Plano de Biden para perdoar dívidas estudantis é contestado na Suprema Corte dos EUA

Com custo estimado em US$ 400 bilhões, medida é questionada por estados governados por republicanos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Stacy Cowley
The New York Times

Em setembro, Jason Doresky recebeu um depósito de US$ 10 mil (R$ 51,9 mil) do Departamento de Educação dos Estados Unidos. Era um reembolso dos pagamentos que ele havia feito voluntariamente por seus empréstimos estudantis federais desde março de 2020, quando o governo disse que, devido à pandemia de coronavírus, os mutuários poderiam temporariamente parar de pagar a dívida.

Três anos depois, esses pagamentos seguem suspensos, e Doresky, 31, que se formou na Universidade do Kansas em 2015, ainda tem o dinheiro em sua conta, intocado. Ele espera para saber se terá de devolvê-lo.

Nesta terça (28), a Suprema Corte do país ouvirá argumentos sobre o plano do presidente Joe Biden de perdoar até US$ 20 mil em dívidas federais de empréstimos estudantis para a maioria dos mutuários, a um custo estimado em US$ 400 bilhões. O plano, anunciado em agosto, foi bloqueado por contestações legais, impedindo o governo de cancelar qualquer dívida das 26 milhões de pessoas que solicitaram alívio.

O presidente americano, Joe Biden, discursa sobre alívio de dívidas estudantis, em novembro, no estado de Novo México
O presidente americano, Joe Biden, discursa sobre alívio de dívidas estudantis, em novembro, no estado de Novo México - Kevin Lamarque - 3.nov.22/Reuters

A Casa Branca insiste que sua abordagem –que ignorou o Congresso e se baseia na Lei Heroes, de 2003, que permite ao secretário de Educação conceder alívio em tempos de emergência nacional– é legalmente sólida. As medidas que Biden instruiu o secretário de Educação, Miguel Cardona, a tomar "se enquadram confortavelmente no puro texto da lei", argumentou o governo em um parecer jurídico ao tribunal.

Os que desafiam a medida, incluindo seis estados liderados por republicanos, chamam isso de abuso da autoridade executiva, que busca "poder transformador e de tirar o fôlego" ao se basear em "uma conexão tênue e enganosa com uma emergência nacional", conforme seu comunicado jurídico.

Apanhados no limbo estão milhões de mutuários, incluindo Doresky, que oscilaram entre a esperança e o desespero quando o plano de socorro de Biden foi iniciado e depois interrompido. "Para as pessoas que tomam essas decisões, US$ 10 mil não é muito dinheiro", di ele. "Mas quando é uma grande parte do seu patrimônio líquido ou de suas economias, é realmente importante."

Mais de 20 grupos de defesa planejam levar centenas de mutuários para uma manifestação em frente à Suprema Corte na terça-feira. O evento alinhou sindicatos, organizações de direitos civis e jovens ativistas com grupos tão diversos quanto a ONG Caucus do Hip Hop e o Conselho Nacional de Mulheres Judias.

Desiree Veney, aluna do último ano da Universidade Morgan State, em Baltimore, e vice-presidente da divisão do campus da NAACP, uma das principais entidades de combate ao racismo nos EUA, pretende pegar a estrada para participar do ato. A estudante vê um claro aspecto de justiça racial no plano de Biden. Os tomadores de empréstimos estudantis negros geralmente saem da escola com US$ 25 mil a mais em dívidas do que os graduados brancos e carregam o débito por muitos anos a mais.

O plano de Biden cancelaria US$ 20 mil em dívidas para aqueles que, como ela, receberam bolsas Pell, que ajudam estudantes de famílias de baixa renda. Isso acabaria com quase todos os empréstimos de graduação de Veney –tornando mais fácil para ela ir em busca do mestrado e do doutorado que deseja. Ela pretende se tornar terapeuta e trabalhar com famílias e jovens com problemas de comportamento.

Para ela, o plano "ajudaria a reduzir a diferença racial de riqueza". "Isso daria a todos uma chance de melhorar nossa segurança financeira e estabelecer uma base melhor para a ascensão econômica."

Biden lançou seu plano de alívio como um passo essencial para reiniciar um sistema de cobrança de empréstimos estudantis que está congelado há quase três anos. O hiato começou como uma pausa de dois meses iniciada por Donald Trump, quando a pandemia estava devastando a economia. O Congresso e Trump estenderam o hiato três vezes, e Biden mais seis vezes, mais recentemente em novembro.

O democrata anunciou então que as contas dos mutuários seriam retomadas 60 dias após a resolução das contestações judiciais ao seu plano de socorro ou em 1º de setembro, o que ocorrer primeiro.

O argumento jurídico do governo Biden se concentra nos efeitos prolongados da pandemia nas finanças de muitas famílias. Sem o cancelamento da dívida, a Casa Branca teme que muitos tomadores de empréstimos sejam arrasados quando os pagamentos forem retomados, levando ao que o Departamento de Educação projetou como um "aumento historicamente grande" de inadimplências e infrações.

"Os mutuários com maior probabilidade de ter dificuldades desproporcionais vêm de famílias de baixa renda –as famílias menos preparadas para enfrentar crises econômicas e de saúde pública que atingiram o país em 2020", disse Mike Pierce, diretor-executivo do Centro de Proteção ao Estudante Mutuário.

Os críticos veem esse argumento como uma justificativa de Biden para alcançar por meio de ordem executiva o que ele não conseguiu realizar legislativamente: o cancelamento em massa das dívidas estudantis. "Outros americanos terão que pagar a conta, no valor de mais de US$ 2.500 por contribuinte", escreveram dezenas de senadores republicanos em um comunicado apresentado à Suprema Corte.

Mais da metade dos republicanos da Câmara se uniu num documento próprio, alertando a Suprema Corte de que, caso permita o avanço do plano de Biden, o colegiado abriria um precedente para que o Departamento de Educação invocasse novamente amplos poderes de cancelamento da dívida estudantil.

Seria algo bem-vindo para Kristin McGuire, diretora-executiva do Young Invincibles, grupo de defesa econômica de jovens adultos que está ajudando a organizar o comício de terça. Ela deixou de pagar seus empréstimos logo após se formar, em 2005, e carregava vergonha e culpa, segundo disse, vendo isso como falha pessoal –até que passou a trabalhar como ativista e descobriu como sua história era comum.

"O que percebi é que esse problema afeta milhões, não é um incidente isolado. Ficamos sentados vendo que as empresas são socorridas e têm suas dívidas canceladas ano após ano, toda vez que há algum tipo de recessão econômica. Está na hora de as pessoas também terem acesso a esse tipo de benefício."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.