Encontro com Xi pode reforçar projeto de Lula de facilitar paz na Ucrânia

Diagnóstico de pneumonia adiou partida do mandatário, mas aliados descartam cancelamento da viagem

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Brasília e Taipé

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve embarcar neste domingo (26) para a China, onde cumpre agendas ao longo de toda a próxima semana. Estão previstas reuniões com autoridades políticas de Pequim, visitas a fábricas e encontros empresariais.

A agenda mais esperada para auxiliares do petista é a reunião bilateral com o líder chinês, Xi Jinping. Estará em jogo no encontro a principal ambição de Lula no cenário internacional: apresentar-se como facilitador de um diálogo pela paz na Guerra da Ucrânia, que já dura mais de um ano e tem impacto direto sobre a economia global.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia em que recebeu as credenciais do embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao - Gabriela Biló - 3 fev. 2023/Folhapress

A viagem estava inicialmente programada para a manhã deste sábado (25). No entanto, Lula passou mal ao retornar do Rio de Janeiro, deu entrada em um hospital de Brasília e foi diagnosticado com uma pneumonia leve. A partida foi adiada para o domingo (26).

O ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social), Paulo Pimenta (PT), descartou a hipótese de cancelamento da viagem. Lula deve perder apenas o primeiro dia da agenda internacional, que é o Fórum Brasil-China de Desenvolvimento Sustentável. Os encontros com autoridades do gigante asiático estão mantidos.

Segundo a Folha apurou, o governo brasileiro já recebeu a sinalização positiva dos chineses de que Xi Jinping está disposto a tratar da situação na Ucrânia com Lula, no encontro previsto para o dia 28.

A posição chinesa é considerada fundamental por Lula. O petista já conversou sobre o assunto com líderes ocidentais, como os governantes da Alemanha, Olaf Scholz; dos EUA, Joe Biden; e da França, Emmanuel Macron.

A receptividade desses líderes tem sido fria. Foram visíveis, por exemplo, as divergências entre Lula e Scholz sobre o tema durante visita do alemão a Brasília, logo no início do mandato do petista.

Macron, por sua vez, respondeu a uma publicação de Lula no Twitter convidando o brasileiro a discutir a crise internacional com base na proposta de dez pontos do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski —uma lista de exigência tida como inaceitável por Moscou, por envolver não só a devolução de território como o estabelecimento de um tribunal especial para julgar crimes de guerra da Rússia.

Diante desse cenário, um respaldo da China de que Lula pode ser um interlocutor no processo é considerado fundamental para a diplomacia brasileira. Pequim é vista hoje como um dos únicos atores na arena global com condições concretas de influenciar Vladimir Putin.

A China divulgou no final de fevereiro um genérico plano de paz para a crise na Ucrânia na data que marcou o primeiro aniversário da invasão da Rússia. A proposta, no entanto, foi recebida com extremo ceticismo pelo Ocidente, que vê em Xi o principal aliado da Rússia.

Além do mais, EUA e aliados têm ressaltado que qualquer solução que envolva apenas um cessar-fogo é inaceitável por significar, na prática, incorporação à Rússia de território ucraniano ocupado.

O governo brasileiro não possui propriamente um plano de discussões de paz e vem se vendendo como um possível "facilitador", para colocar as partes envolvidas em uma mesa de negociação. Lula defende que é preciso tratar do tema em um clube de países não envolvidos diretamente nas hostilidades, que forneceriam as condições para mediar a conversa entre os beligerantes.

O modelo é muito semelhante ao adotado para possibilitar algum diálogo entre governo e oposição na Venezuela, ainda no primeiro mandato do petista; e, depois, para tentar solucionar a questão nuclear iraniana. A política externa brasileira, neste último caso, argumenta que tinha aval dos EUA para avançar nas tratativas, mas que os americanos depois recuaram no acordo —fechado posteriormente sem a participação do Brasil.

Desta vez, o governo brasileiro não recebeu nenhuma sinalização americana de que poderia apoiar uma iniciativa de paz brasileira. Auxiliares palacianos rebatem o ceticismo em torno do projeto de Lula e dizem que há repercussões políticas concretas desde que o petista se colocou na posição de possível mediador, antes mesmo do início do seu governo.

Citam o fato de estar no radar uma possível conversa entre Zelenski e Xi como exemplo de que há intenção dos diferentes lados de buscar uma solução para o conflito. Além disso, dizem que o assunto surge em conversas com outras lideranças mundiais, como com o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, em ligação nesta semana. O próprio Lula conversou por videoconferência com Zelenski no início de março.

Na China, Lula terá outras duas reuniões políticas centrais: com o premiê chinês, Li Qiang, e com o presidente da Assembleia Popular Nacional, Zhao Leji.

À Folha o assessor Celso Amorim, principal conselheiro de Lula na política externa, disse que questões sobre emergência climática, a saúde global e a governança na ONU, como a reforma do Conselho de Segurança, também serão prioridade.

"A questão entre Brasil e China não é apenas uma relação bilateral. Também é um recado para o mundo da necessidade de cooperação, de entendimento, de trabalhar contra as grandes ameaças, como o clima", afirma o diplomata.

O governo aposta na visita a Pequim para tentar compensar a falta de resultados práticos da ida a Washington em fevereiro, quando se encontrou com o presidente Joe Biden. Oficialmente, a equipe de Lula defende que a viagem aos EUA teve um caráter eminentemente político e não buscou atrair investimentos para o Brasil.

Nos bastidores, no entanto, existe a percepção de que o governo norte-americano pouco ofereceu a Lula. Mesmo uma oferta de aporte de US$ 50 milhões para o Fundo Amazônia acabou não constando no comunicado oficial. O valor foi visto por Brasília como frustrante, principalmente diante da prioridade que Biden diz colocar em temas ambientais.

O governo brasileiro busca assim otimizar a viagem a China para ganhar poder de barganha com os EUA, em um momento de crescente influência chinesa em várias regiões do mundo.

A comitiva brasileira deve contar com cerca de 240 empresários de diferentes setores. Há quase cem representantes do agronegócio inscritos, para ficar no setor mais dinâmico da relação comercial entre Brasil e China. Nesta quinta-feira (23), a três dias da viagem de Lula, o país asiático decidiu retomar a compra de carne bovina brasileira, que estava suspensa desde o fim de fevereiro devido a um caso atípico do mal da vaca louca.

A suspensão por conta da enfermidade identificada em um animal faz parte de um protocolo sanitário assinado pelos dois países, que prevê que o Brasil adota um autoembargo quando há ocorrência de um novo caso.

Uma análise de técnicos do Ministério da Agricultura concluiu, no início de março, que o episódio registrado em Marabá foi atípico —ocorrido por causas naturais em um único animal de nove anos de idade e com todas as providências sanitárias adotadas prontamente.

A medida foi anunciada pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que já está na China participando de negociações com autoridades do setor agropecuário.

A previsão é que sejam assinados pelo menos 20 acordos de cooperação com os chineses durante a viagem. Um dos principais é referente ao lançamento do satélite de monitoramento CBERS 6, a mais nova versão de um programa especial sino-brasileiro. Os técnicos alardeiam que o novo satélite consegue monitorar a floresta Amazônica mesmo em dias nublados.

Em outra frente, Lula deve visitar ainda a fábrica da Huawei, que gerou embates no governo do antecessor Jair Bolsonaro (PL) com os americanos a respeito da tecnologia 5G. O mandatário também deve se reunir com representantes da montadora chinesa BYD, que tem a intenção de produzir veículos elétricos na Bahia, após a saída da Ford do país.

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