Descrição de chapéu
George O. Liber

Se o Brasil fosse invadido, Lula apoiaria um plano de paz que recompensa o agressor?

Com apoio a proposta da China, imparcialidade de presidente brasileiro na Guerra da Ucrânia foi colocada em questão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

George O. Liber

Professor de história da Universidade do Alabama em Birmingham e especialista em Ucrânia

Durante a visita de Lula à China, na semana passada, ele abraçou o recente plano de paz da China para a guerra da Rússia na Ucrânia. Com a chegada do chanceler russo, Serguei Lavrov, ao Brasil, Lula e sua equipe de política externa devem discutir o plano, que a Rússia apoia. Qual é esse plano e quais são as suas possibilidades de acabar com o conflito na Ucrânia? E por que o Brasil se alinhou a ele?

O líder chinês, Xi Jinping, e o presidente brasileiro, Lula, cumprimentam-se em Pequim
O líder chinês, Xi Jinping, e o presidente brasileiro, Lula, cumprimentam-se em Pequim - Ricardo Stuckert/Presidência via Reuters

Em um documento de posicionamento publicado em fevereiro, Pequim sugeriu que a comunidade internacional respeitasse a soberania de todos os países da região; que os EUA e seus aliados da Otan abandonassem a mentalidade de Guerra Fria; que todas as partes envolvidas, direta ou indiretamente, cessassem as hostilidades; que a Rússia e a Ucrânia retomassem as negociações de paz; que a ONU desempenhasse um papel de coordenação na canalização da assistência humanitária para as zonas em conflito; que as partes beligerantes protegessem os civis e os prisioneiros de guerra; que os beligerantes e a Agência Internacional de Energia Atômica mantivessem as usinas nucleares seguras.

Também sugeriu que as superpotências evitassem a ameaça ou a utilização de armas nucleares; que Rússia, Turquia, Ucrânia e ONU facilitassem o fluxo das exportações de cereais por meio do Mar Negro; que EUA, União Europeia e G7 deixassem de impor sanções unilaterais não autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU; que todas as partes mantivessem as cadeias industriais e de suprimento em funcionamento normal; e que a comunidade internacional apoiasse a reconstrução das zonas de conflito.

Esses louváveis (ainda que vagos) princípios não proporcionaram novas iniciativas para pôr fim à guerra. Embora a China tenha proclamado neutralidade no conflito e se abstido de fornecer armas à Rússia, não condenou a agressão de seu parceiro mais próximo nem pediu a retirada de suas tropas da Ucrânia.

Em contraste, Lula condenou a invasão de Putin. Reconheceu o direito da Ucrânia a se defender, mas é a favor de soluções diplomáticas em vez do fornecimento de ajuda à defesa. Recusa-se a vender armas à Ucrânia, num esforço para manter a neutralidade. "Não quero aderir à guerra, quero acabar com a guerra".

Mas ao apoiar o plano da China e aceitar a narrativa chinesa, a imparcialidade de Lula foi colocada em questão. Ele provocou indignação na Ucrânia em 6 de abril de 2023, ao sugerir que os ucranianos deveriam considerar desistir da Crimeia em troca da paz com a Rússia.

Ao dar preferência aos interesses de "segurança" da Rússia em detrimento da integridade territorial da Ucrânia, o plano chinês é falho. Pode estabelecer um cessar-fogo com linhas de delimitação e uma ocupação contínua do território ucraniano, gerando uma paz cartaginesa, não uma paz permanente.

Como afirmou Mikhailo Podoliak, um dos principais conselheiros do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski: "Não se trata de paz, mas de congelar a guerra, uma derrota ucraniana."

A promessa de paz significa o reconhecimento da soberania da Ucrânia, o seu direito a existir independentemente da Rússia dentro dos seus territórios internacionalmente reconhecidos, estabelecidos depois de sua independência da União Soviética em 1991.

O documento de posição da China e os comentários de Lula sobre a guerra levantam duas questões fundamentais: o que constitui a soberania territorial da Ucrânia? O território estabelecido em dezembro de 1991 e reconhecido por toda a comunidade internacional? Ou a Ucrânia depois que a Rússia anexou a Crimeia, em março de 2014? Ou, ainda, a Ucrânia depois que a Rússia anexou as províncias de Kherson, Zaporíjia, Donetsk e Lugansk, em setembro de 2022?

Lula levanta também a questão de até onde a Ucrânia deve ir na defesa de sua integridade territorial. Como o país poderia fazê-lo sem extensa ajuda militar estrangeira, especialmente dos Estados Unidos?

Ao sugerir soluções sem abordar as realidades das origens dessa guerra, sem reconhecer que país a iniciou, ou mesmo sem designar esse conflito como uma guerra, os esforços da China, do Brasil e de outros países para se tornarem intermediários da paz fracassarão.

Não está muito claro por que o Brasil apoia o plano de paz da China, condenado ao fracasso.

Se uma das mais poderosas potências militares do mundo lançasse uma invasão não provocada do Brasil e anexasse a região amazônica, será que Lula e os brasileiros, partidários do petista ou de Bolsonaro, apoiariam um plano de paz que recompensasse o agressor com amplas concessões territoriais?

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.