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Protestos na França sucedem fracasso em negociações e violência policial crescente

Nova jornada de atos ocorre nesta quinta (6) e aprofunda insatisfação com governo de Emmanuel Macron

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Toulouse (França)

A nova jornada de protestos contra a impopular reforma da Previdência do governo de Emmanuel Macron acontece nesta quinta-feira (6) em um clima de cisão nas instituições e nas ruas.

Primeiro porque fracassou a tentativa de negociação entre governo e lideranças sindicais que poderia colocar fim ao movimento grevista. Segundo porque os embates entre policiais e manifestantes nas ruas do país, cada vez mais brutais, entraram na pauta parlamentar e da sociedade civil organizada. As ações, suspeita-se, configurariam uso político das forças de segurança para restringir um exercício de direitos políticos considerado inoportuno para a agenda reformista do governo.

Manifestantes protestam em Dijon, na França, após governo impôr controversa reforma previdenciária
Manifestantes protestam em Dijon, na França, após governo impôr controversa reforma previdenciária - Arnaud Finistre - 23.mar.23/AFP

Os protestos ocorrem um dia após o fracasso da reunião entre a primeira-ministra, Elisabeth Borne, e representantes da junta intersindical que organiza os atos desde janeiro.

"Dissemos mais uma vez à primeira-ministra que não poderia haver outro resultado democrático da reforma que não fosse a retirada do texto pelo governo", disse Cyril Chabanier, da Confederação Francesa de Trabalhadores Cristãos. "Ela respondeu que manteria seu texto, o que é uma decisão séria."

As lideranças sindicais evocaram os trabalhadores a "participarem maciçamente" da décima primeira jornada de manifestações desta quinta. "A primeira-ministra escolheu nos mandar de volta às ruas", disse a nova secretária geral da Confederação Geral dos Trabalhadores, Sophie Binet, que chamou a reunião de "inútil". "Estamos passando por uma grave crise democrática", completou o secretário-geral da Confederação Francesa Democrática do Trabalho, Laurent Berger.

De sua parte, Borne descreveu a reunião como "importante", "mesmo que nossas discordâncias sobre a idade não permitissem discussões aprofundadas".

O texto proposto pelo governo de Emmanuel Macron eleva a idade mínima para aposentadoria dos franceses de 62 para 64 anos até 2030 e prolonga os anos de contribuição para acesso à pensão integral, de 42 para 43 anos, já a partir de 2027.

Depois de aprovada por meio do artigo 49.3 da Constituição da França, que aprova textos mesmo sem a votação parlamentar e é considerado, portanto, um instrumento de baixa densidade democrática, a reforma está sob análise do Conselho Constitucional do país. O conselho deve emitir um parecer sobre a constitucionalidade do projeto e de seu trâmite na semana que vem.

Mas o desgaste de Macron diante da crise política e social gerada pela longa batalha entre a reforma e as ruas já dá sinais de repercussão nas urnas. Se as eleições presidenciais francesas fossem realizadas hoje, Macron perderia para Marine Le Pen, do partido de ultradireita Reunião Nacional, por 45% a 55% dos votos, segundo pesquisa do instituto Elabe, encomendada pela BFMTV e divulgada nesta quarta.

Os protestos da vez ocorrem também um dia depois de o ministro do Interior, Gérald Darmanin, ter se apresentado à Assembleia Nacional e ao Senado após ser convocado a prestar esclarecimentos sobre as acusações de abusos no uso da força cometidos por policiais nas manifestações.

"Eu não concordo com o uso do termo 'violência policial' porque isso significaria que a polícia é estruturalmente violenta", disse o ministro, antes de se apresentar aos deputados. "Eles são violentos porque lhes pedimos que usem a força em nome da lei, para restaurar a ordem pública", justificou.

Aos deputados, o ministro revelou que, desde os atos de 16 de março, dia em que Borne evocou o artigo 49.3 e incendiou as ruas, foram feitas 1.851 prisões em manifestações e ocorreram 299 ataques a instituições públicas, 2.500 incêndios em estradas públicas e 13 incêndios em prédios.

Para o cientista político Olivier Fillieule, professor da Universidade de Lausanne, na Suíça, o governo adotou uma estratégia para cada momento da tramitação da reforma. "Antes, as instruções eram de que a polícia deveria permanecer em segundo plano e ser tolerante com pequenos distúrbios para não chamar a atenção da mídia e da opinião pública para a força crescente das manifestações", analisa. "A partir da adoção do projeto sem votação, o governo começou a impedir os bloqueios e a demandar ordem com mais firmeza, e foram retomados fundamentos de uma estratégia de brutalização policial experimentada em larga escala durante o movimento dos Coletes Amarelos."

Ele se refere ao movimento que fechou estradas pelo país a partir do anúncio de aumento de impostos sobre combustíveis, em 2018, impondo derrotas aos planos de Macron para seu primeiro mandato. Segundo Fillieule, entre esses fundamentos estão abordagens em larga escala e mau uso da custódia policial, além do uso inoportuno de gás lacrimogêneo e de violência física contra pessoas desarmadas.

O especialista destaca ainda a retomada pelo governo de uma prática utilizada no movimento dos Coletes Amarelos: a proibição, sem aviso prévio, de manifestações em grandes áreas das cidades e a aplicação de multas de € 135 (R$ 743,3) a infratores.

"Em um contexto onde a greve, já longa, reduz consideravelmente a renda dos manifestantes, esse ponto se destina explicitamente a tornar cada vez mais custoso o exercício dos direitos políticos", avalia Filleule, que é diretor de pesquisa no Centro Nacional de Pesquisa Científica.

A estratégia de divulgar áreas com restrição para protestos em cima da hora foi objeto de uma decisão judicial, nesta quarta (5), depois que organizações da sociedade civil denunciaram a intenção do governo de pressionar manifestantes a ficarem em casa com medo de serem multados.

O Tribunal Administrativo de Paris determinou que o chefe de polícia da cidade publique as ordens de restrição de manifestação no site da prefeitura antes de entrarem em vigor, para que as medidas possam ser contestadas e, se necessário, suspensas em caso de violação das liberdades garantidas por lei.

Para Filleule, os efeitos da repressão sobre movimentos sociais e a participação em manifestações são ambivalentes. "Isso não impede que as autoridades se arrisquem no aumento da repressão e, portanto, também no aumento do nível de violência nas ruas, na esperança de que a opinião pública se volte contra os manifestantes, desacreditando um movimento social", explica. "Essa estratégia foi utilizada contra os coletes amarelos com uma certa eficácia. Neste momento, no entanto, o efeito tem sido o oposto. Diante da repressão, as manifestações se inflamaram."

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