Biden buscará Lula e Modi no G7 para tratar da Ucrânia, diz assessor

Segundo Jake Sullivan, americano 'agradecerá a Lula por apoiar resoluções da ONU' sobre integridade territorial

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Hiroshima

Acompanhando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, à cúpula do G7 em Hiroshima, o assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, afirmou neste sábado que o líder "buscará oportunidade de falar" com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, no evento.

De acordo com Sullivan, Biden quer conversar "com ambos sobre o papel construtivo que cada país pode desempenhar no apoio ao elemento mais fundamental de qualquer resultado [da Guerra na Ucrânia], que é soberania e integridade territorial, sagradas na Carta da ONU".

O presidente americano, Joe Biden, durante reunião com os líderes da Austrália, Anthony Albanese, e da Índia, Narendra Modi, na cúpula do G7 - Kenny Holston - 20.mai.23/AFP

Segundo Sullivan, Biden "agradecerá ao presidente Lula por ter apoiado várias das principais resoluções da ONU neste conflito". "O motivo pelo qual o Brasil as apoiou é porque essas resoluções têm esse princípio, da integridade territorial", disse.

Ele acrescentou, porém, que a Ucrânia "será um de muitos temas-chaves" das conversas, e citou outros, como por exemplo, o investimento dos EUA no Brasil e na Índia, o crescimento de bancos multilaterais para o desenvolvimento e o peso da dívida. Citou especificamente a Parceria para Infraestrutura e Investimento Global, programa do G7 que busca se contrapor à Iniciativa Cinturão e Rota, da China.

Sullivan também questionou o tom da pergunta feita na coletiva, sobre Biden ter a intenção de "pressionar" Lula e Modi. "Pressão é a palavra errada", disse. "Não é assim que o presidente Biden opera com esses líderes, com quem tem relações profundas".

Procurada, a comitiva brasileira não negou nem confirmou uma reunião bilateral dos presidentes brasileiro e americano.

A exemplo de Biden, também o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, negocia bilaterais com Lula e Modi. A Folha confirmou o contato dele com o governo brasileiro e questionou Lula, na manhã deste sábado (20) no horário local —noite de sexta-feira (19) no Brasil—, se vai se encontrar com Zelenski. "Não sei", respondeu o presidente.

Já o líder indiano estaria acertando uma reunião com o ucraniano ainda para a noite de sábado, segundo jornais do país. E o governo do Japão confirmou oficialmente, afinal, ter aceito a solicitação ucraniana de participar da cúpula presencialmente depois que "Zelenski expressou seu forte desejo" de fazê-lo. Ele estará em duas reuniões gerais no domingo, uma com os Estados-membros do G7, outra com ambos integrantes e convidados.

Lula discursa no G7

Sentado ao lado do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez seu primeiro discurso na cúpula do G7, na tarde deste sábado (20), horário local, em uma sessão cujo tema era a cooperação internacional para enfrentar crises globais.

Em crítica ao próprio G7 —grupo que reúne algumas das maiores economias desenvolvidas—, afirmou que a solução para as ameaças sistêmicas atuais "não está na formação de blocos antagônicos ou em respostas que contemplem um número pequeno de países".

Citando o "retrocesso" da paralisação da Organização Mundial do Comércio (OMC), sem creditar nominalmente os Estados Unidos, afirmou que "não faz sentido convocar emergentes para resolver as crises do mundo sem atender às preocupações deles".

E "sem que estejam adequadamente representados nos principais órgãos de governança global", acrescentou, retomando a cobrança por uma reforma na composição de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Conselho de Segurança das ONU.

Trouxe o exemplo da crise argentina. "O endividamento externo que vitimou o Brasil no passado e hoje assola a Argentina é causa de desigualdade e requer do FMI que considere as consequências sociais de suas políticas de ajuste", afirmou.


Leia abaixo a íntegra do discurso de Lula no G7

Quero agradecer ao primeiro-ministro Kishida pelo convite para que o Brasil participasse do segmento ampliado da cúpula de Hiroshima.

Esta é a sétima vez que sou convidado de uma reunião do G7. Quando aqui estive pela última vez, na Cúpula de L'Aquila em 2009, enfrentávamos uma crise financeira global de proporções catastróficas, que levou à criação do G20 e expos a fragilidade dos dogmas e equívocos do neoliberalismo.

O ímpeto reformador daquele momento foi insuficiente para corrigir os excessos da desregulação dos mercados e a apologia do estado mínimo. A arquitetura financeira global mudou pouco e as bases de uma nova governança econômica não foram lançadas.

Houve retrocessos importantes, como o enfraquecimento do sistema multilateral de comércio. O protecionismo dos países ricos ganhou força e a Organização Mundial do Comércio permanece paralisada. Ninguém se recorda da rodada do desenvolvimento [Doha].

Os desafios se acumularam e se agravaram. A cada ameaça que deixamos de enfrentar, geramos novas urgências.

O mundo hoje vive a sobreposição de múltiplas crises: pandemia da Covid-19, mudança do clima, tensões geopolíticas, uma guerra no coração da Europa, pressões sobre a segurança alimentar e energética e ameaças à democracia.

Para enfrentar essas ameaças é preciso que haja mudança de mentalidade. É preciso derrubar mitos e abandonar paradigmas que ruíram.

O sistema financeiro global tem que estar a serviço da produção, do trabalho e do emprego. Só teremos um crescimento sustentável de verdade direcionando esforços e recursos em prol da economia real.

O endividamento externo de muitos países, que vitimou o Brasil no passado e hoje assola a Argentina, é causa de desigualdade gritante e crescente, e requer do Fundo Monetário Internacional um tratamento que considere as consequências sociais das políticas de ajuste.

Desemprego, pobreza, fome, degradação ambiental, pandemias e todas as formas de desigualdade e discriminação são problemas que demandam respostas socialmente responsáveis.

Essa tarefa só é possível com um estado indutor de políticas públicas voltadas para a garantia de direitos fundamentais e do bem-estar coletivo. Um estado que fomente a transição ecológica e energética, a indústria e a infraestrutura verdes.

A falsa dicotomia entre crescimento e proteção ao meio ambiente já deveria estar superada. O combate à fome, à pobreza e à desigualdade deve voltar ao centro da agenda internacional, assegurando o financiamento adequado e transferência de tecnologia.

Para isso já temos uma bússola, acordada multilateralmente: a Agenda 2030.

Não tenhamos ilusões. Nenhum país poderá enfrentar isoladamente as ameaças sistêmicas da atualidade. A solução não está na formação de blocos antagônicos ou respostas que contemplem apenas um número pequeno de países.

Isso será particularmente importante neste contexto de transição para uma ordem multipolar, que exigirá mudanças profundas nas instituições. Nossas decisões só terão legitimidade e eficácia se tomadas e implementadas democraticamente.

Não faz sentido conclamar os países emergentes a contribuir para resolver as "crises múltiplas" que o mundo enfrenta sem que suas legítimas preocupações sejam atendidas, e sem que estejam adequadamente representados nos principais órgãos de governança global.

A consolidação do G20 como principal espaço para a concertação econômica internacional foi um avanço inegável. Ele será ainda mais efetivo com uma composição que dialogue com as demandas e interesses de todas as regiões do mundo. Isso implica representatividade mais adequada de países africanos.

Coalizões não são um fim em si, e servem para alavancar iniciativas em espaços plurais como o sistema ONU e suas organizações parceiras. Sem reforma de seu Conselho de Segurança, com a inclusão de novos membros permanentes, a ONU não vai recuperar a eficácia, autoridade política e moral para lidar com os conflitos e dilemas do século 21.

Um mundo mais democrático na tomada de decisões que afetam a todos é a melhor garantia de paz, de desenvolvimento sustentável, de direitos dos mais vulneráveis e de proteção do planeta. Antes que seja tarde demais.

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