Comentários imprudentes sobre Venezuela minam liderança de Lula, diz Human Rights Watch

Segundo organização, presidente brasileiro precisa reconhecer crise de direitos humanos no país vizinho

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São Paulo

A ONG Human Rights Watch (HRW) criticou nesta quarta-feira (31) a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que existem "narrativas" sobre a situação política da Venezuela. A declaração foi feita pelo brasileiro durante encontro com o ditador Nicolás Maduro no Palácio do Planalto, em Brasília.

Em nota, a HRW disse que Lula foi imprudente e perdeu uma oportunidade crucial para defender os direitos humanos no país vizinho. "Como alguém que enfrentou recentes esforços para derrubar a democracia no Brasil, foi frustrante vê-lo bajulando um governante tão autoritário", diz.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro em Brasília - Ueslei Marcelino - 29.mai.23/Reuters

A ONG afirma que, assim como organizações venezuelanas, tem documentado violações dos direitos humanos cometidas pelo regime de Maduro que incluem repressão contra manifestantes, tortura de pessoas detidas e abertura de processos criminais contra civis em tribunais militares.

"Desde 2014, ocorreram 15,7 mil prisões por motivos políticos, e hoje mais de 280 pessoas permanecem detidas por motivos políticos" no país, diz a organização, acrescentando que o regime chavista passou a controlar o Legislativo e subordinou o Judiciário aos seus interesses.

A nota menciona as crises política e econômica que aumentaram a pobreza na Venezuela e criaram uma crise migratória. Segundo a entidade, 7,2 milhões de venezuelanos fugiram do país desde 2014. "As Nações Unidas têm relatado que a desnutrição no país é a mais alta da região, afetando 6,5 milhões de pessoas. A Human Rights Watch também documentou o colapso do sistema de saúde."

A nota da HRW defende ainda que, diante da crise, Lula deveria demonstrar apoio aos "presos políticos, jornalistas ameaçados, doentes e famintos, migrantes e refugiados" da Venezuela. Afirma também que a declaração sobre a existência de "narrativas" minou a liderança de Lula e que o brasileiro deveria usar todas as oportunidades que tem para reformular seu posicionamento.

"Lula deveria aproveitar todas as oportunidades para restaurar a liderança que seus comentários imprudentes minaram e cumprir sua promessa de ser um líder na defesa e promoção dos direitos humanos em todo o mundo. A crise venezuelana e a crise migratória continuarão sendo um tema importante sempre que os líderes sul-americanos se encontrarem", diz trecho do texto.

Lula realizou uma reunião de líderes sul-americanos em Brasília na tentativa de criar maior integração na região. Na segunda, o presidente brasileiro recebeu Maduro em visita oficial e disse que as acusações de falta de democracia no país caribenho eram parte de uma "narrativa".

"Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião. É preciso que você [Maduro] construa a sua narrativa. E a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que o que eles têm contado contra você. Está nas suas mãos construir a sua narrativa e virar esse jogo, para que a gente possa vencer definitivamente, e a Venezuela, voltar a ser um país soberano, onde somente seu povo, por meio de votação livre, diga quem é que vai governar esse país", afirmou Lula.

A declaração provocou críticas, inclusive dos presidentes de Uruguai e Chile. O uruguaio Luis Lacalle Pou se disse surpreso com a fala do petista. Na mesma toada, o chileno Gabriel Boric, crítico da ditadura venezuelana, afirmou ter manifestado discrepância em relação à declaração do brasileiro.

Nesta terça (30), Lula reiterou seu discurso sobre a Venezuela e afirmou que a suposta construção de narrativas remonta a 2002, sempre associada ao regime chavista. Segundo o petista, construiu-se a imagem de que o ex-presidente Hugo Chávez era um "demônio", o que manipulava a opinião pública.

O presidente brasileiro ainda relativizou as críticas recebidas de outros presidentes sul-americanos. Segundo ele, as falas foram feitas no "limite da democracia".

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