O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, anunciou nesta quarta-feira (26) uma reformulação na equipe ministerial após pedir a renúncia de todo o seu gabinete devido a dificuldades que enfrenta para aprovar suas propostas de reformas no Congresso. As mudanças configuram a maior crise da primeira gestão de esquerda do país latino-americano, no poder há menos de nove meses.
Sem citar nomes, o presidente sugeriu falta de cooperação do que chamou de lideranças políticas tradicionais. "Apesar do meu gabinete, e o compromisso com o diálogo e o pacto, ter sido rejeitado por algumas lideranças políticas tradicionais e pelo establishment, vamos persistir com nosso programa e nossa vocação de grandes acordos", escreveu Petro em nota divulgada nas redes sociais.
A troca mais contestada aconteceu no Ministério da Fazenda. O economista Ricardo Bonilla substitui no comando da pasta José Antonio Ocampo, acadêmico de Harvard e Yale que havia sido escolhido pelo presidente colombiano em um aceno ao mercado.
Bonilla é velho conhecido do presidente. Atual diretor do banco de desenvolvimento Findeter, o economista foi secretario do Tesouro de Bogotá na época em que Petro foi prefeito da capital, de 2012 a 2015. A mudança, contudo, gerou incertezas, e o peso colombiano se desvalorizou 2,8% frente ao dólar.
Outros seis ministros foram substituídos. Assumem as pastas Jhenifer Mojica (Agricultura), Luis Fernando Velasco (Interior), Guillermo Alfonso Jaramillo (Saúde), Yesenia Olaya (Ciência), Mauricio Lizcano (Tecnologia e Informação) e William Camargo (Transporte). Além deles, o presidente também nomeou Carlos Ramón Gonzáles como diretor do Departamento Administrativo da Presidência.
A reforma dividiu os parlamentares da base aliada. Em comunicado, o Partido Verde informou que a mudança tem respaldo. Já o presidente do Senado, Roy Barreras, disse que os gestos de Petro geram uma crise inédita no país. "Não lembro de um presidente decretar a morte de sua coalizão de governo tão prematuramente", disse o parlamentar do partido governista à rádio RCN.
Embora pareça radical, a estratégia não é estranha a Petro. Em 2012, quando era prefeito de Bogotá, ele pediu a renúncia de todos os seus secretários no momento em que completava seis meses de gestão. À época, afirmou ao jornal El Tiempo que era necessário assumir riscos, já que a discussão sobre o seu então Plano de Desenvolvimento Distrital estava em andamento.
Petro já havia sinalizado na terça (25) uma grande mudança. No Twitter, afirmou que o "convite para um pacto social pela mudança" proposto por seu governo foi rejeitado por um grupo que "não percebeu que a sociedade exige seus direitos".
Ele anunciou ainda o fim da coalizão governista no Congresso, creditando a decisão a líderes de partidos que a compunham. "Apesar do voto da maioria nas urnas pedindo mudanças na Colômbia, eles tentam fechar a coalizão com ameaças e sectarismo", escreveu. "Tal situação nos leva a repensar o governo."
O presidente também havia demonstrado sua insatisfação em um evento para entrega de terras na cidade de Zarzal, no oeste colombiano. "Acho que o governo deve se declarar já em estado de emergência. Um governo de emergência que tenha funcionários que trabalhem dia e noite, cujo coração esteja a favor das pessoas humildes, não simplesmente de ganhar salário e comissões, e que seja capaz de superar os enormes desafios que nos pedem no campo. Já não podemos esperar mais."
No centro da controvérsia está a proposta de um novo sistema de saúde apresentada pelo governo, uma das principais apostas de Petro para agradar seu eleitorado de esquerda. O foco do debate é a administração das EPS, ou Entidades Promotoras de Saúde —espécies de intermediadoras privadas entre o Sistema Geral de Saúde do país e os cidadãos. A reforma quer diminuir o poder dessas entidades e aumentar o papel do órgão que administra publicamente os recursos. As mudanças, de acordo com o governo, pretendem corrigir discrepâncias territoriais no acesso à saúde.
Na terça, Petro conseguiu uma vitória com o projeto, que foi aprovado em uma comissão da Câmara dos Deputados na primeira das quatro votações pelas quais precisa passar. O êxito, porém, veio com um sinal amarelo —foram dez votos a favor e oito contra, uma margem estreita que se deve, além de tudo, à ausência de três congressistas da base do governo que não apoiavam a proposta.
A mesma reforma na Saúde já havia levado Petro a demitir seu ministro da Educação, Alejandro Gaviria, no final de fevereiro. O ex-reitor da Universidade dos Andes havia produzido um documento contra o projeto junto aos titulares das pastas da Fazenda e da Agricultura —na época, porém, os últimos mantiveram seus cargos. Além de Gaviria, outras duas ministras também foram demitidas na época: a campeã olímpica María Isabel Urrutia, então chefe da pasta de Esportes, e a dramaturga Patricia Ariza, da Cultura.
Em outras frentes, o governo enfrenta grandes desafios. Na terça, o presidente precisou equilibrar pratos após o principal opositor da ditadura venezuelana de Nicolás Maduro, Juan Guaidó, aterrissar em solo colombiano —ele pretendia participar de uma conferência internacional em Bogotá para destravar as negociações entre situação e oposição no vizinho. O encontro, porém, não tinha convidados do regime nem da oposição, e Guaidó acabou voando para Miami, nos EUA, após sua entrada irregular na Colômbia.
"A perseguição da ditadura —do governo de Nicolás Maduro— lamentavelmente se estendeu hoje à Colômbia", disse o opositor em vídeo filmado dentro de um avião e publicado em sua conta no Twitter.
Petro também encara tensões em seus planos de desarmar a última guerrilha ativa na Colômbia, parte de sua política de "paz total". No final de março, um ataque do ELN (Exército de Libertação Nacional) deixou ao menos nove militares mortos e nove feridos em El Carmen, no norte, colocando em xeque as conversas.
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