Israel cerca leste de Rafah após fracasso em negociar cessar-fogo

EUA afirmam que uso feito por Tel Aviv de armas fornecidas por Washington pode ter violado legislação internacional

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São Paulo

Após novo fracasso nas negociações para estabelecer um cessar-fogo na guerra que devasta a Faixa de Gaza, tropas de Israel avançaram nesta sexta-feira (10) sobre Rafah, cidade no sul do território palestino superlotada de pessoas que foram forçadas a se deslocar. Segundo analistas militares, as forças de Tel Aviv cercaram a metade leste do município, anteriormente considerado o último refúgio no conflito.

Testemunhas afirmaram que tanques israelenses foram posicionados na estrada principal que divide Rafah. Relataram também disparos de artilharia e ataques aéreos intensos. As ofensivas ocorreram após as delegações de Israel e do Hamas, em conflito há sete meses, abandonarem os diálogos no Egito.

Homem tira foto de coluna de fumaça após bombardeio israelense em Rafah, no sul da Faixa de Gaza - AFP

O avanço israelense ocorre a despeito do temor manifestado por líderes globais de que a ação iria aprofundar a crise humanitária na região. Foi para Rafah que centenas de milhares de palestinos fugiram após o início da ofensiva de Israel no norte do território, e era para lá que o Exército de Tel Aviv exigia que os deslocados se movessem —segundo estimativas, cerca de 1,5 milhão de pessoas estão na cidade.

Em relatório ao Congresso, o governo de Joe Biden afirmou que o uso que Israel fez de armamentos fornecido pelos EUA pode ter violado a legislação internacional. Embora não seja conclusiva, a sugestão mostra forte crítica ao aliado da gestão do democrata, que já barrou o envio de novas armas a Tel Aviv.

"É razoável avaliar que os artigos de defesa abrangidos pelo NSM-20 [sigla para memorando de segurança nacional] têm sido utilizados pelas forças de segurança israelenses desde 7 de outubro em situações inconsistentes com suas obrigações relativas à legislação humanitária internacional ou com as melhores práticas estabelecidas para mitigar danos civis", disse o Departamento de Estado no relatório, acrescentando que Tel Aviv não compartilhou informação completa para verificar a suposição de que as armas foram usadas em possíveis violações.

Na quarta-feira (8), em uma entrevista à CNN, Biden admitiu pela primeira vez que armas americanas vêm sendo utilizadas para matar civis em Gaza.

O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, afirma que as ofensivas são necessárias para eliminar os últimos redutos do Hamas em Gaza. Nesta sexta, moradores descreveram explosões e tiroteio constantes a leste e nordeste da cidade, que seriam resultados de combates entre as forças israelenses e terroristas. Líderes da facção disseram ter feito uma emboscada contra tanques perto de uma mesquita que fica próxima à área urbana, em um sinal de que Tel Aviv chegou perto das regiões mais povoadas.

"Nenhuma parte de Rafah é segura, projéteis de tanques de guerra caem por todas as partes desde ontem", disse Abu Hassan, morador de Tel al-Sultan, parte oeste da cidade, à agência Reuters. "Estou tentando sair, mas não posso pagar 2.000 shekels [mais de R$ 2.700] para comprar uma tenda para minha família."

O Exército de Israel afirmou que suas forças localizaram túneis que estariam sendo usados pelo Hamas no leste de Rafah e que suas tropas mataram vários integrantes do grupo terrorista. Já na região norte de Gaza, quatro soldados de Tel Aviv morreram após a detonação de um artefato explosivo, aumentando o número de baixas militares israelenses para 271 desde o início do conflito.

Do lado palestino, 34,9 mil pessoas foram mortas até esta sexta, segundo o Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas. A guerra começou após um mega-atentado da facção que matou cerca de 1.200 pessoas em Israel e fez 200 reféns, muitos dos quais continuam em Gaza.

Israel já havia começado o cerco de Rafah pelo sul. Na terça (7), blindados capturaram e fecharam a única passagem entre o território e o Egito. O avanço desta sexta até a estrada Salah al-Din, que corta Gaza, completou o cerco da chamada zona vermelha, onde moradores receberam ordens para sair.

Antes, na segunda (6), Israel orientou que essa parte da cidade fosse esvaziada para uma ofensiva terrestre. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima em 100 mil o número de pessoas que já deixaram Rafah, enquanto o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês) calcula que o total supera os 110 mil.

O diretor do Ocha para Gaza, Georgios Petropoulos, afirmou que a situação no território atingiu um nível de "emergência sem precedentes". "Quase 30 mil pessoas fogem da cidade a cada dia. E a maioria dessas pessoas já teve de se deslocar cinco ou seis vezes."

Segundo o escritório, nenhum caminhão com ajuda humanitária entrou no território desde segunda, um dia depois de Israel fechar a passagem de Kerem Shalom, no sul de Gaza, após um ataque do Hamas no local matar soldados israelenses. Com a tomada do posto de Rafah na terça, apenas uma via —a de Erez, no norte— permaneceu aberta.

A ofensiva do grupo terrorista em Kerem Shalom enterrou as negociações por uma trégua. Nesta sexta, o Hamas disse que os esforços para chegar a um cessar-fogo estavam de volta ao ponto de partida depois que Israel rejeitou uma proposta que o grupo havia aceitado, na última segunda.

"À luz do comportamento de Netanyahu, da rejeição do documento elaborado por mediadores, do ataque a Rafah e da ocupação da passagem, a liderança do movimento fará consultas com irmãos das facções palestinas para revisar nossa estratégia de negociação", disse o Hamas, mencionando o premiê de Israel.

Apesar do fracasso na mais recente rodada de negociações, John Kirby, porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, afirmou que os EUA ainda consideram possível um acordo para cessar-fogo em Gaza desde que as partes ajam com coragem e boa-fé. Ao mesmo tempo, Washington voltou a manifestar preocupação com as ofensivas israelenses em curso na região de Rafah.

Em tom mais duro, a África do Sul pediu à CIJ (Corte Internacional de Justiça) novas medidas de urgência contra Israel devido a supostas intervenções militares que impedem a entrada de ajuda para os palestinos em Rafah.

Trata-se da terceira vez desde dezembro que o país africano pede medidas contra Israel na mais alta instância judicial da ONU. Em janeiro, a CIJ exigiu que Israel evitasse qualquer ato de genocídio em Gaza e permitisse a entrada de ajuda humanitária —a decisão frustrou palestinos e analistas, que esperavam uma ordem de cessar-fogo imediato.

Também nesta sexta, o Hamas disparou foguetes contra Beersheba, no sul de Israel, pela primeira vez desde dezembro. Um dos artefatos foi interceptado, enquanto os outros quatro atingiram áreas abertas. Uma mulher de 37 anos ficou levemente ferida em razão de estilhaços, segundo autoridades locais.

Com AFP e Reuters

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