Tumulto no Iêmen, em guerra há 8 anos, deixa 85 mortos em ação de caridade

Episódio ocorreu durante doação de cerca de R$ 40 em escola; país vive crise humanitária negligenciada

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São Paulo

Um tumulto em Sanaa, capital do Iêmen, país que vive uma guerra civil há oito anos, deixou ao menos 85 pessoas mortas e mais de 300 feridas nesta quarta (19), segundo informações fornecidas por um oficial rebelde à agência de notícias AFP sob condição de anonimato.

De acordo com as poucas informações disponíveis, a ação envolveria a doação de cerca de US$ 8 (R$ 40) a cada pessoa presente em uma escola da região. A certa altura, tiros foram disparados, o que levou a um tumulto durante o qual pessoas foram pisoteadas e asfixiadas.

Pessoas ficam prensadas em tumulto na cidade de Sanaa, no Iêmen
Pessoas ficam prensadas em tumulto na cidade de Sanaa, no Iêmen - Al Masirah TV/via Reuters TV/Handout via Reuters

Ainda de acordo com o que o oficial houthi —grupo xiita que controla a região da capital— disse à AFP, há crianças e mulheres entre os mortos. Oficialmente as cifras do governo local falam ainda em 78 mortos e 77 feridos, sendo ao menos 13 em estado crítico de saúde.

O Iêmen é a nação mais pobre da península arábica e vive uma longa guerra de mais de oito anos que opõe rebeldes houthis apoiados pelo Irã contra o governo apoiado por uma coalizão militar que tem à frente a Arábia Saudita. Especialistas salientam que se trata de uma guerra por procuração entre Riad e Teerã.

A ação de caridade, de iniciativa privada, tinha como objetivo distribuir dinheiro à população local para o feriado do Ramadã, muito importante no calendário muçulmano. Segundo o Ministério do Interior, três pessoas foram presas suspeitas de causar o tumulto.

Após o episódio, era possível ver centenas de roupas e sapatos no local, abandonados ou retirados de seus donos no tumulto. Havia também muletas, e policiais investigavam o local durante essa quinta (20).

À agência Reuters um médico relatou que, quando a porta da escola foi aberta, houve grande correria de pessoas para chegar primeiro ao pátio da escola. Algumas caíram na escadaria que dá acesso ao local, onde horas depois foram expostas vestimentas das vítimas.

"Havia uma multidão. Se jogaram em cima de mim e me machucaram", disse ao canal de televisão houthi Al Masirah um menino ferido, que falava da cama do hospital onde está internado.

Roupas das vítimas em escadaria da escola onde tumulto ocorreu na capital Sanaa
Roupas das vítimas em escadaria da escola onde tumulto ocorreu na capital Sanaa - Divulgação via AFP

Mais de dois terços da população do Iêmen de cerca de 33 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza e precisam de assistência humanitária. O Programa Mundial de Alimentos da ONU ajudava a alimentar ao menos 13 milhões no país, mas a falta de financiamento, impulsionada pela escassa atenção da comunidade global ao conflito, reduziu suas atividades.

O plano humanitário das Nações Unidas exige algo em torno de US$ 4,3 bilhões neste ano para poder ajudar mais de 17 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade no país. Mas, segundo um funcionário da organização informou à Reuters, até março apenas 25% dessa quantia haviam sido repassados por doadores internacionais à ONU.

Há um ano, uma trégua mediada pela ONU foi estabelecida na região, e diálogos estão sendo travados pela Arábia Saudita e pelos rebeldes houthis em busca de um cessar-fogo permanente. A expectativa de diminuir a tensão cresceu em março, quando Riad e Teerã concordaram em restaurar laços diplomáticos até então rompidos.

Uma das consequências do conflito é o deslocamento interno de cidadãos. Estima-se que mais de 4,5 milhões estejam longe de suas casas para fugir das hostilidades, número que inclui 2 milhões de crianças, muitas vezes forçadas a se mudar com suas famílias mais de uma vez.

A guerra civil destruiu a economia local, e hoje estima-se que cerca de 80% das pessoas vivam na pobreza. A insegurança alimentar é impulsionada pelo aumento do preço dos alimentos no mercado global mas também por recorrentes bloqueios, que impedem a chegada de mantimentos.

O conflito destruiu, ainda, infraestruturas fundamentais para o funcionamento de serviços básicos. Milhões de crianças não têm acesso a água potável, saneamento e higiene, o que aumenta a vulnerabilidade do país a surtos de doenças muitas vezes evitáveis por meio da imunização. Segundo um relatório da ONU de 2022, apenas metade das unidades de saúde do país estava operando.

Com AFP e Reuters

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