Nigéria vai às urnas sob expectativa de sucesso da onda 'obidiente'

De azarão a favorito, Peter Obi tem duplo desafio de transformar apoio online em votos e superar sistema eleitoral

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São Paulo

Não faltavam motivos para o clima de frustração: a violência cresce a galope e se capilariza no país. O desemprego está nas alturas. Então, uma desordenada atualização do papel-moeda gerou escassez de dinheiro e coroou a insatisfação dos nigerianos.

Às portas das eleições presidenciais, que acontecem neste sábado (25) na nação que abriga um em cada seis africanos, havia centenas de pessoas dormindo na porta de bancos na expectativa de conseguir sacar o dinheiro local, a naira. Em uma economia em boa parte informal, a moeda física ainda predomina.

Mulher caminha ao lado de imagem de Peter Obi, candidato do Partido Trabalhista à Presidência da Nigéria, no estado de Anambra, onde ele foi governador
Mulher caminha ao lado de imagem de Peter Obi, candidato do Partido Trabalhista à Presidência da Nigéria, no estado de Anambra, onde ele foi governador - Temilade Adelaja - 23.fev.23/Reuters

Alguns já não tinham cédulas para comprar comida e remédios, ainda que tivessem dinheiro no banco. Outros já não podiam pagar tratamentos médicos. E há relatos de mulheres que deram à luz em casa porque não conseguiram custear o atendimento hospitalar.

Diante de um Estado que não dá conta de atender à sua população de 221 milhões de habitantes, 18 candidatos tentam substituir o ex-militar Muhammadu Buhari na Aso Villa, a sede da Presidência.

Apenas três, porém, mostram chances reais de vencer: Bola Tinubu, do governista Congresso dos Progressistas; Atiku Abubakar, do Partido Democrático do Povo; e Peter Obi, do Partido Trabalhista, aquele que, de azarão, virou a principal aposta para o atual pleito.

Representante de uma inédita terceira via, ele aparece com 41% dos possíveis votos em recente pesquisa do instituto Stears caso haja ampla participação nas urnas —o voto não é obrigatório no país. Mas, se repetido o cenário do último pleito, quando pouco mais de 35% dos eleitores compareceram para votar, Obi aparece com 32% dos apoios, atrás de Tinubu, com 39%.

Nigerianos vão às urnas na disputa que simboliza o período mais longo de democracia no país: 24 anos. Mas cobram dos candidatos respostas para fazer com que o sistema atenda a todos. A inflação é a mais alta em quase 20 anos, e a insegurança, generalizada.

Numa escalada já prevista, uma série de ataques a equipes de campanha na última quinta (23) em Enugu, no sul, deixou duas pessoas mortas: o candidato ao Senado Oyibo Chukwu, do Partido Trabalhista, e um motorista. Autoridades culpam os separatistas da região do Biafra.

Pessoas se manifestam em frente a banco na cidade nigeriana de Lagos, onde pedem para sacar dinheiro em meio a grave crise monetária no país africano
Pessoas se manifestam em frente a banco na cidade nigeriana de Lagos, onde pedem para sacar dinheiro em meio a grave crise monetária no país africano - John Wessels - 22.fev.23/AFP

"O derramamento de sangue irracional que ocorre no país está além de deprimente", disse Obi, o candidato presidencial da sigla do postulante morto, no Twitter. "Não podemos seguir nesse caminho perigoso."

Com um apoio majoritariamente concentrado na juventude —a maior parte da população nigeriana—, ele liderou as pesquisas eleitorais e tem grande engajamento nas redes sociais. Chegou a apelidar seus apoiadores de "obidientes". Mas, como aponta Idayat Hassan, diretora do Centro pela Democracia e pelo Desenvolvimento, "resta saber como e se o [apoio] online se traduzirá em offline no dia da eleição".

Estão aptas a votar 93,5 milhões de pessoas, 10 milhões a mais do que no último pleito, em 2019. Cidadãos de 18 a 34 anos são mais de 80% do novo eleitorado e se fiam ao Bvas, novo sistema de biometria eletrônica, como esperança para combater a histórica fraude eleitoral no país.

Para além de capitalizar esse apoio, Obi tem o desafio de vencer em um sistema eleitoral que privilegia grandes partidos –e esse não é o caso do Trabalhista. Para sair vitorioso, o candidato deve ter 25% dos votos em 24 dos 36 estados nigerianos. Em 2019, trabalhistas não venceram em nenhum.

Caso supere esse cenário, sua missão uma vez no governo seria igualmente acachapante. O atual presidente, Buhari, já admitiu que fracassou em combater a violência, que se expandiu nos últimos anos. E a insegurança, formada por um complexo quebra-cabeça de terrorismo com grupos fundamentalistas ao norte, separatismo ao sul e tensões entre fazendeiros no centro, traz outros problemas.

"Isso deixa um rastro de destruição que continua por muitos anos", afirma David Stevenson, representante do Programa Mundial de Alimentos da ONU na Nigéria. "A agitação se espalha para os países vizinhos; além da destruição, há o impacto na segurança alimentar e nutricional."

Segundo números compartilhados por Stevenson, projeta-se que 4,4 milhões enfrentarão fome neste ano nos três estados mais afetados pelo terrorismo: Borno, Adamawa e Yobe. E há ao menos 700 mil crianças nigerianas em risco de desnutrição aguda.

O representante da ONU diz que o futuro governo precisa de uma política de resiliência humanitária se quiser mudar a situação, o que passa prioritariamente por ajudar agricultores e criar postos de trabalho.

Os principais candidatos, em suas cartilhas de propostas, defendem o crescimento econômico como principal bandeira, mas pouco detalham como pretendem fazer isso no país que, junto à Angola de João Lourenço, é o maior produtor de petróleo de toda a África.

Às vésperas de depositar o voto nas urnas, a população local teme ainda a possibilidade de fraude, uma velha conhecida do país, e os episódios de violência que esse fator pode germinar, em especial na juventude, que anseia mudanças. O monitoramento independente é vasto: ao menos 229 grupos com 147 mil observadores locais e internacionais ao todo vão acompanhar a votação ao lado de mais de 8.800 jornalistas credenciados pelo instituto eleitoral. Mais de 400 mil seguranças foram mobilizados.

EUA, Reino Unido e União Europeia se manifestaram ao longo da última semana pedindo que a votação seja livre, e os resultados, justos. Washington e Londres também soaram o alarme de sanções a políticos que incentivarem episódios de violência ao longo do sábado.

Além de votar para presidente, os nigerianos renovarão Câmara e Senado. Com base em pleitos anteriores, a expectativa é que o resultado final da disputa para governar o país mais populoso da África seja divulgado dois ou três dias depois. Se nenhum nome alcançar a maioria dos estados, o segundo turno ocorre em três semanas.

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