Lideranças do Líbano formaram nesta sexta-feira (10) um novo governo, depois de mais de um ano sem um gabinete devidamente estabelecido e apto para dirigir o país.
O período foi marcado pela pior crise política e econômica desde a guerra civil de 1975 a 1990 e teve como gatilho a explosão catastrófica em Beirute em agosto de 2020.
O novo premiê é Najib Mikati, 65, um bilionário do setor das telecomunicações. Indicado ao cargo no final de julho, o magnata levou seis semanas —e ao menos dez reuniões com o presidente Michel Aoun— para conseguir completar a equipe de 24 ministros que agora devem administrar o país sob sua liderança.
Seu antecessor, Hassan Diab, renunciou seis dias após a tragédia na capital. Antes de Mikati, outros dois nomes incumbidos da mesma tarefa —Mustapha Adib e Saad Hariri— falharam na missão em meio ao complexo sistema libanês de divisão sectária do poder.
Cada grupo religioso no país tem direitos políticos específicos. O presidente é sempre um cristão maronita, enquanto o premiê é muçulmano sunita, e o líder do Parlamento, muçulmano xiita. As tensões, contudo, são constantes, e, ao longo do último ano, foram obstáculos à formação do gabinete.
Seguindo a tradição, Aoun (cristão maronita) e Mikati (muçulmano sunita) assinaram nesta sexta o decreto que estabelece o novo governo na presença do presidente do Parlamento, Nabih Berri (muçulmano xiita). A primeira reunião oficial de gabinete está marcada para a próxima segunda-feira (13).
O professor Salem Hikmat Nasser, da FGV (SP), explica que, tradicionalmente, há uma disputa forte entre os nomes indicados para primeiro-ministro e o presidente da República no que diz respeito à distribuição dos cargos na formação de um gabinete. O papel e a força que o presidente terá dentro de um novo governo também costumam suscitar atritos.
"Isso realmente demandava uma figura como o Mikati, que conseguiu formar o governo porque é justamente um nome antigo da política libanesa e um homem de muita habilidade, um negociador", analisa Nasser.
Para o especialista, a experiência do novo premiê é um fator importante para que ele possa interagir com o mundo e lidar com questões internas e externas que configuram a crise do país. "Mas isso não quer dizer que o problema está resolvido para o novo governo. Pelo contrário, ele vai ter que enfrentar questões bastante graves que, basicamente, representam o sufocamento do Líbano."
A estabilidade que o governo libanês almeja alcançar é crucial para o avanço de reformas que possam ajudar o país a emergir do colapso econômico que o Banco Mundial descreveu como um dos três piores do mundo desde o século 19. Nos últimos dois anos, a libra libanesa perdeu mais de 90% de seu valor em relação ao dólar americano, o desemprego foi às alturas e a pobreza arrastou 78% da população.
Ainda não estão claras as medidas imediatas que Mikati pretende adotar para ao menos frear o avanço da crise, mas ele disse que trabalhará para implementar projetos apresentados pela França —o país europeu administrou o Líbano enquanto colônia no início do século 20, e o presidente Emmanuel Macron teve participação ativa nas discussões políticas recentes.
Em pronunciamento na TV libanesa, o premiê se emocionou e ficou com a voz embargada ao descrever as dificuldades e o fenômeno de emigração provocados pela crise. Os setores bancário, médico e educacional do país, outrora celebrados pela excelência, sofreram grandes perdas nos últimos anos, pois os profissionais deixaram o país em busca de melhores salários e condições no exterior.
O cenário chegou a seu ponto mais crítico no mês passado, quando a maior parte do país foi atingida pela escassez de combustíveis. Houve extensos cortes no fornecimento de energia elétrica e longas filas nos postos de gasolina. O episódio desencadeou vários incidentes de segurança e acendeu, para a comunidade internacional, novos alertas de agravamento da situação dos libaneses.
O novo primeiro-ministro também pediu que as divergências políticas sejam deixadas de lado como condição para que ele tente retomar as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Até agora, a maioria das promessas de assistência da entidade, assim como de países como França e Estados Unidos, estava condicionada à formação de um novo governo e à implementação de medidas que aumentem a transparência do Líbano, onde a corrupção sistemática é um problema perene.
Mikati afirmou que as eleições parlamentares marcadas para maio de 2022 ocorrerão no prazo. Seu gabinete é formado por ministros com experiência técnica em suas respectivas funções. Em geral, não são políticos proeminentes, mas foram indicações das principais legendas libanesas.
O próprio Mikati já assumiu o leme do Líbano em duas ocasiões. Em 2005, tornou-se primeiro-ministro interino após a morte do então premiê Rafik Hariri, assassinado em um atentado a bomba em 2005. Em 2011, voltou ao poder e ali permaneceu por dois anos. Além disso, foi ministro das pastas de Obras Públicas e de Transportes em três gabinetes diferentes, entre 1998 e 2004.
Nascido em Trípoli, Mikati foi aluno da Universidade Harvard e começou a investir em telecomunicações ainda na década de 1970, durante a guerra civil. Fez fortuna e operou negociações bilionárias nos anos 2000. Segundo a revista Forbes, possui patrimônio líquido estimado em US$ 2,8 bilhões (R$ 14,6 bi).
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.