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Livro póstumo de Domenico Losurdo insiste em caráter imperialista dos EUA

Em 'Imperialismo e Questão Europeia', lançado no Brasil, filósofo italiano denota maneira meio cômoda de ver as coisas

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São Paulo

O filósofo italiano Domenico Losurdo (1941-2018) foi um marxista à moda antiga. O que é uma certa vantagem. Sabemos desde o início a consistência e a direção dos trilhos que ele percorre. E o seu percurso é teoricamente de alta previsibilidade.

"Imperialismo e Questão Europeia" é um livro póstumo que sai agora no Brasil pela Boitempo Editorial. Um dos pontos biográficos de Losurdo está em sua dupla condição de professor na Universidade de Urbino e de filiado ao Partido Comunista Italiano, no qual foi dirigente e membro do Comitê Central.

Homem idoso sentado lê um livro que mesmo escreveu sobre a Revolução Russa
O filósofo italiano Domenico Losurdo em visita a São Paulo, em 2017, para lançar o livro 'Guerra e Revolução' - Boitempo/Divulgação

Aí estaria um mero dado curioso se não existisse um claro antagonismo entre a ortodoxia de Losurdo e a política de abertura teórica exercida então pelo PCI.

Entre 1972 e 1984 o partido esteve sob o comando de Enrico Berlinguer, um dos teóricos do chamado "eurocomunismo" (versão light do marxismo) e autor do projeto de "compromisso histórico". Esse compromisso teria consistido em aliar o PCI à Democracia Cristã para dar um maior dinamismo à política italiana. Pois bem, tal mecanismo, no qual o interlocutor da DC foi Aldo Moro, sequestrado e morto pelos terroristas das Brigadas Vermelhas, supunha a preservação das alianças militares da Itália.

Entre elas, a principal foi e ainda é a Otan, aliança militar liderada pelos EUA. Ora, Losurdo insiste no caráter "imperialista" dos norte-americanos e na impossibilidade de conciliação desse atributo com a tradição política descendente do leninismo, da qual o autor foi um inequívoco e tardio porta-voz.

É como se o Instituto de Ciências Filosóficas e Pedagógicas da Universidade de Urbino estivesse sob um regime de extraterritorialidade teórica, como guardião de uma linha dura marxista que convivia com o PCI –que aliás possuía nos anos 1970 uma forte oposição política de esquerda, o grupo Il Manifesto, mas que tampouco via no marxismo um objeto literal de leitura, espécie de guia teológico para interpretar o mundo.

Capa do livro 'Imperialismo e Questão Europeia', de Domenico Losurdo, edição da Boitempo Editorial - Reprodução

Apesar disso, o pensamento de Losurdo é brilhante e sofisticado ao sair do marxismo e passear pela história das ideias. É notável o capítulo em que ele descreve o liberalismo inglês do século 18 como uma das fontes do racismo e da justificativa da escravidão. Ou então quando ele cita observações de David Hume (1711-1776), para quem as nações europeias "nutrem sentimentos de liberdade e equidade", o que não aconteceria com os negros africanos.

Num segundo momento, essa cultura branca está presente também nos EUA, com a exclusão dos escravizados negros e ameríndios. Essa certeza de que "somos melhores do que os outros", em termos étnicos, estaria para Losurdo em uma das raízes do imperialismo.

O colonialismo foi outro instrumento explícito de dominação, mas o livro procura situar antigas metrópoles, como França e Bélgica, no quadro da União Europeia, uma associação de Estados, a seu ver, subordinada aos interesses internacionais de Washington.

É uma maneira meio cômoda de ver as coisas. Losurdo já havia morrido quando a Rússia invadiu no ano passado a Ucrânia. Mas ele ainda estava vivo quando, em 2014, Moscou anexou a península da Crimeia. É claro que está errado. Mas não seria imperialismo, qualificativo reservado por ele somente aos EUA?

O livro também traz outra estranheza. O primeiro artigo –a edição é formada por fragmentos redigidos em diferentes datas– traz o elogio do ex-primeiro-ministro chinês Xu Enlai, que enviou telegrama de pêsames ao então presidente francês Georges Pompidou, em razão da morte do general Charles de Gaulle.

Não haveria nisso nada de errado se a França, naquela época (1970), não estivesse vivendo a ressaca da revolta estudantil de Maio de 1968. E também se a política francesa não estivesse vivendo um momento de altíssima polarização, com as esquerdas –o socialista Mitterrand e o comunista Marchais– não se bicando com De Gaulle e Pompidou.

Xu Enlai não raciocinava como político com afinidades partidárias na Europa. Raciocinava como chefe do regime chinês, obrigado a se dar bem com a direita francesa. Mas para o pensador da esquerda italiana a moral dessa história é outra. Tratava-se de acariciar a direita gaullista que, por sua vez, disputava espaço político com os EUA.

Por fim, Losurdo afaga com rápidas menções os regimes ou lideranças que foram antagônicos aos norte-americanos. Numa breve passagem, ele cita Irã, Síria e Líbia, "para não falar na Palestina", colocada sob o mesmo "eixo de agressão" integrado por EUA e Israel. Pois é. Israel também foi para o trono dos culpados.

Imperialismo e Questão Europeia

  • Preço R$ 63,20 (pré-venda); 264 págs.
  • Autor Domenico Losurdo
  • Editora Boitempo Editorial
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