índice, entretanto, continua estável em relação às duas classificações anteriores, 38, número que coloca o país abaixo da pontuação média das Américas: 43.

Nos últimos anos, a nação com melhora mais significativa foi Angola. Em 2022, o país africano chegou a 33 pontos, 14 a mais do que em 2018. Entre os que tiveram piora no índice estão Canadá e Reino Unido, com queda de sete pontos cada um em cinco anos. Dos 180 países analisados, dois terços pontuaram abaixo de 50, e 124 estagnaram. O número de países com as notas em declínio, porém, está aumentando.

A região com maior pontuação é a Europa Ocidental, com média de 66 —lá está a Dinamarca, que lidera a lista, com 90 pontos. Na outra ponta, a África Subsaariana tem a menor média: 32. A Somália, último país do ranking, marcou 12 pontos. "Países com instituições fortes e democracias saudáveis muitas vezes se encontram no topo", diz o relatório. "Do outro lado, os países que estão passando por conflitos, ou onde as liberdades fundamentais e políticas são fortemente restringidas, tendem a obter as menores pontuações."

Para Brandão, atribuir a corrupção a fatores culturais é um erro. "É fácil ter uma explicação simplista de que a América Latina tem a corrupção na sua cultura. Isso é falso. Quando empresas de países ricos operam em países pobres, com muita frequência repetem as mesmas práticas para se beneficiar."

A democracia, segundo ele, é o principal fator na percepção da corrupção. "O Estado se abre e começa a pertencer à pluralidade, deixando de funcionar como uma máquina de concentração de riqueza."

Na América Latina, os países com as menores pontuações são Nicarágua e Venezuela, atualmente sob regimes ditatoriais, além do Haiti, epicentro de uma espiral de crises. Eles marcam 19, 14 e 17 pontos, respectivamente. Já no topo do ranking estão Uruguai, com 74, e Chile, com 67 pontos.

Brandão destaca que os dois últimos países são democracias estáveis, com alternância de poder pacífica e sem grandes rupturas institucionais, que normalmente interrompem políticas públicas eficientes.

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