Descrição de chapéu África

General líder do Sudão descarta trégua em conflito que já matou 330 pessoas

Solução militar é a única possível, diz Burhan em sexto dia de conflito

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São Paulo

O general Fatah al-Burhan, líder do Sudão, descartou uma trégua nos combates que tomaram o país enquanto o grupo paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido, em português) continuar "fechando rodovias e impedindo a livre circulação das pessoas". "Não há opção senão a solução militar", afirmou o militar à emissora Al Jazeera nesta quinta (20). "Uma trégua real não pode ser implementada nessas condições."

Sudaneses fogem de seus bairros em meio a combates entre o Exército e paramilitares na capital, Cartum - AFP

Horas antes, o líder da RSF, Mohamed Hamdan Dagalo, disse à mesma rede de TV que estava pronto para implementar uma trégua durante o Eid al fitr, feriado islâmico que marca o fim do período de jejum do Ramadã —neste ano, a celebração será na sexta. "Estamos falando de trégua, de corredores humanitários. Não estamos falando de se sentar com um criminoso", disse Hemedti, como ele é conhecido.

Após videoconferência com chefes da União Africana e da Liga Árabe, o secretário-geral da ONU, António Guterres, também pediu nesta quinta um cessar-fogo durante o feriado muçulmano para que civis saiam das zonas de confito e tenham acesso a "tratamento médico, alimentos e outros suprimentos essenciais".

Essa é mais uma das divergências dos antigos aliados que, juntos, derrubaram a ditadura de 30 anos de Omar al Bashir em 2019 e, agora, mergulharam o Sudão em uma onda de violência que já matou 330 pessoas e feriu outras 3.200 desde o último sábado (15), segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde). As Nações Unidas classificaram a situação atual do país de catástrofe humanitária.

A despeito de apelos da comunidade internacional, as tentativas de cessar-fogo falharam em sequência, enquanto sudaneses fogem do país em meio a combates. Nesta quinta, milhares de pessoas cruzaram para o vizinho Chade para fugir da violência na região de Darfur —ainda marcada por um conflito que terminou há três anos—, e outros milhares deixaram Cartum, uma das maiores áreas urbanas da África.

"Às 4h30 fomos acordados com o barulho dos ataques aéreos. Fechamos todas as portas e janelas por medo de alguma bala perdida", afirmou à agência de notícias AFP Nazek Abdalá, 38, morador da capital. Outro habitante de Cartum relatou que alguns bairros do centro cheiravam a cadáveres.

Os que tentam sair precisam passar por corpos, tanques e caminhões nas ruas, evitando as áreas mais perigosas da cidade de onde sobem espessas colunas de fumaça. Ao chegar à fronteira, os sudaneses passam ainda por revistas de soldados da RSF e do Exército. Em meio a esse cenário, o Egito conseguiu, graças à mediação dos Emirados Árabes Unidos, repatriar 177 de seus soldados que estavam em uma base aérea no norte do Sudão. O Exército sudanês havia dito inicialmente que eles haviam sido capturados pelos paramilitares, mas depois mudou a declaração. Outros 27 soldados egípcios foram entregues à Cruz Vermelha Sudanesa e aguardam o repatriamento da embaixada em Cartum.

Em Genebra, a OMS pede aos combatentes a abertura de um corredor seguro para médicos e civis. As potências internacionais engrossam o coro da organização enquanto tentam transportar seus cidadãos depois que o aeroporto e os arredores das embaixadas foram impactados pela violência.

Os EUA, por exemplo, preparam-se para enviar tropas para sua base no vizinho Djibuti no caso de um eventual resgate, segundo afirmou uma autoridade à Reuters, e o Ministério da Defesa do Japão enviou aeronaves de transporte militar para retirar 63 de seus cidadãos. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, pediu a ambos os lados o fim dos combates e o retorno às negociações, segundo nota da Presidência, enquanto a França foca o cessar-fogo, de acordo com o porta-voz da chancelaria francesa.

"O derramamento de sangue no Sudão não pode continuar", escreveu o ministro das Relações Exteriores britânico, James Cleverly, no Twitter. "O Reino Unido pede o fim imediato dos combates e um cessar-fogo duradouro." Ele cancelou uma viagem a Samoa para se concentrar na coordenação da resposta à crise.

Quem fica não consegue saber qual força comanda as instituições do país em meio à guerra de versões das facções e lida com apagões, falta de água, alimentos e combustível. Segundo analistas, a RSF tem até 100 mil soldados, enquanto o Exército conta com aviões de artilharia e caças e lidera o acesso a Cartum.

"Não há comida, os mercados estão vazios. A situação não é segura, então as pessoas estão indo embora", disse um morador de Cartum que se identificou apenas com seu primeiro nome, Abdelmalek. Um litro de combustível custa agora US$ 10 (R$ 50,46), em um dos países mais pobres do mundo.

Segundo médicos à AFP, há relatos de bombardeios em hospitais, que já sofriam com a falta de insumos. Em cinco dias, "70% dos 74 hospitais de Cartum e das áreas afetadas pelos combates ficaram fora de serviço", de acordo com um sindicato de médicos. Ao jornal nipo-britânico Financial Times Burhan acusou os combatentes de saquear e atacar diplomatas estrangeiros e trabalhadores humanitários. Durante o conflito, três funcionários do Programa Mundial de Alimentos da ONU foram mortos em Darfur, o que levou o órgão a interromper suas operações no país —cerca de um quarto da população enfrenta fome aguda.

Washington disse ter indícios preliminares de que o RSF estava por trás de um ataque a seus diplomatas, e testemunhas afirmam que homens armados do grupo paramilitar estiveram envolvidos em saques e ataques a trabalhadores humanitários. A violência que se intensificou nos últimos dias não começou no último sábado. Mais de 120 civis morreram na repressão contra as manifestações pró-democracia dos últimos 18 meses. O início dos confrontos, porém, foi o ponto máximo das divergências entre os líderes do Exército e as RSF —eles não chegaram a um acordo sobre como integrar a milícia às Forças Armadas.

Com Reuters e AFP

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