Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Mães ucranianas se juntam em jornada para buscar filhos levados pela Rússia

Estima-se que milhares de crianças tenham sido deslocadas, movidas ou transferidas à força; caso pode configurar genocídio

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Carlotta Gall Oleksandr Chubko
Fronteira entre Belarus e Ucrânia

Após as tropas russas retirarem à força o filho adolescente de Natalia Jornik de sua escola, ela não tinha ideia de onde ele estava ou o que havia acontecido com ele durante semanas. Então veio um telefonema.

"Mãe, venha me buscar", disse seu filho, Artem, 15. Ele se lembrou do número de telefone da mãe e pegou emprestado o celular do diretor da escola. Jornik fez uma promessa ao menino: "Quando o conflito se acalmar, eu irei". Artem e uma dúzia de colegas de escola foram carregados por tropas russas e transferidos para uma escola mais distante na Ucrânia ocupada pelos russos.

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Denis Zaporojtchenko se reúne com seus filhos, Daiana, Iana e Nikita, em Kiev, na Ucrânia - Daniel Berehulak - 22.mar.23/The New York Times

Embora Jornik, 31, tenha ficado aliviada ao saber onde seu filho estava detido, buscá-lo não seria fácil. Eles estavam em lados diferentes da linha de combate da guerra, e as passagens de fronteira da Ucrânia para o território ocupado pela Rússia estavam fechadas.

Meses depois, porém, quando uma vizinha trouxe de volta um dos colegas de seu filho, Jornik soube que uma instituição de caridade estava ajudando as mães a trazer seus filhos para casa.

Em março, um grupo de mulheres —homens em idade militar não podem deixar o país— assistido pela Salvem a Ucrânia fez uma jornada de 4.800 km que passou por Polônia, Belarus e Rússia. Para resgatar Artem e outras 15 crianças, entraram no território ocupado pelos russos no leste da Ucrânia e na Crimeia.

Nos 13 meses desde a invasão, milhares de crianças ucranianas foram deslocadas, movidas ou transferidas à força para campos e instituições russos ou territórios controlados pelo país, no que a Ucrânia e os defensores dos direitos humanos classificam de crime de guerra.

O destino dessas crianças se tornou uma disputa desesperada entre Ucrânia e Rússia e foi a base de um mandado de prisão emitido no mês passado pelo Tribunal Penal Internacional acusando Vladimir Putin e Maria Lvova-Belova, sua comissária para direitos das crianças, de transferi-las ilegalmente.

Uma vez sob controle russo, as crianças estão sujeitas a reeducação, criação e adoção por famílias russas –práticas que tocaram um ponto sensível, mesmo em meio à carnificina que matou e deslocou tantos ucranianos. Autoridades ucranianas e organizações de direitos humanos descreveram essas remoções forçadas como um plano para roubar uma geração de jovens da Ucrânia, transformando-os em cidadãos russos leais e erradicando a cultura ucraniana a ponto de cometer um genocídio.

Meses de medo e ansiedade

Ninguém sabe o número total de crianças ucranianas transferidas para a Rússia ou para a Ucrânia ocupada. O governo de Kiev identificou mais de 19 mil crianças que teriam sido transferidas ou deportadas à força, mas estimativas apontam que o número real está próximo de 150 mil.

A Rússia defendeu a transferência das crianças como um esforço humanitário para resgatá-las da zona de guerra, mas se recusou a cooperar com a Ucrânia ou com organizações internacionais para rastrear muitas delas. Depois que o TPI emitiu o mandado de prisão para Lvova-Belova, o país disse que os parentes estavam livres para buscar seus filhos, mas que apenas 59 estavam esperando para ir para casa —alegação que as autoridades ucranianas consideraram absurda.

Para os milhares de crianças que foram transferidos, algumas de lares desfeitos e famílias desfavorecidas, ficar longe de casa por tanto tempo tem sido uma provação. Algumas choram quando ligam para casa e não podem falar à vontade, disseram seus pais.

Os responsáveis, já vivendo as dificuldades da ocupação russa, do deslocamento e dos bombardeios, tiveram que suportar meses de ansiedade, temerosos de que seus filhos fossem mandados para longe ou entregues para adoção na Rússia.

Ainda há a culpa. Alguns tinham enviado os filhos para acampamentos de verão na Crimeia, tendo a certeza de que retornariam em duas semanas. Outros simplesmente cederam à pressão de oficiais e de soldados para deixar seus filhos serem levados. Todos se culparam quando não foram devolvidos.

"Eu me senti completamente perdida, me culpava", diz Iulia Radzevilova, que trouxe seu filho, Maksim Martchenko, 12, para casa em março, depois que ele passou cinco meses num acampamento na Crimeia. "Ninguém me apoiou. Família, pais, amigos começaram a me acusar."

Mas outras crianças foram transferidas sem aviso ou, como Artem, simplesmente desapareceram. O garoto tinha viajado para sua escola em Kupiansk em 7 de setembro –no momento em que as tropas ucranianas estavam expulsando a ocupação russa– para recuperar os documentos de que precisava para a faculdade. Nenhum ônibus voltou naquele dia, então ele pernoitou. No dia seguinte, tropas russas apareceram e embarcaram o jovem com outros estudantes em caminhões militares.

"Eles eram russos, em uniformes camuflados, com fuzis Kalashnikov", disse Artem. Ele pensou em fugir pulando o muro da escola, mas professores garantiram que todas as crianças subissem a bordo.

Como ele não voltou para casa, sua mãe tentou ir a Kupiansk para encontrá-lo, mas voltou sob forte bombardeio. Durante três semanas, não houve eletricidade ou serviço telefônico em sua aldeia devido aos combates. Sem saber o paradeiro dele, a mãe o registrou na polícia como desaparecido.

Então veio o telefonema. O jovem disse que ele e seus colegas, de 7 a 17 anos, foram levados a um internato em Perevalsk, no leste da Ucrânia ocupado pela Rússia. Ele estava a apenas algumas horas de carro, mas em território fechado pela guerra. "Foi difícil", diz ela, balançando a cabeça, "muito difícil."

Procurando uma criança com autismo

Do outro lado do país, no sul da Ucrânia, Olha Mazur enfrentou uma busca ainda mais difícil. Seu filho, Oleksandr Tchugunov, 16 –Sacha–, morava numa escola residencial para crianças com deficiência em Olechki, do outro lado do rio Dnieper na cidade de Kherson, onde ela morava. Sacha é autista e não fala.

Ela viu o filho há cerca de seis meses. Kherson ainda estava ocupada, e um diretor russo havia sido encarregado de sua escola. Então a ponte sobre o Dnieper foi bombardeada, e ela não pôde mais viajar para vê-lo. Em novembro, Mazur viu uma lista na internet com o nome dele entre as crianças transferidas para a Crimeia pelos russos. Ela ficou aliviada e preocupada ao mesmo tempo. "Sou grata por ele estar vivo", diz, mas a escola nunca a informou o que estavam fazendo, e Sacha não tinha como se comunicar.

Os pais das crianças em vários acampamentos de verão e escolas começaram a saber por telefonemas de seus filhos que as escolas os deixariam ir para casa, mas apenas se os pais fossem buscá-los pessoalmente. Poucas mães, se é que alguma, tinham meios para fazer tal jornada. Mas há vários grupos de assistência ajudando a fazer exatamente isso, e Jornik ouviu falar de um deles, o Salvem a Ucrânia.

Fundado após o ataque das forças russas em 2014, o grupo foi criado para transportar crianças e suas famílias de áreas ocupadas e locais de combate intenso para abrigos ou novos lares. Depois que crianças ficaram presas em território ocupado pela Rússia, o grupo começou a organizar missões de resgate.

As mães partiram na longa jornada de 4.800 km. Tiveram que enfrentar fronteiras hostis e checagens policiais ao longo da rota, que incluiu um voo da Belarus para Moscou, com nove horas de interrogatório de oficiais de imigração. De Moscou, dirigiram mais de 1.600 km até a Crimeia.

Jornik se separou do grupo para ir a Perevalsk buscar Artem. Depois o grupo viajou de volta pela mesma rota e chegou à Ucrânia por meio da Belarus.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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