Papa Francisco amplia normas contra abuso sexual na Igreja Católica a laicos

Pontífice atualiza lei de 2019 e reafirma que adultos também podem ser vítimas; ONG fala que ação ainda é tímida

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São Paulo

O Vaticano publicou neste sábado (25) uma modificação da lei canônica voltada para os esforços de coibir o abuso sexual dentro da Igreja Católica. A atualização amplia a responsabilidade aos laicos que dirigem associações reconhecidas pela Santa Sé.

Em 2019, o papa Francisco tornou obrigatório que religiosos denunciem à hierarquia qualquer suspeita de abuso sexual.

O papa Francisco encontra fiéis da Igreja Católica no Vaticano
O papa Francisco encontra fiéis da Igreja Católica no Vaticano - Guglielmo Mangiapane - 23.mar.23/Reuters

Intitulado "Vocês São a Luz do Mundo", o texto da ocasião também exigia a denúncia de qualquer tentativa da hierarquia católica de encobrir abusos sexuais cometidos por um padre ou religioso.

A versão alterada e promulgada neste sábado —e que entrará em vigor em 30 de abril— confirma e reforça as regras de 2019. A norma prevê que religiosos, como bispos, padres e clérigos, são responsáveis pelos atos cometidos nas instituições sob sua responsabilidade e adenda que "os fiéis laicos que são ou foram líderes de associações reconhecidas de fiéis ou erguidas pela Sé Apostólica" também o são.

E há mais mudanças. O texto de 2019 dava ênfase aos menores e adultos tidos como "habitualmente" vulneráveis e alertava que era proibido produzir, possuir ou compartilhar pornografia infantil.

Já a versão de 2023 amplia a definição de vítimas e repudia qualquer ato de agressão cometido contra adultos ao detalhar que vulnerável é qualquer pessoa com deficiência física ou mental ou outra questão pessoal que, mesmo que ocasionalmente, limite sua capacidade de entender ou resistir a um crime de abuso sexual.

"Isso pode ser lido como mais uma manifestação de como a Igreja Católica cuida dos mais frágeis e fracos", disse o arcebispo Filippo Iannone, que lidera o escritório jurídico do Vaticano, a repórteres após o anúncio. "Qualquer um pode ser uma vítima, então tem de haver justiça. E se as vítimas são assim [adultos vulneráveis], temos o dever de intervir para defender sua dignidade e sua liberdade."

As novas normas abrangem líderes de organizações reconhecidas pelo Vaticano que são dirigidas por laicos, não apenas padres, após inúmeras acusações de que alguns deles abusavam de seus cargos para explorar sexualmente aqueles sob sua responsabilidade.

O texto estimula todas as dioceses do mundo a criarem um sistema que permita a qualquer pessoa denunciar abusos e detalha procedimentos das investigações internas no Vaticano para um possível julgamento.

Até o texto de 2019, padres, religiosos e religiosas denunciavam os casos apenas de acordo com sua consciência. Apesar dessa mudança, o segredo da confissão permanece inalterável: um padre ainda não pode relatar os fatos que um fiel lhe contou no confessionário.

Além disso, o novo texto reforça os apelos para salvaguardar "a legítima proteção da privacidade de todas as pessoas envolvidas", bem como a presunção de inocência para aqueles que estão sob investigação durante o período em que decorrem as apurações de responsabilidade.

Escândalos de abuso mancharam a reputação do Vaticano em muitos países e têm sido um grande desafio para o papa Francisco, que há dez dias completou uma década como líder da Igreja Católica.

O primeiro papa latino-americano da história aprovou uma série de medidas nos últimos dez anos com o objetivo de responsabilizar a hierarquia da igreja. Mas os críticos dizem que os resultados foram mistos e acusaram Francisco de relutar em exonerar abusadores.

A Bishop Accountability, ONG que documenta os abusos dentro da Igreja Católica, disse que a revisão anunciada neste sábado foi "uma grande decepção" e ficou aquém da extensa reformulação necessária.

A política "permanece autopoliciada, empacotada como responsabilidade", disse a codiretora Anne Barrett Doyle, acrescentando que os bispos continuam encarregados de investigar as alegações contra outros bispos.

Ao jornal americano The Washington Post, a diretora do grupo que ajuda vítimas e promove denúncias internacionais disse que havia sido prometido aos católicos que o mecanismo seria revolucionário, "um divisor de águas". "Mas, em quatro anos, não vimos nenhuma ação interna significativa, nenhuma mudança dramática", concluiu.

As disposições atualizadas foram divulgadas um mês depois que a ordem religiosa católica romana dos jesuítas disse que as acusações de abuso sexual, psicológico e espiritual contra um de seus membros mais proeminentes eram altamente confiáveis.

Cerca de 25 pessoas, a maioria ex-freiras, acusaram o padre Marko Ivan Rupnik, 69, de várias formas de abuso cometidos em sua terra natal, a Eslovênia, há cerca de 30 anos, e depois que ele se mudou para Roma.

Em fevereiro, um relatório concluiu que ao menos 4.815 crianças foram abusadas sexualmente por membros da Igreja Católica desde 1950 em Portugal. Os casos aconteceram em diversos contextos, como em seminários, sacristias, colégios internos, confessionários, grupos de escoteiros e casas de acolhimento ligadas à igreja. Cerca de 96% dos abusadores são do sexo masculino, e 77%, padres.

Na França, por sua vez, uma comissão independente afirmou em um relatório de 2021 que a Igreja Católica abrigou entre 2.900 e 3.200 pedófilos nas últimas sete décadas

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